MARCELA

Ai, que dia!

Aquela terça-feira começou muito esquisita.

Assim que acordei, fui direto ao banheiro e, para minha surpresa, Joana estava lá tomando banho. Não sei o que me aconteceu, mas não conseguia parar de olhar para o corpo dela.

Minha mente dizia: “Marcela, para de olhar pra ela”, depois vinha algo como “Nunca reparei em corpo de mulher, mas ela tem um corpão!”, “Ai, Marcela, sua doida, você gosta de homem, então para de olhar pra essa daí!”. Por fim, tudo repetia era “Linda, linda, linda!”.

Estava tão concentrada em olhar para o corpo dela que nem reparei que ela estava me encarando. Acho que fiquei roxa de tanta vergonha. Tentei pedir desculpas e as palavras saíram meio que atropeladas e entrecortadas, ou seja, gaguejei bonito. E, para piorar, ela veio em minha direção completamente nua e molhada, encostou seu corpo ao meu quando se reclinou em minha direção.

Nossa, comecei a tremer que nem vara verde faria igual! Mas, estava adorando e já nem pensava mais, queria era beijar aquela boca. Avancei em direção aos seus lábios e ela se afastou com uma toalha na mão com a qual se enrolou.

Eita, que banho de água fria! Eu achando que ela estava tentando me seduzir ou algo do tipo e tudo que queria era a toalha que estava pendurada na parede atrás de mim.

Depois que ela saiu murmurando algo sobre toalhas limpas ou coisa que o valha, pois apenas balancei a cabeça em assentimento, fiquei sentada sobre a tampa da privada, perdida em meus pensamentos.

Tudo que me vinha à mente era que estava me perdendo, aliás, comecei a me perder pelas minhas próprias ações, pois desde que a tinha beijado naquela festa, não conseguia mais olhar para ela sem pensar naquele beijo e, por duas vezes, tentei beija-la novamente.

O pior, era que eu, que nunca reparei em mulher alguma, nem em corpo de mulher nenhuma, havia poucos instantes, estava praticamente babando pelo corpo da Joana.

Gente, o que essa garota havia feito comigo?!

O beijo dela só podia ter alguma droga viciante, porque fiquei com vontade de provar mais e ela estava fazendo com que todos os meus preconceitos evaporassem. Fiquei ali sentada por muito tempo, enquanto uma longa batalha se travava em meu interior e eu temia que o lado em que Joana estava envolvida vencesse.

Devia estar com um aspecto horrível, pois Ana entrou no banheiro e ao me ver foi logo perguntando:

— Marcela, você está bem?

— Eu… Sim. Estou.

Me olhou desconfiada.

— Não, não está. O que está acontecendo?

O mal de se ter amizades de infância é que, geralmente, os amigos sabem quando estamos escondendo algo. Não era diferente comigo e Ana, então tentei disfarçar.

— Não é nada, não. Só uma dorzinha de cabeça chata. Logo vai passar.

Pousou aquele olhar desconfiado em mim outra vez.

— Sei. Tudo bem. Não vou te forçar a falar o que é. Quando se sentir à vontade para falar estarei aqui para te escutar.

Essa menina me conhecia como a palma da mão dela. É sério. Nem uma dorzinha de cabeça fingida ela deixava passar. Bom, já que ainda não estava disposta a revelar meus sentimentos confusos sobre a Joana, resolvi tomar um banho.

Banho tomado. Roupas limpas. Fiquei na cama esperando a Ana sair do banho dela. Fiquei tentando imaginar o que fazer da minha vida a partir dali. Sempre que pensava em algo, meus pensamentos retornavam para Joana.

Putz, a coisa estava feia para o meu lado!

Ana finalmente saiu do banho e fomos para a cozinha onde encontramos Joana tomando café com o irmão. Gostava do Edu, ele era sempre muito simpático, falante e brincalhão e, em nenhum momento, comentou o que tinha acontecido na noite passada.

Estava meio distraída olhando para a minha xícara de café, quando eles começaram uma conversa sobre uma tal de Paula que, pelo que entendi, a Joana era afim. Não sei como explicar o que senti, mas antipatizei com essa Paula antes mesmo de conhecê-la.

