Procura-se

Parte I

*

— Você está horrível. Parece até que dormiu dentro de um chiqueiro.

Sem se dar ao trabalho de responder o comentário, Sam puxou uma cadeira e sentou. Ela amassou o chapéu encardido, onde uma bala tinha aberto um buraco na lateral, e o depositou sobre a mesa. Os olhos de Félix se prenderam no objeto, enquanto o reflexo na janela às costas dele dava para Sam uma boa ideia da sua aparência.

O corte na testa talvez deixasse uma cicatriz, mas o olho roxo e os lábios inchados e cortados desapareceriam em alguns dias. Passou a mão sobre um dos botões da camisa que, outrora, fora predominantemente da cor marfim. Naquele momento, a peça não passava de um trapo sujo de lama, suor e sangue. Entretanto, em relação ao sangue, a maior parte não era seu.

— Na última vez em que você me apareceu assim, tive prejuízo — Félix comentou, cofiando o cavanhaque.

— Sua encomenda está lá fora — falou Sam, apontando para as costas dele, com ares de desafio.

Félix girou sobre o assento e espichou os olhos para a rua. Dois corpos estavam amarrados no lombo de um cavalo, chamando a atenção de quem passava por ali e uma pequena aglomeração se formava.

Assoviou baixinho, voltando a encará-la.

— Vejo dois corpos, mas só te mandei atrás de um.

Sam tirou um papel do bolso e depositou na mesa. Empurrou-o na direção dele, explicando:

— Ele tinha um primo, também procurado. O sujeito estava de passagem pela cidade e não ficou muito feliz em perder um membro da família.

— Seu estado faz bastante sentido agora.

— Aquele puto me emboscou na saída da cidade. Ainda era madrugada.

Félix observou o retrato no cartaz que lhe dera. A descrição revelava um sujeito perigoso e mortal. Entretanto, não se surpreendia que Sam tivesse conseguido dar cabo dele. Fitou-a por cima do papel.

Não era uma mulher franzina, tampouco era forte. Naquele momento, nem mesmo se parecia com uma mulher, ainda que os traços delicados do rosto não pudessem ser escondidos. Na verdade, ela preferia assim, os cabelos curtos, as roupas masculinas, um nome abreviado.

Isso não incomodava Félix, que após vinte anos no ramo, já não se surpreendia com as excentricidades dos caçadores de recompensa. Viver de matar pessoas por dinheiro atraía tipos estranhos.

Decerto que Sam era uma exceção, visto que era a única mulher na profissão — que ele tivesse ouvido falar. Fazia sentido optar por uma aparência menos atraente, pelo menos, para os homens. Afinal, era um “rapaz” de feições agradáveis. Contudo, se a situação exigisse, ela não se furtava dos vestidos, maquiagem e uma peruca.

Só a vira assim uma vez e surpreendeu-se com o fato, pois era certo de que esteve diante de outra pessoa. Samanta, a versão feminina de Sam, era uma mulher de gestos delicados e fala macia, com lábios rubros e longos cílios negros. Atraente, mas não ao ponto de enlouquecer os homens, todavia, marcante o suficiente para conquistar sua atenção.

Ficou de pé e foi até o cofre, resmungando:

— Dermot não vai ficar muito feliz. Tinha dado esse trabalho para ele, mas já que o sujeito atravessou seu caminho, é justo que receba pelo serviço.

Abriu o cofre e retirou um maço de notas. Contou-as devagar e depositou a quantia acertada, mais o extra, à frente dela. Sam enfiou o dinheiro no bolso da calça sem se dar ao trabalho de conferir o valor. Félix não era o sujeito mais agradável que já conhecera, entretanto, era muito honesto nos negócios.

— Você tem se saído bem. Por que não tira uns dias de descanso?

A mulher arqueou uma sobrancelha.

— Não me sinto cansada — retrucou, vendo-o fazer uma careta.

Sempre que a via entrar no escritório, recordava seu velho amigo e pai dela. Após ficar viúvo, Thomas Bordoni levou a filha de um lugar a outro do país, a criou como um menino, ensinou a atirar, rastrear, investigar. E quando a morte a aposentou, ela continuou na profissão.

Obviamente, nenhuma agência estava disposta a empregar uma mulher, porém, a ligação de Félix com Thomas o fez contratá-la. Até aquele momento, ele não tinha se arrependido.

— Sabe, alguns rapazes não estão muito felizes com o seu sucesso — contou, então apontou para a janela. — Isso vai ser uma dor de cabeça dos infernos.

