CAPÍTULO 3

MARCELA

O alarme do celular me despertou na sexta-feira. Seis horas da manhã. Tinha que me preparar para ir para a escola. Me arrastei para fora da cama, enquanto o quarto girava um pouco, minha cabeça doía que era um horror.

Ressaca.

Não tinha o costume de beber até o ponto de chegar naquele nível, mas não consegui evitar, sei lá por qual razão. Sentei na cama me perguntando o que tinha acontecido na noite anterior, vendo estrelas ao meu redor. Não demorou muito, as lembranças começaram a voltar e meu cérebro pôs-se a trabalhar, dolorosamente, organizando-as em uma sequência lógica.

Nossa, a festa foi um horror! Um saco, viu? Logo que chegamos fiquei indignada com a talzinha lá, a Joana, que estava literalmente se atracando com uma loira que parecia estar bêbada, mas não largava de sua cintura e grudou os lábios no pescoço dela como se fosse uma vampira.

Nossa, me senti muito estranha em assistir aquilo. Aninha, ao contrário de mim, estava adorando. Ria e até aplaudia, parecia que elas estavam fazendo de propósito só para me irritar, a talzinha se atracando com a loira e Aninha rindo e aplaudindo.

Ninguém merece!

— Qual o problema, Marcela? É uma festa deveríamos estar nos divertindo.

— Estaria me divertindo muito mais se não tivesse que assistir a esse showzinho baixo e grotesco.

Ana me olhou como se pudesse me rachar ao meio.

— Não estou vendo nada de baixo, elas estão apenas dançando — afirmou.

— Elas estão se atracando — argumentei.

— Como todo mundo à sua volta — pontuou e me deu as costas, irritada.

Elas só se desgrudaram quando a música acabou e Ana foi lhes falar me deixando sozinha e com o queixo caído ao vê-la, em seguida, dançando entre as duas como se fosse igual a elas. Do jeito que dançavam pareciam que queriam devorar a minha amiga com seus corpos. Todo mundo na festa parou para assistir aquela cena. Fiquei enojada e deixei isso bem claro quando ela voltou para junto de mim.

O que ela fez? Me deu as costas e saiu. Quando a vi de novo, ela estava aos beijos com uma carinha.

Definitivamente, aquela quinta-feira não estava sendo nada boa para mim. Primeiro, aquela confusão com meus pais, depois a briga com Ana, o pedido de desculpas para ela e aquela lá e, quando achei que já estava tudo bem, tive que assistir aquele show grotesco do qual a minha melhor amiga resolveu participar.

O que eu fiz? Misturei tudo em um copo e bebi junto com um pouco de vodca. Bebi muito. Acabei ficando com um carinha que me levou para o lado da casa para ficarmos mais sossegados e quando ele tentou avançar o sinal, mesmo estando bêbada, dei-lhe uma tapa.

Quem ele pensava que eu era? Uma qualquer com quem podia fazer o que quisesse encostado em um muro? Não mesmo!

Saí de lá como um furacão. Tentei encontrar Ana no meio de toda aquela gente, mas não a vi. Continuei bebendo até que, em determinado momento, me dei conta de que já estava bêbada demais e resolvi ir para casa.

Arrastei-me até o carro, mal conseguia ficar de pé, mas ia dirigir de volta para casa. Claro que era uma total irresponsabilidade de minha parte, mas o álcool já havia afastado todo o meu bom senso.

Tentei enfiar a chave no buraco da fechadura, mas não consegui acertar o raio do buraco! Por que as pessoas e objetos, principalmente, as fechaduras insistem em não ficar paradas quando estamos bêbados?

Zangada, me recostei à porta do carro sentindo o mundo girar um pouco, enquanto meu estômago reclamava por tê-lo castigado daquela forma. Então, ouvi os gemidos e sussurros. Vinham de alguns metros à frente, ao lado do carro que estava estacionado um pouco mais atrás do meu.

Não costumo ficar observando os casais em festas que buscam um lugar um pouco mais reservado para poder avançarem nas carícias. Mas, ergui meu olhar para a direção de onde vinham os gemidos. Deixei um risinho malicioso escapar. Pelos sons, a coisa estava bem quente ali. Fiquei olhando, deixando que meus olhos se acostumassem com a escuridão até que reconheci como sendo a Joana umas das figuras ali encostadas no carro. Quando percebi que se tratava dela, a compreensão do que estava acontecendo e de quem era a pessoa com quem se encontrava quase me fez perder o equilíbrio e cair.

A loira estava com uma das alças do vestido baixa expondo um de seus seios, o qual a talzinha sugava e brincava com a ponta da língua com muita vontade. Ela foi descendo até se ajoelhar e ergueu o vestido da companheira.