Outra parte da conversa entre eles que me interessou foi o comentário do Edu sobre estar precisando de funcionários na loja. Quando Joana saiu para se trocar, a Ana e eu o acompanhamos até a sala.

— Edu, desculpe, não pude deixar de ouvir a sua conversa com a Joana a respeito de que você está precisando de mais gente para trabalhar na loja…

— Sim.

— Eu… Bem, eu gostaria de saber se… — nunca pedi emprego antes a alguém, não sabia o que dizer exatamente.

Mas, quem tem a Ana como amiga nem precisa se esforçar muito para falar essas coisas. Ela foi logo me cortando e dizendo:

— Ela quer saber se você poderia dar uma chance para ela trabalhar contigo.

Ele ficou sério.

— Você quer trabalhar na loja?

— Sim. A Joana já deve ter te contado tudo que aconteceu, então estou mesmo à procura de um emprego e não posso ficar aqui para sempre vivendo as suas custas e dela. Também não quero ficar aqui de graça.

Ele sorriu.

— Não precisa mais falar nada. O emprego é seu.

— Sério?

— Sim. Mas, vou logo avisando que não vai ser moleza. Sou exigente e quero sempre o melhor dos funcionários.

— Nem precisa dizer. Vou dar o melhor de mim, pode apostar. Você não vai se arrepender!

Ele sorriu e, enquanto esperávamos Joana, ficamos conversando besteiras. Ele era tão engraçado. Me peguei pensando como um rapaz tão bonito, trabalhador, inteligente, gentil, entre outras qualidades, ainda estava solteiro. Não pensem que estava afim dele, é que em cidade de interior, geralmente, esses “bons partidos” são “agarrados” rapidamente. A mulherada cai matando.

Ana se despediu de nós com alguns gracejos e foi para casa. Tínhamos conversado bastante durante a noite e ela estava bem preocupada com o que meu pai poderia vir a fazer e, também, com a reação de seus pais com o que havia acontecido. Tio Reginaldo era um doce de homem, mas era bem esquentadinho e ela tentaria acalmar a fera para evitar mais confusão.

Sempre passei em frente à loja do Edu, mas nunca entrei, então fiquei etada com a quantidade e variedade de móveis, assim como, a beleza e delicadeza com que cada um deles havia sido trabalhado. Entendi o que ele quis dizer com “Sou exigente”, pois, com certeza, ele exigia dos funcionários os melhores móveis.

Eram todos lindos.

— Que bom que gostou — disse ele ao perceber meu olhar encantado. — Então, o que acontece aqui é o seguinte: esta loja é apenas para as vendas da cidade. A fábrica, na verdade, fica em outro local. Mas, tudo que diz respeito a parte administrativa desse negócio está localizado aqui. O escritório fica ali nos fundos — apontou para uma porta de vidro escuro no fim da loja. — Você vai trabalhar lá com a Joana e a Paula.

Não gostei muito disso, mas continuei a prestar atenção ao que ele dizia.

— Não se preocupe, Paula irá explicar suas funções com mais clareza e qualquer dúvida que tenha é só perguntar a ela.

Passamos pela tal porta nos fundos da loja e chegamos até uma sala mobiliada com os móveis produzidos por ele, claro. Era uma espécie de recepção. Uma senhora estava sentada a uma mesa no canto e havia dois sofás no lado oposto da sala. Um ambiente bem agradável e iluminado, gostei dali.

Entramos por um corredor e adentramos em outra sala, uma moça negra de cabelos curtinhos e um sorriso cativante nos cumprimentou e entendi bem a razão de Joana ter uma “queda” por ela. Era linda. Olhos grandes e castanhos, lábios grossos, alta, magra, seios médios, pernas longas e bem torneadas. A mulher era cheia de curvas e não aparentava ter mais que vinte cinco anos.

Assim que Edu saiu, ela me levou até outra sala onde Joana já se encontrava. Apontou para uma mesa ao lado da que ela ocupava e começou a me dar instruções. Sentei-me e comecei a fazer o meu serviço com uma dedicação fora do normal. Iria me esforçar ao máximo, pois Edu merecia isso por ter me dado àquela oportunidade.

