Siga o que você é

SIGA O QUE VOCÊ É.

SIGA O QUE VOCÊ É.

O QUE FAZER COM PRECONCEITO?

– Boa tarde, pessoal!

– Boa tarde, Maga, tudo bem?

– Jonas, que mania de me chamar assim! Não consegue dizer meu nome inteiro, não? É tão preguiçoso assim?

– Oi, Margareth!

– Oi ,Margareth!

– Está vendo? É fácil, Ronaldo e Priscilla conseguem isso quer dizer que você também é capaz.

– Ah deixa de ser tão chata! Todo mundo se trata por apelido, por diminutivo dos nomes. Qual é o grande problema nisso?

– Minha mãe ensinou-me desde criança a não me deixar ser tratada dessa forma. Meus pais colocaram um nome em mim e é assim que quero ser tratada. Em respeito a eles.

– Quer saber? Está na minha hora, pessoal, até mais.

– Credo, Margareth, como você é chata!

– Eu apenas gosto de deixar claro algumas coisas que não aceito, oras.

– Oi, meu povo! Tudo tranquilo com vocês?

– Oi, Marcão! Há quanto tempo garoto.

– É mesmo! Como você está, gostosão?

– Estão vendo? O nome dele é Marcos, um bonito nome por sinal. Como está desaparecido?

– Que tá pegando, galera? Todo mundo aqui sabe qual é meu nome, aliás, metade da faculdade sabe.

– Ah é a Margareth com essas manias de esnobe.

– Hei olha lá! – Marcos aponta. – A Tânia Yokorito! Essa mulher é nota mil.

– Quem? Aonde? – Ronaldo pergunta.

– Cadê a beldade? – Priscilla olha em torno.

– Com esse nome só pode ser japonesa. O que tem demais uma mulher com olhos puxados, sem bunda e baixa?

– Hãããã?? – Todos questionam numa só voz.

– Você nem a viu, como pode estar dizendo essas coisas? – Marcos a repreende.

– Credo Mag! – Priscilla chama a atenção. – Agora você esta exagerando.

– Até mesmo pra você essa foi demais. – Ronaldo afirma. – Como você pode ser tão preconceituosa?

– Pois posso garantir que você errou feio. – Marcos retruca. – Ela não é baixa e há orientais de todos os tamanhos. Faz esporte e tem tudo no lugar e durinho e, aqueles olhos meio puxadinhos e marronzinhos são de babar. E não é “japonesa”, é descendente.

– É tudo a mesma coisa.

– Não, não é. – Marcos discorda. – Acima de tudo ela é considerada a mais inteligente aluna da Universidade.

– Você deve estar de brincadeira! Quais os critérios usados pra se chegar a essa conclusão?

– Notas, capacidade de raciocínio rápido, respostas corretas e lógicas e algo que você parece não ter. – Marcos responde.

– É mesmo? E o que seria isso?

– Respeito pelas pessoas e senso de humor. – Marcos continua, mas desiste. – Bom, vou lá dizer um oi pra ela.

– Nossa! Parece que o Marcos está gamado nessa “japonesinha”.

– Realmente, Mag, não sei como a gente te aguentou até hoje. – Ronaldo fala áspero. – Para menina! Assim vai acabar afastando todo mundo.

– E quem necessita desse tipo de gente?

– Que tipo de gente, Mag? – Priscilla questiona. – Ela é uma pessoa bonita, simpática, coisa que você nunca foi. A cada dia piora mais esse seu preconceito. Estava de costas pra ela e continua, nem se deu ao trabalho de ver quem um amigo seu estava elogiando e acho que acabou de perder mais um.

– Inteligente! Duvido, deve estar falando sobre as prostitutas da família.

– O que? – Priscilla indaga, perplexa. – De quais prostitutas você está falando, mulher?

– É, você conhece a família dela? – Ronaldo indaga.

– Não, mas eles não descendem todos de gueixas?

– NÃO! Assim não dá. – Ronaldo se revolta. – Você tá fazendo questão de parecer idiota hoje por que, hein?

– Mag, gueixas não eram prostitutas. – Priscilla se dá ao trabalho de explicar. – Para de falar sobre culturas que você não entende nada, sem dar uma olhada, sem tentar saber, entender os outros povos. E nem todos os japoneses são descendentes de gueixas e samurais. Pelo amor de Deus! Presta atenção no que tu falas.

– Ah ta! Eu estou super entediada hoje. Minha vida parece um vazio buraco enorme. Já parei, pronto.