Tentei ir embora, mas minhas pernas bêbadas mal me sustentavam em pé e se recusaram a partir. Tentei desviar o olhar, mas estava tão chocada que não consegui.

A loira ergueu uma das pernas e apoiou no ombro de Joana que passeou por sua virilha entre beijinhos e mordidas, então começou a… a… Vocês sabem!

Me encontrava totalmente paralisada, não conseguia desviar o olhar. Vi a loira bagunçar os cabelos de Joana sussurrando algo que não chegou até meus ouvidos, mas notei que os movimentos que a talzinha fazia se tornaram mais intensos e não demorou muito para que gemesse um pouco mais alto agarrando-se com firmeza a porta do carro. Ela escorregou pela porta lentamente, sendo amparada por Joana que a brindou com um beijo longo e faminto. Ficaram assim, por um longo minuto.

Elas riam, enquanto ajeitavam as roupas e cabelos em desalinho. E eu? Ah, continuava parada lá, olhando para elas como uma boba, sem entender o porquê. A loira olhou em minha direção e disse em alto e em bom som, sorrindo:

— Meu anjo, parece que tivemos uma plateia.

Joana seguiu a linha de seu olhar e encontrou a mim. Não saberia explicar o que vi nos olhos dela, parecia medo, vergonha, ou simplesmente estava vendo coisas demais por causa do álcool. Seja lá o que o tinha visto em seu olhar, sumiu no instante seguinte para dar lugar a um brilho de deboche e um sorriso cínico.

— Se eu soubesse, teria caprichado mais no espetáculo — passou a mão na cintura da loira e deu-lhe um beijinho no pescoço.

Só então, acordei do meu transe.

— Suas… Suas… desavergonhadas! — Gente, de onde tirei isso? Desavergonhadas? Essa palavra ainda existe? — Suas… Não têm… vergonha na cara? Não bastasse aquele espetáculo gro-grotesco lá na festa, ainda… tenho que… presenciar i-isso!

Minha voz saía enrolada por causa da bebida e elas riram disso.

— Vamos, meu anjo, vamos terminar a brincadeira lá em casa — A loira chamou pegando na mão da talzinha. — Deixa essa pirralha alcoolizada aí.

— Suas… — dei um passo à frente e caí sentada no chão. Que mico!

Joana já estava quase entrando no carro, mas quando me viu no chão foi até mim. Me olhou com gravidade por alguns segundos, enquanto tentava, em vão, me erguer puxando minhas mãos. Ela curvou-se, enlaçando seus braços em minha cintura e me pôs de pé.

— Sua louca! Por que foi beber desse jeito? — questionou com evidente irritação na voz. — Onde está Aninha?

Ela continuava agarrada a minha cintura e tudo que consegui falar foi:

— Seu… perfume é gostoso… — caí na gargalhada.

Juro que não sei a razão de ter dito aquilo, mas o cheiro dela era bom mesmo. Enfim, foi tudo culpa do álcool.

Ela insistiu:

— Onde está Aninha?

— Não sei — balbuciei brincando com uma mecha de meus cabelos e deixando as chaves do carro caírem.

A loira veio até nós.

— Vamos embora, Joana! Deixa essa pirralha aí.

Ela suspirou.

— Não posso, Priscila. Olha só o estado dela. Não está em condições de dirigir e a Aninha sumiu. Não posso deixar ela sozinha desse jeito. Sabe-se lá o que pode acontecer.

Está bom, admito! Mesmo estando alcoolizada, ouvindo o que ela estava dizendo, percebi que tinha sido um pouco injusta. Ela era legal como Aninha falou. Podia simplesmente ter ido embora e me deixado lá, mas não. Pegou minhas chaves, dispensou a loira que pareceu um pouco contrariada, mas, mesmo assim, a ajudou a me pôr no carro e assumiu o volante.

Acho que dormi durante todo o trajeto porque, quando me dei conta, ela estava estacionando o carro em frente à minha casa.

JOANA

Depois que saímos da festa, Priscila e eu nos dirigimos para o seu carro. Com um sorriso safado, ela nem me deixou entrar no veículo e foi logo me agarrando. Claro, que nem pensei em resistir, estava louca para ficar com ela. Passamos um bom tempo desfrutando dos sabores de nossos lábios. Mas, logo a coisa começou a esquentar e ali, na escuridão do local, ela me fez delirar de prazer e, claro, retribuí tudinho.

Não costumava fazer esse tipo de coisa em locais públicos, mas Priscila era uma caixinha de surpresas prazerosas e gostava do perigo. Estávamos nos arriscando a sermos pegas, mas o medo disso acontecer tornava tudo ainda mais gostoso.

Quando estávamos tentando nos tornar, pelo menos, um pouco apresentáveis arrumando as roupas e o cabelo, ela informou:

— Meu anjo, parece que tivemos uma plateia.

