MARCELA

Foi uma surpresa ver meus pais ali com os pais da Joana. Mas, logo me recuperei. Meu pai estava indo de mal a pior e aprontou a maior confusão até que o pai da Joana o arrastou para fora do apartamento.

Confesso, até desejei que ele tivesse levado uns bons socos do pai dela. Talvez assim, caísse em si e criasse aquilo que tanto me pediu para fazer, juízo. Eram meus pais, mas naquele momento, me pareceram dois estranhos, tanto que nem consegui sentir pena de sua aparência tão maltratada.

Houve um silêncio longo e constrangedor depois que partiram, até que a Joana saiu da sala emburrada com o silêncio dos pais. Eles ficaram lá, com umas carinhas de dar dó.

Se o silêncio já era constrangedor antes dela sair, ficou ainda pior quando se foi. Fiquei olhando para eles sem saber o que dizer ou fazer. A mãe dela, Dona Júlia, parou de chorar, enxugou as lágrimas com um lencinho que trazia na bolsa e fixou o olhar negro como a da filha em mim. Me analisava de alto a baixo e senti minhas bochechas arderem violentamente.

— Então, você e a minha filha estão juntas. Quer dizer, namorando?

Complicado, viu?

Não sabia o que dizer, pois toda aquela confusão havia começado pelo meu desejo de vingança e as consequências foram que, tanto a Joana quanto eu, acabamos saindo de casa brigadas com nossas famílias. Mas, no caso dela, não teve culpa. Então, concluí que o mínimo que deveria fazer seria contar a verdade e esclarecer para os pais dela os reais motivos de estar ali morando com ela.

— Não, não estamos namorando

Ela arqueou as sobrancelhas. Nossa, ao fazer isso, um gesto que é tão característico de Joana, tanto quanto o sorriso cínico que sempre trazia nos lábios e que sua mãe também tinha, percebi o quanto elas eram parecidas. Os mesmos cabelos negros longos e ondulados, a pele morena, os olhos tão negros quanto a noite e misteriosos, lábios grossos. Joana era a cópia fiel da mãe só que mais jovem.

— Como não estão namorando? — revelei e encarei dois pares de olhos confusos.

Respirei fundo para ganhar coragem e confessar o meu “crime”.

— Nunca namoramos e… bem, eu não sou lésbica.

Depois daqueles beijos e dos desejos e sensações estranhas que vinha sentindo quando via Joana estava começando a duvidar disso e o pior de tudo é que estava aceitando isso com uma naturalidade de assustar.

— Como assim você não é? E aquele beijo na festa? Por que estão aqui morando juntas, então?

Os fitei sem graça e comecei a contar tudo que havia acontecido para chegarmos naquele ponto e, é claro, que ocultei os meus recém descobertos sentimentos pela Joana e que havia poucos minutos estávamos nos beijando naquele mesmo sofá em que agora eles estavam sentados.

— Então, na realidade, vocês são apenas amigas?

— Sim, é por aí.

— Como assim?

— É que a minha “amizade” com a Joana é bem recente. Nossa ligação, de início, começou porque ambas somos amigas da Aninha.

Dona Júlia sorriu ao ouvir o nome da minha melhor amiga.

— Ah, sim. Ana é um doce de menina — comentou. — Confesso, que até pensei que ela e Joana estavam se relacionando quando começou a frequentar nossa casa.

Imaginar Ana e Joana juntas me fez ferver de ciúmes com a ideia e me assustei com a violência com que esse sentimento me arrebatou.

— Mas, menina, o que você pretende fazer agora? Pergunto isso porque você está aqui morando com a nossa filha e, você sabe, as pessoas vão comentar, aliás, já estão comentando depois daquele beijo na festa dos seus pais — questionou seu esposo.

— Olha, Sr. Marcos, não vou mentir. Esse tipo de comentário me afeta e muito, mas eu mereço. Afinal, fui eu que comecei toda essa confusão. Acho que precisava mesmo sentir na pele o que a Joana sentiu e ainda sente.

— Por que diz isso?

— Porque eu era uma dessas pessoas que julgavam sem conhecer as pessoas, principalmente, a Joana. Julguei, insultei, fui preconceituosa com ela, até que a conheci e vi o quanto a sua filha é uma pessoa maravilhosa. Com todo o respeito, não sei nada da relação de vocês, exceto, pelo pouco que vi aqui e o que a Ana e o Edu me contaram. Mas, acho que vocês deveriam procurar se acertar com ela. Serem mais presentes.