Na outra mesa:

– Ah, gente! – Tânia fala. – Eu sempre pensei mais ou menos assim, que não só os anjos, mas os Budas, os Mestres apenas nos parecem em forma assim ou assada, em forma “humana”, disso. São energias, já se livraram de corpos, de gêneros. Estão acima disso tudo, aparecem para nós simples mortais em “formas” que nós entendemos, não quer dizer que sejam como os vemos. Aliás, não devem ser mesmo.

– É, você pode ter razão, mas será que “eram os deuses astronautas? ” – Marcelo indaga, jocoso.

Murmúrio geral das oito pessoas que se encontravam ali reunidas.

– Observam através de gigantescos telescópios, de satélites especializados galáxias se trombando, explodindo, nascendo, mas acredito que nós não temos a energia interna (pessoal) pronta para estarmos nas estrelas. O que poderíamos levar pra lá? Precisamos de mais evolução física e espiritual pra chegarmos a esse ponto, não é só dinheiro e tecnologia. – Tânia continua explicando.

– Tânia, você está me surpreendendo de novo! – Flavio afirma. – Nunca pensei que você se interessasse por esse tipo de assunto. Sempre me pareceu tão “cientista”

– A ciência não tem que se afastar de Deus, não tem que provar a sua existência, ou a inexistência Dele. – Tânia, feliz, continua. – Por muito tempo andou junto com a religião e aí é que está o problema. Você tem fé, bom pra você, continue assim. Você não tem crenças, bom pra você, espero que tenha moral e não prejudique ninguém. Você tem fé na ciência, problema seu, vá em frente. Mas o ser humano tem essa mania de achar que o que eu acredito ou desacredito é o que é certo e todo mundo tem que seguir.

– As instituições é que acabam transformando a fé em comércio, desde sempre. Usam a fé de acordo com que lhe convenha pra angariar mais fundos. – Estefanny intervém.

– É, é, isso mesmo. Hora de aula. Até mais pessoal. – As pessoas falam, ao mesmo tempo.

A turma se dispersa e cada um segue para sua sala de aula.

A noite chega, Margareth vai direto pra casa, pois obedece sempre aos caprichos da mãe e esta gosta de ter todos a seu dispor. Havia se arrependido das bobagens que falara com os amigos, mas estava irritada consigo mesma, justamente por estar sentindo, particularmente naquele dia sem saber porque, as amarras impostas pela mãe.

– Boa noite, mãezinha!

– Boa noite, minha lindinha.

– Oi, pai!

– Oi, filha, não tem nada mais interessante pra fazer do que se fechar em casa, numa sexta à noite, em companhia de dois velhos?

– Se há velho nesta casa é você, Geraldo! E minha filhinha tem que escolher muito bem com quem e aonde vai, afinal, tem um nome a zelar.

– Meu Deus! Até quando você vai segurar essa menina? Até ela se casar com alguém que você escolha?

– Por favor, meus queridos! Eu estou com fome, não da pra gente jantar tranquilamente?

– É só teu pai não falar besteiras.

– Tudo bem, filha, em consideração a você e seu estômago, vamos jantar. Prometo ficar quieto, mesmo porque não dá pra se argumentar com tua mãe quando não se concorda com ela.

– Ora, Ge…

– Mãe! Por favor, vamos mudar de assunto. E aí o que fizeram hoje, como foi o dia de vocês?

– Não tenho muito que comentar, filha, passei o dia todo no escritório trabalhando, trabalhando e trabalhando. Não consigo ler mais nada hoje, nem ver mais nem um numero na minha frente.

– É o que dá ser empresário, né? Logo hoje que ia pedir tua ajuda pra exercícios de matemática?

Os dois riram, mas dona Claudia permaneceu com ar de ofendida como se não tivesse ouvido nada da conversa entre eles.

– E você, mãe? O que fez?

– Ah! Percebeu minha presença afinal?

– Mãe, não acredito! Que é isso, ciúmes?

– Ora, você já se informou com seu pai, como sempre, antes de me dar a devida atenção.

– Tá bom, mãe. E fez algo diferente hoje?

– Não, apenas me encontrei com umas amigas, fomos ao cabeleireiro, estamos planejando um jantar beneficente para uma entidade social. Coisas normais.

O pai balançou a cabeça negativamente e se concentrou na comida. Margareth sabia o quanto ele detestava aquele negócio de jantares com intuito social, ela também não gostava, mas jamais iria contra a mãe.

– E onde e quando seria esse jantar, mãe?

– No clube mesmo, no entanto, pensamos em contratar um buffet que não tenha garçons negros.

– Como é? Posso saber o porquê disso?

– Geraldo! Como o porquê, sabe que eu e algumas amigas não nos sentimos bem com negros por perto. Sentimo-nos inseguras.

– Pra mim chega! Me dão licença, mas vou acabar de jantar na cozinha, onde o ar é mais respirável.