Joana, sentada em sua mesa, digitava algo no computador. Ela estava de óculos escuros e assim que os tirou Paula foi logo perguntando:

— Jô, que houve com você? Que olho roxo é esse?

Como disse antes, tinha antipatizado com ela antes mesmo de conhecê-la e depois dessa ceninha melosa em que ela sentou sobre a mesa de Joana acariciando o rosto dela, tive vontade de… de… É melhor não comentar. Quase vomitei com toda aquela melação que ela estava fazendo. E a cretina da Joana lá, toda sorrisos e derretimento para ela.

JOANA

Não vou negar, estava adorando a preocupação da Paula comigo. E aquela mão acariciando meu rosto? Edu que se preparasse, porque se essa mulher me desse mais uma aberturazinha me jogaria, sem paraquedas, em cima dela.

— Jô, me conta quem fez isso com você, vai.

— Isso foi um pequeno acidente, Paula. Não vai mais acontecer.

— Acidente? Conta outra, Joana!

— Acredite se quiser. Bem, esqueçamos isso.

— Ok, se você não quer falar, não vou forçar.

Lhe dirigi um sorriso safado, afinal, ela estava com uma saia de tirar o fôlego deixando à mostra as pernas maravilhosas.

— Menina, para de me olhar assim. Não sou para o teu bico, não — passou a ponta do dedo em meu nariz.

— Não é, porque não quer.

Ela gargalhou.

— Você não desiste, não é mesmo?

— De jeito nenhum! — um sorriso mais safado que o anterior aflorou em meus lábios. — Então, o que vai ser?

Ela piscou sem entender.

— O que vai ser o quê?

— O que vai ser? Um cineminha? Um passeio com uma parada em algum lugar para conversarmos e beber alguma coisa? Ou, um jantar romântico em um restaurante? Se preferir o jantar pode ser lá em casa, a luz de velas e o que mais você desejar!

Ela deixou outra gargalhada escapar. Tinha um riso lindo e eu, literalmente, babava por ela.

— Nem vem! Sei muito bem que você e a mocinha ali estão de caso — apontou para Marcela. — São o assunto do momento na cidade.

O sorriso morreu em meus lábios.

— Se não fosse assim, você sairia comigo?

— Talvez.

Sorri maliciosa.

— Isso é sério?

— Pode ser.

— Olha lá, hein! Quero algo concreto como resposta. Sim ou não?

Ela suspirou.

— Sim.

— Ótimo. Passo na tua casa às oito.

Ela etou-se.

— Como é que é?

— É o que você ouviu. Você disse que se eu fosse livre sairia comigo. Então, vamos sair hoje.

— Você esqueceu de um pequeno detalhe, Jô.

— E qual seria?

— Você não é livre — apontou, mais uma vez, para Marcela que havia parado de trabalhar e prestava atenção em nossa conversa.

Nossa, que cara de poucos amigos a metidinha fez naquele momento. Sorri para Paula e depois para Marcela ao mesmo tempo em que perguntava:

— Marcela, seja sincera. Existe algo mais entre nós que uma simples amizade?

Ela nos observou durante um longo minuto. Havia algo em seu olhar que não pude identificar e concluí que era raiva pelas pessoas acharem que tínhamos um caso. Ah, não adiantava olhar atravessado para mim, não. Afinal, a culpa de toda aquela confusão era dela que me agarrou e beijou na frente de quase toda a cidade.

— Marcela, nós somos namoradas? — perguntei outra vez.

Ela se empertigou na cadeira e voltou a prestar atenção no computador, enquanto respondia um sonoro e seco:

— Não.

 Paula abriu a boca em protesto.

— Como assim não são namoradas? Eu vi vocês duas na festa.

Marcela foi cortante.

— Você viu errado.

— Como vi errado? Vocês estavam se atracando!

Marcela dirigiu um olhar gélido para mim e tentei amenizar a situação.

— Foi um beijo de amigas, Paulinha. Nada de mais.

— Nossa! Se aquilo foi um beijo de amigas, nem quero saber como é o de inimigas — riu maliciosa.

Dei de ombros acompanhando seu riso.