— O que quer dizer?

— O que estou dizendo é que conheço a Joana muito pouco, mas vocês a conhecem a vida toda. Com certeza, devem ter percebido que depois que ela se assumiu não mudou nada exceto pelas preferências. Joana me disse uma vez, quando pedi desculpas pelo modo que a tratava anteriormente, que nem todo mundo é igual e que existem várias formas de amar e que algumas dessas formas são diferentes da concepção que as pessoas têm do que é normal e natural. Hoje, percebo que ela tem razão e percebo que vocês a amam, caso contrário, não teriam vindo aqui e não a teriam defendido na festa da forma que fizeram.

Eles me olhavam de um modo diferente. Estavam silenciosos e sérios e pensei que tivesse falado demais.

— Tem razão, menina — Sr. Marcos concluiu. — Está certa em tudo que disse. Nós amamos nossa filha e, com certeza, ela ainda continua sendo a mesma de antes. Mas, você deve saber que é difícil para nós aceitarmos isso. Sabemos, também, que não a defendemos como deveríamos, principalmente, diante dos nossos outros filhos.

Ele coçou a cabeça repleta de fios grisalhos

— Ficamos sem saber como agir diante deles — confessou.

Tomei um pouco de ar e desatei a falar o que estava em minha mente. Já que havia começado, iria terminar.

— Vocês vão me desculpar, mas acho que a Joana não se importa com a opinião dos irmãos. O Edu para ela já basta, mas ela se importa muito com o que vocês pensam, aliás, pelo que pude notar agora há pouco, ela se importa muito com o que vocês não falam. Não sou a pessoa mais indicada para dar conselhos a vocês, como puderam perceber, eu mesma não me dou bem com meus pais. Mas, há uma grande diferença entre vocês e os meus. Vocês querem o bem da Joana e, apesar de não compreenderem, estão tentando aceitar. Contudo, não estão deixando isso muito claro para ela, por isso sua filha se recente.

Parei um instante para recuperar o fôlego, enquanto os observava assentirem.

— Acho que não estamos sendo bons pais para a Joana — sua mãe concluiu deixando uma lágrima escorregar por sua face.

Me coloque de pé.

— Por favor, não quis dizer isso… — tentei explicar.

Ela calou-me com um gesto.

— Você não disse. Estou apenas admitindo o nosso erro.

Sr. Marcos se colocou de pé e Dona Júlia o imitou.

— Temos que falar com nossa filha, mas acho que agora não é o melhor momento — disse ela.

— Filha, agradecemos pela conversa e pelo modo carinhoso como falou de nossa filha. Temos mesmo que conversar com Joana, mas como a minha esposa disse, esta não é a melhor hora, pois está de cabeça quente e nem irá querer nos ouvir — ele sorriu. — A danada sempre foi assim.

Ri com a forma que se referiu a Joana. Ela bem danada mesmo e me perguntei qual de nós duas gostava mais de se meter em confusão.

Depois que se foram, fiquei muito tempo perdida em meus pensamentos. Pensamentos esses que, em sua maioria, eram sobre Joana. Estava tudo acontecendo muito rápido, mas era claro para mim que estava apaixonada por ela. Se antes tudo aquilo começou por uma vingança, não era mais. Se antes tinha ânsia de vômito ao imaginar duas mulheres beijando-se, naquele instante ansiava ser beijada por uma.

Precisava saber, não, precisava viver isso com Joana.

Fui até o quarto e fiquei a observá-la por um longo tempo. Linda, somente assim poderia descrever o modo como a via naquele momento. Agora que havia descobertos meus sentimentos ficaria mais difícil conviver com ela. Pelo modo como nos beijamos, sabia que ela gostava de mim, mas tinha medo de ser apenas mais uma das suas ficantes. Pelo que ouvi de Joana, ela era uma conquistadora sem igual.

Já tinha ficado com muita gente, beijado, dado uns amassos, transado, mas nunca quis me amarrar a ninguém, nem me arrependi de partir alguns corações. Contudo, não queria que Joana fizesse isso comigo. Não queria ser um brinquedo para ela. Na verdade, a ideia de que isso pudesse acontecer era quase insuportável para mim.