– Pai, por favor!

– Não dá, filha! Parece que ela faz questão de esquecer as origens. Dela e de “algumas amigas” (imitando a voz da mulher).

– Nós já arrecadamos dinheiro pra eles através das entidades sociais, o que mais ele quer?

– Mãe, cadê o Felipe?

– Aquele desnaturado sempre concordando com teu pai! Imagina que sexta feira ele janta em casa. Geraldo o mima de todas as formas, fica soltando dinheiro pra ele se divertir com os amigos nos finais de semana. Ainda bem que tenho você, filhinha.

Margareth não sabia mais se aquilo era amor e seria bom pra ela, ou se a mãe soubera prende-la em amarras invisíveis.

Para o final de semana, Margareth pensou em convidar os amigos pra piscina. Depois do jantar ligou para Priscilla, antes que ela saísse pra balada.

– Ah não, amiga. Ninguém aguenta tua mãe, nem entende como você aguenta. Por que não vem com a gente? Planejamos fazer uma trilha. Por isso me pegou em casa, hoje não vou sair porque vamos nos encontrar cedinho. Jonas e Ronaldo vão me apanhar aqui em casa às cinco da madruga. Você podia vir dormir aqui e amanhã jipe, trilha, cachoeira. Você nunca faz nada divertido.

– Mamãe programou um ballet pra amanhã à noite, não vai dar.

– Pelo amor de Deus, Margareth! Larga da tua mãe e diz pra ela largar do teu pé. Deixa de ser uma patricinha com cordão umbilical!

– Priscilla!

– Ah desculpa, amiga, mas deste jeito você vai ficar sem amigos e sem conhecer a vida.

Margareth sabia no fundo que a amiga estava certa, mas… despediu-se e foi pro computador. Ali na tela podia ser quem quisesse, conversar com quem quisesse, sem se mostrar de fato. Se a coisa tomasse um rumo mais pessoal com alguém das salas de amizade ela pulava fora.

Lembrou-se de Armando, um namoradinho da época de escola, que a mãe fizera questão de que não mais se encontrassem quando descobriu, e ela como sempre a obedeceu. Fora um namorico de dois meses, coisa infantil, uns beijos e nada mais.

Depois na época do cursinho Carlos, cheio de charme e também cheio de mulheres atrás dele. Pensava que era “a namorada” dele, mas descobriu cedo que ele gostava de todas, principalmente das que iam pra cama com ele, coisa que ela não fizera.

Pensando bem, nunca fizera nada fora dos padrões que a mãe lhe impusera. Viajara, conhecera boa parte do mundo – com a mãe.

As coisas que falara na faculdade com os amigos sobre a menina elogiada por Jonas, eram palavras típicas da mãe. Ela pensava aquilo mesmo? De repente sentiu-se vazia, só e antes que a tristeza chegasse desligou o computador e resolveu tomar um banho e ir dormir pra não pensar, ou pra sonhar talvez.

No sábado foi ao ballet com a mãe, onde encontraram parte das “amigas” que o pai detestava. O espetáculo realmente fora um espetáculo, mas os comentários da mãe e das amigas lhe soaram … vazios. Observou que não havia ninguém da idade dela acompanhando mãe alguma. As que eram de sua faixa etária estavam com amigos, ou namorados. Respirou fundo, pensando que o domingo seria bem maçante. Devia ter ido com os amigos pra trilha.

– Mãe, por que você sempre faz questão que eu a acompanhe nesses eventos que você vai, ou participa?

– Ora, filha, não é óbvio? Minhas amigas ficam impressionadas com você e todas gostariam que seus filhos se casassem com você. Bonita, inteligente, digna, não como essas moderninhas que enchem a cara, usam drogas, transam com qualquer um.

– Pra casar com um dos filhos de uma de suas amigas?

– Já imagino como será esse casamento. Será o destaque das colunas sociais do século!

– Alguma vez na sua vida você pensou que eu poderia não estar interessada nesse tipo de vida?

– Claro que está, filha. Eu te criei e eduquei pra isso!

– Mãe, presta atenção. Eu estou muito a fim de me formar e trabalhar em Comunicação. Quero ser jornalista que faz diferença, que faz as pessoas pensarem com o que escreve.

– Ora, filha, você não precisa disto. Agora dá licença que vou ligar pra Bernadete.

A mãe foi para o telefone e Margareth ficou pensando no que acabaram de dizer uma pra outra. “Que faz as pessoas pensarem com o que escreve”. E o que eu penso da vida?  Parece que todas as ideias que tenho, as palavras que digo são dela, da minha mãe. Preciso conversar com alguém, mas quem em pleno sábado? O irmão não sabia quando chegaria. Só tinha mesmo o pai que poderia ouvi-la, mas ele vivia dizendo pra ela parar de seguir tudo o que a mãe lhe dizia.