— Está certo! Agora que você já sabe que sou uma moça livre e desimpedida, o nosso encontro ainda está de pé?

Ela pôs um dedo em meu queixo acariciando-o, enquanto se curvava em minha direção. Torci para ganhar um beijo.

— Não!

Sorri ao vê-la se afastar. Sabia que estava brincando o tempo todo, mas ainda não tinha desistido. Abri minha bolsa e peguei um caderninho preto. Abri-o na página em que o nome dela estava escrito e rabisquei um sinal de mais ao lado de tantos outros que estavam abaixo do seu nome. Ela arqueou a sobrancelha ao ver isso e perguntou:

— O que é isso?

— Um caderno, oras!

— Isso eu sei. Quero saber o motivo de ter rabiscado isso aí.

— Ah, isso? Bem, isso aqui é a quantidade de foras que já levei de você.

— Está brincando, né?

— Não, não! Até agora foram vinte e sete desde que nos conhecemos — ri.

— Você é doida! — disse saindo da sala, rindo.

— Também posso ser outras coisas, é só você querer — gritei antes que fechasse a porta.

O resto do dia foi tranquilo, mas Marcela estava mais mal-humorada do que geralmente ficava quando estávamos no mesmo recinto. Por vezes, praticamente ecou o teclado do computador, sem falar no pobre grampeador.

— Está tudo bem? — perguntei em dado momento.

Ela me dirigiu um olhar de rachar parede, enquanto respondia entredentes:

— Tudo ótimo, Jô — imitou o tom que Paula usou comigo e deixou um risinho sem sal escapar.

Se não soubesse que era impossível de acontecer, teria acreditado que estava com ciúmes da Paula que voltou a me procurar um pouco antes da hora do almoço e me entregou uma pilha de papéis deixando uma piscadela sugestiva para mim.

Como a Paula me dispensou, não tinha programa para aquela noite e também estava com aquele olho roxo de dar medo, então resolvi passar na casa dos meus pais e pegar algumas coisas, incluindo alguns DVD’s e Blu-rays. Sempre colecionei filmes e tinha uma estante cheia no meu antigo quarto.

 — Oi — disse baixinho para minha mãe quando entrei em casa.

Os olhos dela estavam meio inchados e fungava levemente. Sabia perfeitamente que a culpa era minha, mas ignorei sua aparência.

— Só vim buscar algumas coisas — informei.

Era noite e eu não havia retirado os óculos escuros, o que de nada adiantava já que o corte no supercílio e lábios eram bastante visíveis, além disso, meu nariz ainda estava um pouco inchado. Vi meu reflexo no vidro de uma das janelas e era de dar dó, mais parecia uma pugilista após uma luta que uma garota.

— O que aconteceu com você? — questionou, largando o livro que tinha nas mãos no sofá e vindo até meu encontro.

Me esquivei de seu toque. Me magoava saber que me amava e me rejeitava ao mesmo tempo.

— Caí da escada na noite passada — informei tentando dar firmeza a voz, pois um nó começava a se formar em minha garganta.

Em um movimento rápido, ela retirou meus óculos.

— E essa escada tinha punhos? — questionou ao ver meu olho roxo.

Tomei os óculos de suas mãos e os recoloquei.

— Não, a escada não tinha punhos — me afastei em direção ao quarto.

Peguei uma mala pequena e enfiei o máximo de coisas que consegui. Não tinha muito tempo antes que meu irmão retornasse do trabalho, então peguei alguns DVDs ao acaso e me dirigi para a sala. Queria evitar ao máximo um reencontro com Ricardo e outra discussão insana.

— Joana… — minha mãe me chamou.

Me voltei para fita-la aguardando suas palavras, mas tudo que recebi foi silêncio.

— Tchau, mãe — respondi fechando a porta atrás de mim.

Estava a poucos metros da esquina quando um carro encostou no meio fio. O vidro da janela do carona foi baixo e recebi um sorriso caloroso.

— Precisa de carona? — Cris perguntou.

Me curvei um pouco na janela para vê-la melhor.

— Não quero te desviar do seu caminho.

— Imagina! Em uma cidade tão pequena, não vai ser lá um grande desvio, não é mesmo?