Sentei-me ao seu lado na cama disposta a provar do sabor maravilhoso de seus lábios outra vez, mas Edu atrapalhou e o momento se perdeu.

Gente! Como me senti vazia por não a ter beijado e isso era assustador.

Passei um bom tempo caminhando de um lado a outro da sala, então decidi sair e respirar um pouco de ar puro para colocar os pensamentos em ordem. Assim que coloquei os pés na rua, dei de cara com a Aninha, literalmente. Esbarramos tão forte que acabamos caindo sentadas na calçada.

Levei um tempo para me recuperar do susto, mas ela ria com vontade do acontecido.

— Ei, para! — reclamei, me colocando de pé e a ajudando a fazer o mesmo.

Ela me envolveu em um abraço super apertado e caloroso e afundei meu rosto em seu pescoço deixando que o cheiro do seu perfume me invadisse os sentidos trazendo recordações de tantos anos de amizade.

— Por que isso? — questionei quando se afastou.

Ela me dirigiu um sorrisinho maroto.

— Você estava com aquela carinha de cachorro sem dono que precisava de um abraço — informou me sapecando um beijo na bochecha.

— Sua peste, não estava, não! — ralhei, me fazendo de ofendida.

— Estava, sim — insistiu fazendo bico e me arrancou um sorriso. — Para onde ia?

Enfiei as mãos no bolso do short e chutei uma pedrinha que havia se soltado da calçada.

— Estava indo dar uma volta, respirar um pouco de ar puro e colocar a mente em ordem. Vem comigo?

Ela bateu continência.

— Ana Maria, sua fiel escudeira, se apresentado para acompanha-la, madame!

Ri da piada e entrelacei meu braço no seu que acompanhou meus passos no mesmo ritmo. Não fomos muito longe, dois quarteirões adiante, se queixou de cansaço e me fez sentar na calçada da Igreja.

— Vai, me conta o que te atormenta — pediu me empurrando carinhosamente com o ombro.

— Tudo o que aconteceu e ainda está acontecendo.

Ela deixou o sorriso que tinha nos lábios morrer.

— Espero que não esteja procurando um culpado para suas trapalhadas — disse com sinceridade.

Me senti um pouco chocada com isso, mas já deveria esperar algo do tipo vindo dela que sempre disse o que pensava sem freios na língua.

— Não, garanto que não estou tentando empurrar a minha culpa para outra pessoa. Você me conhece bem, sabe que assumo meus erros e encaro de frente as consequências.

Lembrei dos olhos negros de Joana, do beijo que trocamos na festa dias antes e do que tínhamos trocado naquela mesma noite e completei:

— Sou estupidamente impulsiva, mas nunca fugi do que fiz ou desencadeei. Nunca fugirei.

Ela assentiu, parecendo satisfeita com a resposta.

— Só que desta vez, Celinha, você não calculou bem as consequências e elas foram bem mais intensas do que esperava.

— É… — concordei dando de ombros e ela passou o braço por minha cintura.

— Então, como foi seu primeiro dia de trabalho?

— Foi tudo bem. O trabalho é tranquilo.

— E como está sendo sua convivência com a Jô?

Meus músculos enrijeceram um pouco e ela percebeu, mas não teceu qualquer comentário.

— Tudo bem — respondi simplesmente. — Ainda não tentamos nos matar se é o que quer saber.

Ela sorriu um pouco, balançando a cabeça para cima e para baixo levemente.

— Aninha, por que não queria que a Joana me desse abrigo? — perguntei de repente, recordando o comentário de Dona Júlia.

Ela fez um breve silêncio e eu, fazendo jus a minha impulsividade, continuei a falar sem lhe dar tempo para responder.

— Sei que já te perguntei isso antes e você me respondeu com um não. Mas, hoje a Dona Júlia comentou que achava que você e Joana tinham uma relação amorosa até pouco tempo atrás. Ontem você reagiu daquela forma quando perguntei se ela poderia me abrigar e hoje cedo seu mau-humor estava de dar nó em arame farpado, coisa que é bem rara se tratando de você. Então, o que quero saber mesmo é, você gosta da Joana? Quero dizer, você gosta dela como mulher?

Meu coração deu alguns pulinhos de agonia dentro do peito, ansioso por sua resposta. Ela era minha melhor amiga, uma irmã de coração e alma. Não suportaria ter que disputar o coração de Joana com ela.