Iria pensar sozinha, saberia chegar em algum ponto.

A segunda chegou, passou a manhã em casa estudando e à tarde foi pra faculdade, decidida a mudar as coisas, a sua visão.

– Olá, crianças! Como foi a trilha?

– Fantástica! – Priscila fala. – Trouxemos fotos maravilhosas! Nem passei ainda para o computador, mas trouxe a maquina pra você ver o lugar em vídeo também. Vai morrer de inveja e se arrepender de não ter ido.

– Isso aconteceu no sábado mesmo, nem preciso ver o vídeo e as fotos pra me arrepender. – Margareth responde.

– Sério? – Jonas pergunta. – Que maravilha! O que aconteceu de tão diferente pra de repente você mudar assim? Tua mãe te deserdou?

– Para, Jonas, parece que é sério. – Ronaldo fala. – Aconteceu alguma coisa, Margareth?

– Ainda não. Mas quero que aconteça. Quero mudança na minha vida.

Foi um alvoroço. Todos os três tentando falar ao mesmo tempo, tentando descobrir o que ocorrera.

– Calma, gente! Sabe, passando em frente a um grande parque outro dia vi uma arvore, não muito grande, cheia de ninhos de pássaros de espécies diferentes. Pensei “um condomínio de pássaros” não um viveiro, onde eles tinham espaço restrito, tinham o céu inteiro pra voar. Daí mudei de ideia. Um condomínio é cheio de regras, intrigas, ou total desconhecimento dos que ali residem. Então não era um condomínio, era um amontoado de lares. Ali eles são livres, podem entrar e sair e mudar quando bem entenderem.

– Mas foi só por isso que você pensou em mudar tua vida? – Jonas pergunta. – Por ter vindo a tona, acho que é a primeira vez que vejo isso acontecer, a tua veia de escritora, teu olhar jornalístico?

– Não, Jonas. Foi uma reunião de coisas. O que aconteceu na sexta quando falamos sobre a tua amiga, um papo acontecido em casa entre meus pais. Depois uma conversa, se é que se pode chamar aquilo de conversa, entre eu e minha mãe. Ando olhando no espelho e não estou me vendo no reflexo.

– Nossa! – Priscilla se surpreende. – Profundo isso.

– Com esse papo você até está parecendo a Tânia, ou o pessoal da Filosofia. – Jonas observa.

– Ah, gente vamos mudar de assunto que tá pesando. Vamos pra aula vai. – Chama Jonas.

No intervalo conversaram amenidades menos Jonas que deu uma sumida.

No final do dia.

– Hei, Maga! – Jonas se aproxima. – Quero te apresentar alguém.

– Me apresentar alguém? Quem? – Margareth indaga.

– Uma trabalhadora. – Jonas responde. – Você vai querer conhecê-la também, Pri?

– Nem sei de quem você tá falando! – Priscilla responde, curiosa.

– Aposto que eu sei de quem é! – Afirma Ronaldo.

– E quem seria? – Priscilla e Margareth perguntam.

– Tânia claro. – Ronaldo responde. – A ídola mor do nosso amigo apaixonado.

– Você está apaixonado, Jonas? – Indaga Margareth.

– Não! – Jonas responde. – Eu tenho a maior admiração por esta mulher. Ela é fantástica!

Chegaram à lanchonete da faculdade, Jonas escolheu uma mesa e sentaram-se.

– Marcaram encontro é? – Brinca Ronaldo.

– Para, cara! – Jonas o repreende. – Já cansei de te dizer que não é paixão, é admiração pela inteligência dela, só isso. E acabamos fazendo uma relativa amizade, aí, eu a convidei pra conversar um pouco com a gente agora a noite já que ela está livre.

– Livre pra que e de que? – Pergunta Priscilla.

– Ela trabalha pela manhã e a noite às vezes faz estágio, ou algum bico pra ganhar uma grana extra. Bico em locais que faz estágios, ou para algum arquiteto, o que aparecer na área. – Jonas responde, prontamente.

– E lá vem tua deusa. – Ronaldo aponta.

A voz mansa e um pouco rouca, cumprimentou a todos.

– Boa noite, pessoal! – Tânia cumprimenta.

Jonas fez as apresentações.

– Bom, Jonas, o que você queria me perguntar, ou que eu ouvisse? – Tânia questiona.