Sorri agradecida, enquanto ela colocava minha mala no banco de trás do carro.

— O que te traz aqui? — perguntei dando uma de curiosa.

Ela sorriu, me dirigindo um olhar brincalhão.

— Vim deixar Hellena na casa da prima. Aparentemente, todo mundo que ela conhece nesta cidade anda se metendo em brigas.

— Como assim? O que aconteceu?

Estávamos circundando a praça e ela estacionou em frente a sorveteria.

— Vem, vamos tomar algo gelado para aliviar esse calor e conversar um pouco — convidou.

Pedi um milk-shake de morango, enquanto ela preferiu um sorvete de casquinha mega caprichado.

— Adoro sorvete de casquinha! — comentou com um sorriso quase infantil.

Ri do seu jeito, da sua leveza.

— O que aconteceu? — voltei ao assunto.

— Aninha nos ligou mais cedo pedindo que Hellena viesse até sua casa. Aparentemente, o Sr. Reginaldo foi tomar algumas satisfações com um velho amigo. Pelo o que entendi, discutiram feio e acabaram aos tapas, socos e pontapés.

— Que droga! — deixei escapar em voz alta, perdendo a vontade de tomar meu milk-shake. — Ele está bem?

— Vai ficar. Pelo que sei, o outro cara ficou pior — sorriu. — O engraçado é que, assim como você, ele se negou a ir à polícia. O que está acontecendo, Joana?

Baixei o olhar para minhas mãos.

— Marcela.

— Não entendi.

— Marcela aconteceu, Cris.

Passei a mão em meus cabelos, nervosamente, e contei a ela toda a história, incluindo os mínimos detalhes.

— Que confusão! — disse ao fim do meu relato.

— Pois é — concordei cabisbaixa.

Ela pegou minha mão, como na noite anterior.

— Gosta mesmo dela, não é? Por isso, resolveu ficar calada.

Deixei um suspiro longo escapar, enquanto concordava com a cabeça.

— Mas, ela não me enxerga, nunca me enxergou. Se estamos próximas agora é porque necessita de um lugar para ficar e se arrepende do que fez.

Cris deixou um sorriso maroto escapar.

— Lembra do que te contei ontem sobre o diário?

— Sim.

— Hellena nunca me notou até o dia em que o roubaram e fizeram com que seu conteúdo se tornasse público. A amei em silêncio por toda a minha vida, Joana. Sei que sabe o que isso quer dizer. Fugi do preconceito, dos olhares atravessados, dos meus sentimentos por ela. Passei doze anos longe, me tornei uma pessoa diferente da menina que ela conheceu. Jamais imaginei que ela tinha recuperado meu diário e se apaixonado por mim através dele. Imagine a minha alegria ao ouvi-la dizer que me amava. Nada jamais irá se comparar a isso.

Seu sorriso me contagiou e deixei a tristeza me abandonar.

— O que quero te dizer com esses rodeios, é que a vida nos prega algumas surpresas e o impossível torna-se possível. Marcela pode ter sido horrível com você antes, mas hoje te respeita e te dedica, no mínimo, um pouco de carinho. Não me passou despercebido o olhar de preocupação que lhe dedicava e, posteriormente, o de alívio ao saber que nada de mais grave tinha lhe acontecido.

— Gostaria muito de acreditar que é possível conquista-la.

— Talvez seja, talvez não. Viva a sua vida da melhor forma possível, seja feliz. Aventure-se, ame, sorria. Se Marcela tiver de ser sua um dia, ela virá até você.

Realmente, Cris era uma mulher encantadora e fiquei feliz em conhecer sua história e descobrir que finais felizes podem existir. Ela me deixou diante da loja e a convidei para subir, mas recusou dizendo que já estava na hora de pegar Hellena na casa da Aninha.

— Cris — a chamei antes que manobrasse o carro para partir.

Ela me dedicou um sorriso largo.

— Obrigada por tudo.

Seu sorriso se tornou mais largo, enquanto me dirigia um piscar de olhos e partia. Então, percebi que havia encontrado outra pessoa que, além do Edu, conseguia me fazer sentir em paz com um piscar de olho.