— Eu não fui atrás do sujeito, você me conhece! Só pego as presas que me pertencem. Mas se um homem atirar em mim, irei atirar de volta.

— Argh! — Félix suspirou, concordando.

Não se importava, de fato. Afinal, o serviço tinha sido feito, mas sentia o desgaste da discussão com Dermot antecipadamente.

— Vou ter que arranjar um trabalho com uma ótima recompensa para o Dermot… — afirmou, e ela deu de ombros, desinteressada.

Ele escorou na mesa, cruzando os braços. Foi sincero sobre algo que ela já sabia:

— Nosso ramo exige pessoas de coragem, que estejam dispostas a arriscarem a vida e a ficarem longe de casa por muito tempo. Ainda assim, é bastante competitivo. Eu tenho bons homens trabalhando para mim e faço questão de mantê-los ocupados em tarefas que sejam adequadas às suas habilidades e que não pisem no ego de ninguém. Mas você… — suspirou — é diferente. Eles não gostam de perder para uma mulher. Mesmo que ela se vista, fale e aja como eles. Principalmente, se ela for melhor que eles nesse trabalho.

— Está me dispensando?

— Nem se eu estivesse louco! — riu. — Não me entenda mal! Estou muito satisfeito com o seu trabalho, pois me provou que não estava errado em te contratar. Mas não quero achar o seu corpo apodrecendo na beira de uma estrada qualquer com um tiro na testa. Então, tente evitar situações como essa.

Esperou que ela lhe desse uma resposta positiva, mas não houve qualquer manifestação. Deu o assunto por encerrado e ladeou a mesa até alcançar a cadeira, que deixara vazia minutos antes. Sentou e retirou uma pasta da gaveta. Colocou-a sobre a mesa, porém, não fez questão de mostrar o conteúdo para Sam.

— Já que não quer descansar, tenho um trabalho complicado para você — ele bateu o indicador na pasta algumas vezes. — E não vai poder ir sozinha.

— Não quero parceiros, você sabe — ela relembrou, inflexível.

O homem passou a mão no rosto, tranquilo.

— Ir sozinha não é mesmo uma opção, Sam. Para você ou qualquer outro.

Ela se recostou na cadeira, mirando a pasta.

— Estou ouvindo… — disse.

— Você tem direito de dizer “não” para esse serviço, só para deixar claro.

Finalmente, a pasta foi aberta. Félix a empurrou na sua direção e Sam passou os olhos em uma dezena de recortes de jornais e relatórios.

— Jonas Morgan. Assassino, estuprador, assaltante de diligências, ladrão de gado… O homem já fez de tudo que não presta nessa vida. — Félix murmurou.

— É muito dinheiro por um homem… — comentou, reparando na nota no rodapé de um dos relatórios.

O chefe pegou a cigarreira, que estava largada no meio da mesa. Escolheu um cigarro e o levou à boca. Falava enquanto o fósforo ardente o acendia.

— Isso é apenas o que a justiça está oferecendo. Nada nos impede de recolher esse dinheiro quando o matarmos. Contudo, nosso verdadeiro cliente está oferecendo 5 vezes mais.

— Não estou entendendo…

— Jonas Morgan matou a mulher e o filho dele em seu último assalto, há três anos. O desgraçado sumiu depois disso e todos os caçadores de recompensa que foram à sua procura morreram.

Expulsou a fumaça pelo nariz e voltou a tragar o cigarro.

— Temos informações de que se esconde em uma cidadezinha perto das colinas, mas a pessoa que estava nos ajudando e podia identificá-lo desapareceu misteriosamente.

— Então?

— Quero mandar você, Dylan e Tommy até lá. Dois homens do leste na cidade seriam suspeitos, mas um casal e o cunhado à espera de uma diligência, não.

— Um casal… — ela fez cara feia.

— Você ainda pode tirar aqueles dias de descanso — ele sorriu, irônico.

Sam baixou a vista para os papéis que segurava. Era dinheiro demais para que não se sentisse tentada.

**

(Um mês depois)

Sam cruzou o leito seco de um rio com passos arrastados. Lamentou a poeira que grudava em suas botas, em vez de água fresca, enquanto reclamava do seu infortúnio. Ergueu a face para o céu, antes de levar a mão à face.

O estômago roncava como um animal selvagem, a boca e a garganta ardiam de secura e ainda havia as malditas bolhas em seus pés. Mas, pior que tudo isso, era o ferimento na barriga. Uma bala havia atravessado seu corpo e estava certa de que não atingiu nenhum órgão, porém, após três dias sem os cuidados adequados, começava a infeccionar.