– Temos uma amiga que não sabe muita coisa da vida real. – Jonas explica. – Tem uma mãe que parece uma… vamos dizer bruxa, porque tem o poder sobre ela e verdadeiramente a amarra, a trava. Hoje essa pessoa parece que percebeu que há algo falho nessa relação, na sua vida e parece querer abrir suas asas, chutar o balde ou coisa parecida, só não sabe como.

Ouviu-se um riso franco, solto:

– Menino, e tu acha que eu tenho alguma ideia sobre isso? – Tânia pergunta. – Por que pensou em mim?

– Por você ser segura, ter enfrentado desde cedo a vida e o mundo e ter sobrevivido. Talvez, só talvez, você pudesse conversar com ela. – Jonas fala.

Margareth estava super inquieta, nervosa e até chateada com Jonas, mas mantinha-se quieta, sabia que ele não tivera intenção de ofendê-la.

– Olha, Jonas, não é a pessoa (bruxos, ou magos, ou seja lá quem for) que mantém o poder e o lugar. – Tânia explica com calma. – É o poder que mantém o lugar e a pessoa. A pessoa pode apenas ser uma canal da força, da magia, ou da energia, ou o nome que você queira dar. Portanto, quando nos filmes e contos infantis o feiticeiro é ferido ou destruído e todo o lugar desaba, eu acredito que seja porque a energia deixou de ter um canal para manter tudo daquela forma. Com a gente é a mesma coisa. O medo pode nos dominar por não querermos enfrentá-lo. Alguém pode nos dominar por usar o medo, ou porque deixamos. É preciso descobrir qual a fonte dessa dominância e se deixar dominar para que se possa interromper o canal, ou até eliminá-lo de vez. Pelo menos é o que penso, se pode ou não ajudar, não sei, meu amigo.

– Então você acha que se ela está com problema, a culpa é dela? – Margareth questiona, ansiosa.

– De forma alguma. – Tânia responde, com segurança. – Não conheço o quadro todo pra dar uma opinião que eu ache adequada. E culpa é uma coisa muito séria pra se falar, ainda mais quando não se conhece a pessoa. Culpa é um dos maiores medos. É destruidora. Mas veja só é como aquilo de você comer uma feijoada no almoço, uma lasanha no jantar por uma semana e depois reclamar do teu metabolismo lento quando engordar 5 kg no final da semana. Enquanto você não tiver consciência do que está fazendo errado, e ninguém vai descobrir isso pra você, e tomar uma atitude quanto a isso, tudo continuará igual.

– Tem coisas difíceis de resolver. Sem um respaldo, sem uma segurança, um apoio, sei lá, algo que nos fortaleça que nos de motivo pra mudar. – Priscila fala.

– Mas ela tem o respaldo do pai! Não é, Ma.. – Ronaldo observa.

– Ah é, tem sim! – Margareth responde rápido, olhando feio para Ronaldo.

– Um apoio nestes casos precisa ser alguém confiável e que se necessário te dê o ombro também. – Orienta Tânia. – Não basta ser parente, tem que haver uma ligação especial. Bom, me desculpem, mas vou ter que ir. Amanhã pego cedinho no batente. Conversem e apoiem essa sua amiga e se eu puder ajudar de alguma forma me avisem. Beijos e até outro dia.

Responderam e Tânia se foi.

– Nossa, a mulher fala bem à beça hein! – Observa Priscilla. – Agora já sei por que um cabeça de bagre como você está apaixonado, Jonas.

– EU NÃO ESTOU. – Jonas grita. – Quantas vezes vou ter que falar isso?

Todos riram. Margareth não teve como não os acompanhar.

– Agora falando sério, Jonas, você deixa claro que tem uma admiração profunda por ela, mas por que fica tão nervoso quando alguém diz que está apaixonado? – Pergunta Margareth.

 – Porque eu me esforço ao máximo pra não sentir por ela nada mais que admiração e amizade. – Explica Jonas.

–  Mas ela é uma mulher bonita; por que não pode sentir outra coisa? – Indaga Priscilla.

– Porque sofreria sozinho. – Responde Jonas. – Quando me aproximei dela foi com outra intenção. Depois de conversar um tempo fui me apaixonando e falei com ela. E tive meu barato cortado radicalmente.

– Mas você é um gato! – Margareth quer saber. – Ela já tem namorado, é isso?

– Ela já teve namorada, não tem mais no momento. – Jonas responde. – Ela simplesmente não gosta de homens a não ser pra amizade. Eu adoraria que o motivo fosse outro porque aí sim eu teria chance.

Após um breve silencio de espanto, ouve-se em uníssono “Ela é gay? ” Margareth fica pasma. Os outros dois começam a tirar o sarro de Jonas com frases do tipo “Xi perdendo pra mulherada”, “Tá ruim de taco”, etc.