É, já estava decidido, iria embarcar naquela canoa furada em que meu coração havia me jogado, iria lutar por Joana.

Seu rosto adquiriu uma cor violeta por alguns segundos, então abriu um sorriso largo.

— Não.

Não havia percebido, mas tinha prendido a respiração, enquanto aguardava sua resposta e deixei o ar escapar lentamente de meus pulmões com grande alívio ao ouvi-la.

— Mas, por um tempo, achei que gostava de você — revelou, o sorriso indo do largo e divertido ao pequeno e tímido.

Meu queixo, literalmente, caiu e as palavras sumiram da minha mente. Tentei ficar de pé para encará-la de frente, mas me impediu pondo a mão em meu ombro.

— Ah, foi há muito tempo — riu. — Sempre te achei tão bonita, encantadora. Estávamos sempre juntas… Estava me descobrindo mulher e querendo descobrir muito mais. Claro, que tudo não passava de admiração, mas minha mente cheia de hormônios se sentia confusa.

Cruzou as pernas e pousou o queixo na mão.

— Nunca tivemos segredos, Celinha, mas ocultei algumas coisas de você em nome da nossa amizade.

— Então, você mentiu para mim quando te perguntei sobre isso há alguns dias? — perguntei, fazendo grande esforço para impor firmeza à voz.

— Não, eu não sou lésbica, Marcela. Falei a verdade. Mas, já beijei uma menina. Queria saber como era e fiz. Aconteceu quando viajei para a casa do meu tio Caio em Minas há três anos. Minha prima tinha uma amiga que vivia enfiada na casa deles. Enquanto estive por lá, nos tornamos um pouco amigas, ela era bem mais velha e deixou claro suas intensões. Então, pensei que não faria mal experimentar, afinal, tinha minhas dúvidas sobre o que sentia por você. Um beijo foi mais que suficiente para me mostrar que meu lance não é com mulheres.

Estava surpresa e magoada por ela nunca ter me contado aquela experiência, mas também estava curiosa.

— Foi bom, — ela continuou — aliás, foi muito bom. Não descarto a possibilidade de um dia repetir a dose, pois nesta vida nunca se sabe. O destino gosta de brincar conosco, não é mesmo? Mas, prefiro os gatinhos como namorados e as gatinhas como amigas — piscou o olho divertida.

O silêncio havia se apossado de minhas palavras e ela voltou a sorrir marota para mim.

— Não me olhe assim, você perguntou. Nunca te contei, pois havia esse teu preconceito ridículo e não queria estremecer nossa amizade.

Se colocou de pé e se esticou preguiçosamente, então pousou seu olhar felino sobre mim.

— Me opus a você ficar na casa da Joana, pois não queria, aliás, não quero que ela se machuque mais por tua causa. Você a ofendeu, humilhou e usou para uma vingancinha estupida contra seus pais. A Jô é uma garota incrível e tem um coração enorme. Prova disso, é que te perdoou facinho após tudo que aprontou, não só na festa, mas antes disso também e se permitiu ser ecada pelo teu pai para te ajudar quando deveria ter ficado em seu lugar tentando resolver seus próprios problemas.

Colocou as mãos na cintura, os olhos ficando sombrios como nunca havia visto antes.

— Não a machuque, Marcela. Eu te amo como se fossemos irmãs e amo a Jô da mesma forma, mas se você a machucar, jamais irei te perdoar!

Senti o peso de suas palavras cair sobre mim e permaneci em silêncio durante quase todo o caminho de volta. Mal respondi o seu boa noite. Suas palavras davam piruetas em minha mente, e fui para cozinha onde tentei me distrair limpando algumas coisas até que Edu apareceu sorrateiro e me envolveu em um abraço que me ergueu do chão.

Foi inesperado e divertido. Mal nos conhecíamos e ele tinha toda a razão do mundo para me detestar depois de toda a confusão que levei para a vida da irmã, mas me tratava com carinho e isso me deixou comovida.

— Cunhadinha, linda! — falou sapecando um beijo na minha bochecha. — Quê que tem para comer, hein?

Seu jeito de falar, como se fôssemos mesmo cunhados, na primeira vez me deixou muito encabulada, mas dessa, até que gostei. Esbocei um sorriso divertido.