Teve vontade de rir da situação, recordando a previsão de um velho índio bêbado que cruzou seu caminho alguns anos antes. Já não lembrava as palavras exatas dele, mas envolviam sofrimento e morte.

Ela encarou o sol forte do meio dia e passou a língua pelos lábios, na vã tentativa de umedecê-los, porém não tinha saliva para tanto. Tossiu forte, antes de se apoiar em uma pedra e retornar ao caminho, quando avistou uma cerca. Por um momento, acreditou se tratar de uma miragem causada pela febre e cansaço. Mas era real e se dirigiu para lá.

***

Cléo suspirou, irritada com o rumo que a conversa tomava. Ela arriscou uma olhadela para o rosto austero do Prefeito Brown e ele mostrou um sorriso amarelo por baixo do bigode negro e farto, que o fez parecer qualquer coisa, menos simpático ou atraente.

— Pense nisso — pediu o prefeito. — Acho que poderíamos ser grandes juntos.

Os dois percorriam a estradinha que levava até a porteira do rancho, seguidos de perto pelo pequeno Oliver, que trazia na mão as rédeas do cavalo do prefeito. Cléo fitou o filho por sobre o ombro. Então, mostrou um sorriso sem qualquer significado para o outro homem que os acompanhava.

Will Tucker, conhecido como a “sombra” do prefeito, lhe dirigiu um meneio de cabeça e voltou a fitar o caminho à frente, fingindo-se indiferente à conversa.

— Agradeço a visita, Senhor Brown — ela tomou as rédeas das mãos do filho e entregou para o prefeito.

Um pouco sem jeito, o homem montou no cavalo e cruzou a porteira com a promessa de que retornaria em poucos dias, a fim de obter a resposta para a sua proposta. Cléo assistiu os dois homens se afastarem até que suas figuras não passassem de um ponto preto no horizonte, o qual foi encoberto por uma nuvem de poeira, gerada pelas patas dos cavalos.

Ela se voltou para iniciar o retorno para casa, porém não encontrou o filho. Buscou Oliver com o olhar, mas a criança não estava à vista. Chamou por ele, até que o viu correr em sua direção, chamando-a e apontando para algo que seus olhos ainda não eram capazes de alcançar.

* ** *

— De onde você veio?

A voz rude assustou Sam, que havia acabado de acordar e fitava o teto com a mente ainda nublada. O corpo inteiro doeu quando se virou para encarar o homem que lhe falou. Antes de focalizá-lo, percebeu que se encontrava em um paiol. O homem estava recostado à porta deste, pitando um cachimbo.

Sam espalmou as mãos sobre o leito em que se encontrava. Alguém tinha jogado um lençol velho sobre um monte de palha, tornando-a a coisa mais próxima de uma cama em que havia se recostado em dias.

Encarou o homem, reparando nos cabelos brancos e na pele enrugada e queimada de sol.

— Hm… eu… — fez um esforço para sentar-se e a palha estalou sob seu peso.

A garganta seca lhe doeu quando falou e passou alguns instantes tentando juntar um pouco de saliva para umedecê-la, o que só aconteceu realmente quando o velho se aproximou e lhe entregou uma caneca cheia d’água.

A sede era tanta, que Sam engasgou-se com o líquido e pouco se importou com o olhar curioso dele, que retornou para junto da porta com passos claudicantes. Ali, sentou-se sobre um banquinho, e esticou as pernas longas. Atirou as cinzas do cachimbo no chão, então retirou uma caixinha do bolso, pegou um bocado de tabaco e voltou a encher o fornilho.

— Você levou uma surra e tanto — comentou, atento a tarefa de preparar o fumo. — E esse buraco na sua barriga… Você teve muita sorte. Quer me falar sobre isso?

Sam deslizou o olhar do rosto dele para o rifle, que repousava ao seu lado recostado à parede.

— Tive… — iniciou, mas a voz falhou e tomou um instante para limpar a garganta e reiniciar a fala. — Tive um contratempo desagradável na estrada. Pode-se dizer que estarmos tendo esta conversa é uma grande sorte.

Preferiu ser vaga, afinal, sua caminhada pelo deserto não a levou tão longe quanto desejava estar de Jonas Morgan e companhia. Baixou a vista para as mãos sujas de terra e sangue; o seu e o de Tommy. O rapaz foi baleado enquanto fugiam da cidade de Valeriana, após Dylan ser assassinado pelo criminoso que foram caçar.

Juntou a caneca vazia entre as mãos.

— Como cheguei aqui? — ela quis saber.

— Minha sobrinha e o filho dela te encontraram junto a cerca do rancho — fez um gesto com a cabeça indicando a direção da qual falava, como se fosse possível vê-la da madeira que formava as paredes.