– Pessoal, calma ai, gente! Oh escândalo! – Jonas repreende a todos. – O papo que tive com ela quando me contou pra que eu desistisse de continuar tentando conquistá-la, fez com que aumentasse meu respeito por ela. É claro que queria e muito tê-la ao meu lado como mulher, mas já que só posso ter a amiga, tenho que aproveitar, não é?

– Claro, cara, só tava brincando. – Ronaldo fala. – Você ainda vai achar alguém bem legal pra te fazer feliz.

– Achei isso muito legal, Jonão. – Priscilla afirma. – Não sabia que você podia ser tão altruísta, pelo jeito ela te faz muito bem mesmo.

– Brigado! – Agradece Jonas. – Quando a conhecerem vão ver que é especial pra valer, por isso tanta gente gosta de conversar com ela.

– Gay? Você se apaixonou por uma mulher gay? Por uma .. como se diz.. sapata? – Se surpreende Margareth.

– Pensei que estava tentando ser uma pessoa mais aberta, Maga! – Jonas retruca. – Foi só ouvir uma palavra fora dos padrões da sua TFP e pronto, já voltamos à estaca zero?

– Não, Jonas, não é isso. – Margareth se defende. – Ela me pareceu muito simpática e inteligente também. Mas minha mãe sempre me disse que gay era aberração, era errado, que são bêbados e/ou drogados. Que as mulheres se parecem com os homens e os homens se travestem. Eu sei que é radicalismo, mas não estava preparada pra conhecer uma que aparenta muita feminilidade, tem garra, é bonita e muito educada.

– Maga, minha querida! – Priscila procura explicar. – Olha só até eu já to te chamando por apelido e você não xingou! Já é alguma mudança! Hum, até eu que não sou assim fã de gays, sei que são pessoas como todas as outras, tem de todo tipo. A que é legal, a que é fofoqueira, a que bebe, a que é abstêmia. São coisas típicas dos seres humanos, são assim os que vão às igrejas, ou os que vão pras baladas.

– Ta caindo na real, Maga?! – Pergunta Ronaldo. – Até que enfim tá começando a ver que tua mãe não tem razão em muiiiitas coisas. Você já deve ter conhecido e falado e até gostado de várias pessoas que são gays e nem sabe disso. Não são todas que escrevem na testa. Principalmente por gente como tua mãe, se mantêm discretas. 

Margareth voltou a pensar, coisa que estava se tornando hábito frequente. Parecia-lhe que nunca antes tivera pensamentos próprios. Estava questionando todos os conceitos digeridos por ela, implantados pela mãe. Terminaram de lanchar e foram para suas casas.

Os dias da semana transcorreram sem muitas alterações. Jonas se dividindo entre os amigos e tentando estar perto de Tânia. Ronaldo galinhando. Priscilla paquerando. Margareth pensando. E todos estudando. No entanto, haviam se habituado a dizer quando nada um oi pra Tânia. Chegou a sexta feira.

– Margareth, minha filha, já marcamos a data do jantar no clube e escolhemos o buffet você precisa escolher a roupa que vai.

– Eu não vou, mãe.

– O que? Como assim não vai? Temos planos e..

– Disse bem, mãe. Temos planos e os meus não incluem os seus.

– Você andou usando drogas?

– Não, mãe, apenas quero mudar um pouco. Conhecer outras coisas que não as suas.

– Que bicho te mordeu? Andou falando com Felipe, é? Está agindo como ele!

– Não, mãe, não falei. Mal tenho visto meu irmão. Apenas não estou contente com a vida que estava levando.

– Não me diga que vai querer virar uma dessas garotas modernas cheias de vícios e namorado novo a cada dia? E se dizem descoladas quando na verdade se tornam verdadeiras putas. – Gritava.

– Mãe, por favor, fala mais baixo! Eu só disse que quero fazer coisas diferentes, não radicalizar. E mãe, descolada é uma coisa, puta é outra. Não sei por que está não nervosa, falando até palavras que nunca antes ouvi você falar! Descoladas fazem o que querem sim, mas têm jogo de cintura pra se livrarem do que não querem. Burras se acham descoladas, mas não conseguem se livrar de nada por não saberem a diferença entre o que verdadeiramente querem e o que os outros querem, ou o que está na moda. Puta pode ser muita coisa, além da profissão.

– Filha! Pode parar com esse tipo de conversa.

– Eu posso não participar das coisas de gente da minha idade, mas sou boa ouvinte e leitora, mãe. Agora gostaria de me tornar boa observadora, pra saber mais das pessoas.

– Teu pai andou colocando minhocas na tua cabeça?

– Não, ainda não conversei com ele, mas vou. Quero fazer um pedido.