Segui seu olhar e meu coração quase parou de bater quando percebi que a “plateia” a qual se referia nada mais era do que Marcela. Fiquei envergonhada por ela ter assistido o que acontecera entre nós, mas depois caí em mim. Que ela tinha a ver com isso?

Estampei o meu melhor sorriso cínico no rosto e deixei claro que, se soubesse da sua presença, teria caprichado mais no espetáculo.

Ela, que até então estava em silêncio, começou a nos xingar. Foi engraçado, não pude deixar de rir. Ela falava enrolado, estava muito bêbada. Priscila me chamou para irmos embora, mas quando ia entrar no carro Marcela caiu e, mesmo contrariada com a forma que me tratava, fui ajudá-la a levantar.

Confesso que estava me sentindo nas nuvens por ter ela tão perto de mim. Perguntei onde a Aninha estava e ela me surpreendeu com uma resposta completamente diferente.

— Seu… perfume é gostoso…

Não entendi nada. Imaginei que tivesse dito isso influenciada pela bebedeira. Mas, mesmo assim, senti meu rosto arder ruborizando e meu ego se remexeu um pouco satisfeito em meu interior. Dispensei Priscila que, contrariada, me ajudou a pô-la no carro.

Que eu podia fazer? Não ia deixar a menina lá naquele estado. Ela fosse metida ou não, gostasse de mim ou não, não a deixaria lá.

Ela dormiu o tempo todo até sua casa. E fui o caminho todo babando por ela. Como era linda. Parecia um anjo quando dormia. Pena que me tratava daquela maneira, ignorando-me e sendo preconceituosa. Se não fosse assim, ficaria contente de, pelo menos, a ter como amiga. Mas, ela não era como a Ana.

Estacionei, a ajudei a sair do carro, tranquei as portas do mesmo e entreguei as chaves para ela me despedindo. Ela tentou falar alguma coisa, desistiu e se pendurou no meu pescoço, mal conseguindo se manter de pé.

Com um suspiro resignado, revirei sua bolsa até encontrar as chaves da residência. Ela ria, recostada no muro e quase dormiu dessa maneira. Abri o portão após a quinta tentativa e adentrei a casa agarrada a ela para que não caísse. Quase tive que adivinhar onde ficava o quarto dela, pois já não falava mais nada que fizesse sentido e me senti aliviada de não ter acertado a porta do quarto dos seus pais.

A deitei na cama com cuidado e, só então, ela soltou meu pescoço.

— A Ana… tem ra-razão. Você… você é legal — e, literalmente, apagou.

A observei por longos minutos que me pareceram horas sem fim. Meu coração sempre gostou de me pregar peças, mas, quanto a Marcela, nunca me iludi.

Com cuidado, tirei suas sandálias e a cobri com um lençol.

A madrugada estava deliciosa lá fora. Soprava uma leve brisa, enquanto caminhava em direção à minha casa pensando em tudo que tinha acontecido àquela noite. O resultado de tanto pensar foi que quando cheguei em casa, apesar de tentar, não consegui dormir um minuto.

Fui para escola toda moída e encontrei Aninha na entrada. Ela também não estava lá muito bem pela noite sem dormir.

— Pela sua cara, a noite foi boa, hein? — brincou. — Priscila esgotou suas forças? — riu gostoso e a acompanhei.

— Antes tivesse sido ela.

Fomos nos encaminhando para o pátio, a mochila dela era duas vezes maior que a minha e, por vezes, me perguntei o que tanto carregava ali dentro. Contei o que realmente tinha acontecido, ocultando algumas coisas.

— Não acredito, Marcela não é de beber. Não devia ter deixando ela sozinha, mas, poxa, me irritou muito com os comentários que fez porque dancei com vocês.

— Esquece ela, Ana. Estou podre de sono, mas ainda temos que assistir aula.

Mal terminei a frase, Marcela surgiu à nossa frente. Vinha com cara de poucos amigos e olheiras profundas em volta dos olhos. Passou direto pela Aninha, ignorando-a por completo. Parou diante de mim e, em um movimento rápido, me deu um beijo no rosto.

— Obrigada.

E eu? De queixo caído, claro! Foi embora sem nem olhar para a Ana que ficou tão boquiaberta quanto eu.

— Que foi isso? — ela perguntou.

— Eu juro que não sei.

Por que ela tinha feito aquilo foi tudo em que consegui pensar durante toda a aula. Aquele simples beijo foi o suficiente para me abalar. Não conseguia me concentrar em nada do que os professores falavam. Durante o intervalo, Ana me procurou, mas logo me deixou para ir falar com Marcela, dizendo que ia se desculpar por tê-la deixado sozinha na festa.



Notas:



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