— Senta aí que vou esquentar o jantar para você.

Ele obedeceu e ficou me olhando com um sorriso um pouco debochado. Os olhos negros e intensos como os de Joana me analisavam com interesse.

— Você está gostando dela, não está?

Quase deixei o prato que trazia nas mãos cair.

— Desculpe, o quê? — fingi não entender.

Ele me jogou outro sorriso debochado.

— Você está gostando dela — afirmou.

— De quem?

— Da bruxa de Blair — respondeu irônico. — Ora, não se faça de desentendida. Se não quer falar, tudo bem.

Eita! Ele só podia estar aprendendo com a Ana ou havia me tornado muito transparente em relação aos meus sentimentos. Depositei o prato cuidadosamente sobre a mesa e o vi se apossar dele com olhar guloso.

— Nossa, isso aqui está delicioso!  A Joana cozinha bem, mas com certeza, não foi ela que fez isso aqui — piscou para mim.

Sorri, encontrando Joana nos traços de seu rosto, na cor de seus olhos e em seus gestos.

— Sim — respondi finalmente.

— Sim o quê? — desviou a atenção da lasanha em seu prato.

— Estou gostando dela — era a primeira vez que dizia aquilo em voz alta e senti o peso daquelas palavras me abandonar junto com o ar dos meus pulmões.

Ele largou o garfo no prato devagar e com cuidado, os olhos sobre mim se tornando ainda mais negros.

— Isso é sério ou você só está querendo experimentar para ver como é e depois cair fora?

— Acho que nunca falei tão sério em toda a minha vida — concluí.

Ele se empertigou na cadeira.

— Minha irmã é maravilhosa, um amor de pessoa. Um pouco esquentadinha às vezes, mas isso é facilmente superado pelo coração bondoso que tem. Gosto de você, Marcela, mas preste bastante atenção ao que vou te dizer. Joana está passando por muitas coisas nos últimos tempos, não merece sofrer mais. Então, se você quiser mesmo ficar com ela pense bem antes. Ela não merece ser usada como uma experiência. Tenha certeza que realmente gosta dela antes de continuar com isso.

— Não pretendo fazer experiências — garanti. — Não sou esse tipo de pessoa, nunca fui.

Sentei na cadeira diante dele.

— Na verdade, sempre mergulhei de cabeça em tudo que fiz.

Ele voltou a me dirigir um sorriso, seu olhar se suavizando um pouco.

— Mas, quando olho no espelho, vejo que a Marcela de alguns dias atrás sumiu. Se antes a última pessoa que queria ver na minha frente era a Joana, agora é só a ela que quero ver. Como isso é possível, Edu? — escondi meu rosto entre as mãos. —Como é possível me sentir assim em tão pouco tempo?

— O coração sabe muito bem o que faz, Marcela, e não se pode mandar nele. O que está sentindo já estava aí, só que você nunca quis enxergar. Não me refiro exatamente a Joana e, sim, as sensações, ao desejo, as mudanças.

Sorriu, dando as últimas garfadas na lasanha, enquanto eu pensava a respeito do que havia me dito. Será que era mesmo verdade? Será que sempre fui igual a Joana, mas fechei meus olhos para a realidade?

Sinceramente, achava que não. Na verdade, tinha certeza de que a razão para tantas mudanças em minha mente era única e exclusivamente Joana.

JOANA

Tomei um banho longo e me preparei para dormir.

A noite estava quente e, mesmo querendo dormir no conforto da cama, lembrei que havia Marcela e que, provavelmente, esta teria alguma relutância em dividi-la comigo apesar do beijo que havíamos trocado.

A garota me confundia como ninguém mais. Uma hora me odiava, noutra me beijava. Precisávamos conversar, claro. Mas eu não tinha ideia de por onde começar aquela conversa; as palavras se desenrolavam claras e sensatas em minha mente, mas temia que fossem confusas e idiotas ao serem pronunciadas.

Definitivamente, estava louca por ela e confusa em dobro.

Peguei o celular, que havia passado metade da noite abandonado sobre a cama, justo no momento em que Marcela retornou ao quarto e joguei na rede passando o olhar pelas mensagens não lidas e, vez ou outra, pousando-o sobre ela que estava distraída organizando todo o conteúdo da sua mochila sobre a cama.