– Pra ele? E por que não pra mim?

– Você seria contra. Estou com 23 anos e ainda sou uma idiota em muitas coisas. Acho que tá na hora da virada e ele pode me ajudar, já você só vai colocar empecilhos. Até mais, mãe.

– Margareth Albuquerque Massoti, volta já aqui!

– Tenho coisas pra fazer agora, mãe, tenha uma boa noite.

Saiu da sala deixando uma mãe furiosa -ou uma das coisas que pode significar a palavra puta -, foi para o escritório do pai e fechou a porta.

Ligou o som. Sentou-se em frente ao computador pensando e resolveu vasculhar locais virtuais que nunca tinha visitado. Viu em salas de bate papo, algumas muito pesadas pro seu gosto. Perambulou em várias apenas observando, tentando ter um olhar jornalístico, de entendimento.

Encontrou poesias e contos de gays. Em um desses sites viu alguns elogios a alguém sob um pseudônimo e resolveu ler algo da pessoa. Encontrou logo.

Capítulo 107: Amor, um segundo no infinito.
(por Fenix , adicionado em 9 de Outubro de 2008)
Que teu olhar encontre o meu e por um segundo
que o infinito pare e concentre em mim sua força vital.
Que o pulsar da terra se assimile ao bater de meu coração
que o sol e a lua se encontrem em um eclipse total.

Que tua boca ao tocar na minha guarde o meu segredo
e na minha pele fique perpetuado o seu calor.
Infundindo em mim o gosto de canela e cravo,
gravando em minha alma os acordes do amor.

Que teus braços sejam as minhas correntes e algemas
que carinhosamente me prendem e não me deixam fugir.
Que tua mão pequena e fria desenhe nas minhas, as letras
da própria historia que o tempo escreveu a sorrir.

Que nosso amor se faça mansamente e por tempo infinito
e tornem um único ser nossos corpos, almas e corações.
Que nosso respirar seja como o vento da madrugada,
e que todos aqueles que nos verem percebam as nossas emoções.

Que teu amor me guie e seja meu farol nas noites escuras
que este sentimento que lhe tenho, seja conforto e paz.
Porque sua presença aquece e encanta meu dia
porquê quero a todos dizer o quanto bem você me faz.

Que nossos momentos de amor se eternizem e no infinito,
uma estrela brilhe cada vez que eu, TE AMO lhe falar.
Porque assim o universo se calará diante de tamanho sentimento
e em gotas de felicidade, sobre a terra irá se derramar.

Leu e releu tentando descobrir como seria a pessoa que escrevera aquilo. Era uma mulher escrevendo uma poesia pra outra mulher e não lhe parecia absolutamente em nada com o que a mãe lhe ensinara. Passou metade da noite lendo coisas naquele e outros sites. Informações demais. Dormiu mal, com a cabeça não querendo parar de pensar em toda sua vida até aquele momento.

Pela manhã, levantou-se às 9:00 hora e encontrou seu pai lendo o jornal na sala.

– Bom dia, pai.

– Bom dia, minha filha! Você está bem? Não dormiu?

– Estou sim, mas dormi mal. Discuti ontem com mamãe, há dias ando pensando em muitas coisas ao mesmo tempo. E to querendo te pedir um favor.

– Nossa! Está em 220 volts, minha criança! Mas só o fato de ter “discutido” com sua mãe já é um alívio. Isso demonstra que tem vontade, afinal.

– Pai!

– Desculpa, filha, mas a vida toda sempre fez o que ela quis! Mas fala pra mim o que você quer me pedir?

– Eu queria saber se há a possibilidade de você me “emprestar” um local pra morar, ou alugar pra mim.

O pai praticamente pulou da poltrona onde estava aconchegado com um sorriso triunfante.

– NÃO ACREDITO!

– Pai, para de gritar, vai acordar dona Claudia.

– Você não conversou sobre isso com ela?

– Claro que não. Primeiro quero saber a tua opinião e se vai me ajudar. Também estou pensando em fazer algo na vida, mas já. O Felipe já trabalha e está pra terminar administração, mas ele sempre teve pendor pra isso. Eu .. para pai, sossega!

– Filha, você nem imagina como fico contente com você começando a viver sua vida. Claro que te ajudo, afinal tudo que construí é para você e Felipe. Posso continuar a te dar uma mesada pra ir sobrevivendo até poder andar com suas próprias pernas, mas quanto à moradia, temos um apartamento vago e reformado. Quando quiser é só comprarmos a mobília, ou se quiser podemos entregar tudo na mão de um especialista.

– Não, eu mesma quero escolher se você me ajudar. Depois de tudo pronto eu aviso dona Claudia pra que ela não tenha uma síncope antes.