Quando entrei no apartamento, ainda sorrindo, me surpreendi. Marcela havia feito o jantar e pelo cheiro estava uma delícia.

— Nossa! Que cheirinho bom — disse ao entrar na cozinha. — Você vai me desculpar, Marcela, mas nunca achei que você fosse o tipo dona de casa — ri pela cara afetada que ela fez.

— Há muitas coisas sobre mim que você não sabe.

— Adoraria descobrir — falei sem conseguir evitar um pouco de tristeza na voz. — Bem, quando poderemos comer?

— Ainda vai demorar um pouco. Onde você foi?

— Até a casa dos meus pais. Peguei algumas roupas e DVDs. Pensei que gostaria de assistir um filme comigo se não estiver muito cansada.

— Bem, casada estou, mas adoro um bom filme e acho que será uma boa distração depois dos últimos acontecimentos. O que você trouxe?

— Um terror…

— Não. Detesto terror.

— Ok, sem terror — atirei o DVD sobre a mesa.

— O que mais você trouxe?

— Anjos da Noite, é mais velho que a fome, mas adoro esse. Também trouxe uma comédia do tipo besteirol e Imagine Eu e Você, mas este último é só para mim.

— Ué, por que só para você?

— Porque, com certeza, não é o seu estilo de filme.

— Ah, você falando assim me deu curiosidade. Vamos assistir esse.

— Acho melhor não.

Ela saltou sobre mim, arrancou o DVD das minhas mãos e saiu correndo em direção a sala. Fui atrás dela, mas quando cheguei, já tinha posto o disco no aparelho.

— Senta aí e assiste comigo, enquanto o jantar fica pronto.

Ai, fazer o quê? Foi ela quem quis assistir ao filme. Depois não viesse reclamar comigo. Ela pausou o DVD aos dez minutos e se dirigiu para a cozinha.

— É melhor a gente jantar primeiro e depois assistimos. Faço pipocas depois, que tal?

Ainda um pouco envergonhada, respondi:

— Tudo bem.

Marcela realmente tinha o dom da culinária. O jantar estava delicioso. Comemos em silêncio e depois de termos limpado a cozinha e lavado a louça, ela fez as pipocas que prometeu e fomos assistir ao filme. Ainda tentei faze-la desistir dele, mas não teve jeito, ela bateu o pé e fez birra.

Fazer o quê? Eu tentei, depois não viesse me encher o saco.

Sentamos lado a lado no sofá. A cada nova cena do filme esperava um insulto dela ou algo parecido, mas não houve nada. Ela assistiu ao filme inteiro em silêncio e, acreditem se quiserem, até chorou com o final.

Dá para acreditar? É uma comédia romântica. Não tem motivos para chorar.

Mas, tirando isso, o fato dela não ter reclamado me surpreendeu e muito. Fiquei em silêncio ao fim do filme, não tirava meus olhos da TV, enquanto os créditos finais surgiam e desapareciam na tela. Então, a senti se encostar ao meu corpo, sua respiração próxima ao meu pescoço me causando o desejo quase que incontrolável de beijá-la.

Fechei os olhos.

Tentava esquecer que estava tão próxima a mim. Fosse qualquer outra, garanto, que já estaríamos aos beijos ou em momentos mais que íntimos. Mas, com Marcela as coisas eram diferentes. Ela tinha o poder de me causar a timidez, mas havia outro motivo para isso, era o fato de saber que ela nunca seria minha que me fazia ficar imóvel. Estranhamente, senti-la tão próxima de mim, causava-me medo.

Marcela levou a mão até meu queixo me forçando a virar meu rosto para ela. Nossos olhares se encontraram e percebi, com o coração sambando loucamente dentro do peito, que nossos rostos estavam muito próximos. Podia sentir sua respiração um pouco acelerada acariciar minha face causando um leve arrepio em meu corpo.

E o inevitável aconteceu. Lentamente, nossas bocas se procuraram e se uniram em um beijo terno, doce.

Não houve a pressa da primeira vez. Seus lábios exploraram os meus delicadamente, suavemente e envolvi seu corpo em meu abraço a puxando para mais perto e ela também me enlaçou se apertando mais a mim, sem permitir que nossos lábios se separassem.



Notas:



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