Sam balançou a cabeça, dizendo:

— Agradeço pela sua bondade.

Fez silêncio por um momento, em que se tornou alvo do olhar perscrutador do homem. A desconfiança dele era quase palpável, contudo, natural.

— Eu me chamo Sam e venho dos Montes Vermelhos.

O velho estreitou os olhos, perguntando:

— Sam de quê?

— Bordoni, Senhor. — Pigarreou forte, a tontura fazendo o ambiente girar à sua volta. — Sam Bordoni.

Juntou o rosto entre as mãos, inspirando fundo.

— Hm… O que veio fazer tão longe de casa, Sam Bordoni?

Era uma pergunta que Sam ouvia com bastante frequência e as respostas variavam de acordo com a necessidade e lugar.

— Estou apenas procurando sobreviver neste mundo da maneira que posso. Fico onde há trabalho, parto quando não precisam mais de mim.

Fitou os próprios pés. Alguém lhe tirou as botas, deixando à vista as bolhas e feridas.

— Hm… — O velho cuspiu no chão. — Não há trabalho no deserto.

Sam quase sorriu com o comentário. Ali estava alguém que não se satisfazia com meia dúzia de informações.

— De fato, senhor… Desculpe, ainda não sei o seu nome.

— Aran. — Informou ele, riscando um fósforo e acendendo o cachimbo.

O vento quente do fim de tarde entrou no paiol através da porta, que ele abriu, a fim de refrescar o ambiente. Às costas dele, Sam enxergou uma casa pequena, rodeada por uma varanda, onde um garoto estava sentado no batente. O menino dirigiu um olhar curioso na sua direção, então se ergueu e entrou na residência.

— Estava indo para Valeriana, em busca de trabalho na ferrovia — concluiu a mentira.

As pessoas não costumavam reagir bem às palavras “caçador de recompensas”, tampouco com uma mulher executando esse trabalho. Então, tinha sempre uma história alternativa na ponta da língua. A maioria das pessoas sequer notava seu gênero. Não porque fosse excessivamente masculina, mas porque não estavam interessadas, coisa que Sam apreciava. Ser desinteressante tornava sua profissão mais fácil, visto que as pessoas não reparavam na presença dela e acabavam por baixar a guarda.

— Hum… é um trabalho muito pesado para uma mulher. — Aran fez um gesto vago, explicando que uma inspeção no seu corpo tinha sido necessária, graças ao sangue em suas roupas.

— Está… tudo bem… eu compreendo e volto a agradecer o cuidado. — Soprou o ar, contendo um gemido de dor.

Se conseguisse usar as palavras certas, talvez pudesse ficar alguns dias por ali e se recuperar. Um rancho era um bom esconderijo até que conseguisse entrar em contato com Félix.

— Não tenho medo de trabalho duro, senhor.

O velho Aran a encarou por algum tempo, como se estivesse decidindo se acreditava ou não naquela história. Realmente, não se importava com uma mulher metida em calças; não era a primeira que conhecia. Mas havia algo estranho naquela história, afinal, ninguém levava um tiro de graça.

Por fim, balançou a cabeça algumas vezes, dizendo:

— Você pode ficar aqui até melhorar. Há bastante feno para se deitar. Vou mandar meu sobrinho trazer um pouco de água para você se banhar e uma muda de roupa também.

— Eu agradeço sua bondade — respondeu, humilde.

— Não precisa — ele ficou de pé, pegando o rifle. — Mas só pra você saber, eu tenho outra igual a esta debaixo da cama.

Ele olhou para o coldre na cintura de Sam, que sorriu, percebendo que a ameaça era séria.

— Não precisa se preocupar comigo, senhor. Garanto que não tenho más intenções e, também, não conseguiria fazer muita coisa assim.

O rancheiro olhou para as feridas em seus pés.

— Ah, isso deve tá doendo como um inferno — grunhiu. — Mandarei algum remédio.

— É muita gentileza.

Aran descansou o cano do rifle sobre o ombro, fazendo uma careta.

— Gentileza que eu espero que você pague me ajudando a consertar a cerca, quando conseguir ficar de pé. Não sou tão caridoso e já que você não tem medo do trabalho duro…

— Será um prazer, senhor.

Antes que ele pudesse deixar o celeiro, a sobrinha saiu da casa com o filho a tiracolo. Cléo trazia uma bacia com água, enquanto o pequeno carregava bandagens e remédios. Aran os apresentou rapidamente e Cléo pediu que os dois as deixassem a sós para que pudesse tratar dos ferimentos de Sam.