Havia uma mensagem de Priscila perguntando se estava bem e dizendo que havia ouvido alguns boatos sobre Marcela e eu. Mal havia acabado de ler a mensagem, o celular começou a tocar e a foto dela ocupou toda a tela.

Não pude deixar de sorrir ao atender, afinal, lhe tinha um grande carinho.

— Oi, Pri!

— Oi, meu anjo! Tudo bem?

— Bem melhor agora que estamos conversando.

Sua risada soou gostosa e cristalina através do aparelho celular e a acompanhei no riso.

Sempre cheia de charme — provocou.

— Nem tanto.

Com o canto do olho notei que Marcela havia diminuído o ritmo da sua tarefa e me observava com um olhar de poucos amigos. Meus batimentos aceleraram com a ideia de que pudesse estar com ciúmes, então a realidade voltou a me tocar. Marcela havia me beijado por vingança na primeira vez e, na segunda, provavelmente, estava curiosa.

Gostaria de te ver, — Priscila continuou — podemos nos encontrar?

— Hoje não, minha linda. Aconteceram algumas coisas nos últimos dias; sofri um “acidente” e estou com um olho roxo de dar medo — ri. — Você não iria me querer ao seu lado hoje, pareço uma boxeadora após uma luta.

Marcela deixou um gemidinho escapar, enquanto enfiava suas coisas em uma das gavetas vazias da cômoda que eu tinha liberado para ela mais cedo.

Nossa, Jô! Que foi que aconteceu? Você está bem?

— Nada de mais, linda. Tropecei e caí da escada; nada que um pouco de gelo e descanso não resolvam.

Está bem. Podemos nos ver no sábado, então?

Sorri. A ideia de uma noite de sábado em sua companhia era muito agradável, então Marcela surgiu em meu campo de visão e estar com Priscila já não me pareceu tão interessante, no entanto, aceitei e voltei a ouvir sua risada gostosa, enquanto se despedia me enviando um beijo.

Permaneci um bom tempo com um sorriso nos lábios ao lembrar da forma carinhosa com que Priscila havia se despedido; sorriso que só se desfez quando ouvi Marcela fechar a gaveta com certa violência me dirigindo um olhar que interpretei como “mortal”.

Me remexi incomodamente na rede e a vi desaparecer pela porta que levava ao banheiro.

Ouvi quando entrou no quarto, meia hora depois, mas não me virei para olhá-la. Meus olhos estavam fixos no céu, os ouvidos atentos aos ruídos que vinham do quarto. Ela havia se deitado e o silêncio se fez presente.

Tentei dormir, mas não consegui.

O nosso beijo no sofá e o quase beijo no quarto, haviam retornado a minha mente e tomado conta dos meus pensamentos completamente. Após uma hora, ainda mantinha meu olhar fixo no céu, não notei a presença de Marcela em pé ao lado da rede até que ela falou. Ela me observava com intensidade e indecifrável era a luz que vinha de seu olhar.

— Lá dentro está muito quente, não consigo dormir — informou, a voz baixinha quase sussurrada. — Posso ficar aqui com você? Só um pouco?

Pisquei várias vezes e sem que ela notasse me dei um pequeno beliscão para ter certeza de que não estava sonhando. Como demorei demais para responder, ela começou a se afastar, dizendo:

— Me desculpe não queria incomodar só achei que…

— Não, tudo bem! — me apressei a abrir espaço para ela se deitar ao meu lado e fiz um pequeno gesto com a cabeça chamando-a para a rede.

Ela sorriu meio encabulada, deitou e se aninhou ao meu corpo.

E eu? Babando!

Mal cabia em mim de tão feliz que estava por ter ela grudada ao meu corpo. Era por isso que amava as redes, era fã do cara que as inventou. Não, o amava mesmo, afinal, por mais que se tente, duas pessoas dentro de uma rede não conseguem ficar sem se tocar.

— Obrigada — disse ela baixinho.

Nunca fiquei tão feliz por estar fazendo tanto calor.

— Sempre que precisar — respondi e senti minhas bochechas arderem com a intensidade do olhar que me dirigiu e, mais uma vez, nossos lábios se procuraram e se encontraram em uma explosão de sabores e sonho.



Notas:



O que achou deste história?

Deixe uma resposta

© 2015- 2021 Copyright Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem a expressa autorização do autor.