Oliver lançou um olhar curioso para ela, deu um sorriso e voltou saltitante para casa, onde se distraiu com o cachorro da família. Por sua vez, Aran recostou-se do lado de fora do celeiro, deixando a porta entreaberta o suficiente para ouvir a conversa e prestar auxílio à sobrinha, caso necessário.

Sam reparou que ela tinha olhos cor de mel. Eram gentis, apesar de sérios, e fugiam dos seus. Era evidente o desconforto dela, algo com o qual já estava acostumada a lidar diante da aparência que tinha.

— Suas roupas estão rasgadas. Eu posso costurá-las — Cléo se ofereceu.

Percebendo que já podia retornar para o interior do paiol, Aran surgiu na porta e recostou-se a esta. A caçadora de recompensas fitou os pés, cujas bolhas estavam cobertas por uma pasta verde e fétida, então avaliou o buraco da calça, na altura do joelho.

— Eu agradeço — disse, concluindo que precisava mesmo de alguns reparos.

Cléo forçou um sorriso. Lhe incomodava estar diante de alguém que não era o que aparentava, principalmente, porque foi um pouco chocante erguer a camisa do homem que socorria em busca dos seus ferimentos e descobrir um par de seios.

— Vou pegar um vestido para você — avisou.

— Não quero parecer ingrata, mas não quero um vestido.

A mulher a fitou com uma sobrancelha arqueada.

— Então, você é realmente uma dessas…

— Dessas?!

— Mulheres que querem ser homens. — Cléo explicou com uma simplicidade quase brutal, embora tivesse pronunciado as palavras de forma suave.

Ela estava muito longe da verdade. Montar usando vestido era bastante incômodo, por isso, o pai lhe deu calças aos 13 anos de idade. Sam gostou delas, não apenas pelo conforto, mas também porque aquelas roupas a faziam se sentir como se estivesse expondo seu verdadeiro “eu” e nunca mais quis saber dos delicados e pesados vestidos que a mãe lhe costurou antes de morrer.

Mesmo assim, quando a necessidade se fazia presente, ela usava roupas femininas. E esta era a verdadeira razão de recusar a gentileza de Cléo. Jonas Morgan e seu bando estavam à procura da mulher que acompanhava Tommy e Dylan. Por isso, se desfez do vestido, peruca e maquiagem na primeira oportunidade.

No entanto, isso não era sinônimo de segurança.

Por baixo das roupas que agora usava, ainda era uma mulher com um buraco de bala no exato lugar em que Morgan atirou. Suspirou em meio à resposta:

— Eu não quero ser um homem. E não haveria mal nenhum se quisesse. O corpo é meu, a vida é minha e o que faço ou deixo de fazer com eles só diz respeito a mim. Eu gosto dessas roupas, deste corte de cabelo e de ser chamada de Sam em vez de Samanta. Na maior parte do tempo, isso me protege de homens com más intenções e considerando o jeito como apareci aqui, não deve ser difícil para você entendê-lo.

Ela colocou a mão na cintura, mirando Cléo nos olhos.

— Se me fizer a gentileza de emprestar agulha e linha, eu mesma costuro as minhas roupas.

Envergonhada, Cléo encarou o olhar sombrio do tio. Começou a murmurar um pedido de desculpas:

— Eu…

— Um pedaço de linha preta será o bastante. — Sam a interrompeu, dando o assunto por encerrado.



Notas:



O que achou deste história?

2 Respostas para Parte I

  1. Boa tarde, tudo bem?

    Que surpresa maravilhosa!! Adoro esse gênero e vc começou muito bem, como sempre e, sua escrita é atraente e quando vejo o capítulo terminou!!
    Não tem porque se desculpar, entendo que o processo criativo é difícil,ainda mais sendo um pedido de um gênero não muito visto e que não veio espontâneo, mas vc fez magia e parece que a estória pediu pra vc plasmar em palavras …. Realmente Sam me atraiu, sua personalidade e lerei a 2 parte nessa semana ainda!!!!
    Chateada? No way, estou feliz!!!
    Fique com Deus
    Até o próximo capítulo!!!
    Beijo de luz

  2. Tattah,

    Ok, me ferrei de novo, mais um romance pra eu me apaixonar.
    Essa guria é feiticeira, consegue não importando o estilo
    escrever romances capazes de me prender por anos a fio.

    Tattah, a maga das palavras sem me esquecer das ilustrações
    maravilhosas; talento é teu nome.
    Bjs,

Deixe uma resposta

© 2015- 2021 Copyright Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem a expressa autorização do autor.