 O dia correu normal, o irmão estava passeando com amigos na praia e Margareth resolveu manter a resolução que tinha tomado enquanto navegava na noite anterior. Arrumou-se pegou o endereço e por volta das 22:00 horas estava saindo.

– Tchau pai, tchau mãe.

– Aonde você vai à essa hora?

– Vou dar uma saída, mãe, mas não se preocupe que não pretendo voltar grávida.

– Toma cuidado, filha, se ficar muito tarde quando resolver voltar, me liga que vou ou mando alguém te buscar, tá?

– Obrigada, paizão, mas estou com o carro. E não vou a lugar ermo não, mas qualquer coisa eu ligo. Beijos.

A mãe nem sabia o que dizer, ou fazer. O pai estava contente. Preocupado com a segurança dos filhos enquanto estavam fora de casa, mas contente por abrirem as asas.

Chegou ao local que escolhera por ter parecido que tinha uma frequência mais tranquila, pagou a consumação e entrou. A maioria estava acompanhada ou em grupo. Resolveu ir ao balcão  do bar e observar um pouco. Pediu um vinho. Estava receosa sim, mas determinada a começar a conhecer a vida. Havia homens e mulheres dançando, se divertindo e a princípio não lhes pareciam nenhum monstro. Apenas pessoas se divertindo.

– Procurando alguém, gata?

– Hum?

– Procurando alguém?

– Na verdade, não sei!

– Não sabe? Quero saber se está procurando por uma pessoa conhecida, ou alguma companhia para a noite.

– Ah! Estou procurando uma pessoa conhecida, mas não sei se vai estar aqui hoje.

– Posso te ajudar a procurar?

– Quem sou eu pra dizer o que você pode ou não fazer, não é? Mas se tem alguma ideia a meu respeito pra depois, sinto desiludi-la.

– Hummm! Esse alguém é uma ex ou pretensa futura?

Margareth sorriu diante da pergunta da bela mulher à sua frente. Não sabia porque tinha dado aquela resposta, não sabia porque estava naquele lugar, mas de repente sentiu que estava procurando alguém sim.

– Essa é uma boa pergunta, mas ainda não tenho a resposta pra ela.

– É a primeira vez que vem aqui, não é?

– É sim. Aqui ou em outro lugar na cidade.

– É hétero? Tá em dúvida? Ou só à procura de emoção diferente?

– Também não tenho uma boa resposta pra essa pergunta.

– Então digamos que você está em dúvida.

Ambas riram.

– Oi, menina! Você por aqui?

– Oi, Tânia!

– Humm! Pela reação acho que encontrou a pessoa.

– Que pessoa? Veio aqui procurando alguém?

– Bom… é que… não sei.

– Oi, Tânia, essa menina não sabe de muitas coisas. Tenta esclarecê-la um pouco.

– Desculpe, Margareth, mas eu acabei de entrar e a vi com a Solange e pensei em socorrê-la. Não sabia que frequentava esses lugares.

– Eu não frequento lugar nenhum pra dizer a verdade. Apenas hoje resolvi dar uma saída e vir conhecer.

– Assim! Do nada? – Suspirou profundamente. – A pessoa que estavam falando aquele dia, por acaso era sobre você?

– Não por acaso, era sim.

– E resolveu conhecer de tudo na vida de uma vez só?

– Não! Eu apenas andei xeretando em sites e quis conhecer um pouco sobre pessoas diferentes.

– Todas as pessoas são diferentes! Não precisava, de cara, entrar numa boate gay.

– Mas algo me chamou a atenção pra entrar e conhecer.

– Que algo foi? Posso saber?

– Algo que um amigo me disse e coisas que minha mãe me dizia. Conflitantes demais pra eu ficar pensando, achei melhor ver com meus próprios olhos.

– Pode ser que alguns amigos apareçam mais tarde, se não se importar com isso pode se sentar com a gente.

– Se acha que não vão se importar eu gostaria. Vem … alguém especial?

– Pra mim todos meus amigos são especiais. Diferentemente especiais cada um deles.

– Eu quis dizer alguém que possa não gostar de te ver sozinha aqui comigo.

– Ah não! Mesmo se eu tivesse esse tipo de alguém especial, ela não se importaria.

– Não? Por que essa certeza?

– Eu quando estou com alguém é pra valer. Não gosto de passar a noite com alguém e despachar de manhã sem nem saber o nome. Gosto de pessoas que entram na minha vida e se alojam e que me deixem alojar num cantinho do seu eu.

– Gostei disso!

– Antes do pessoal chegar posso dizer uma coisa pra você? É sério.

– Seja lá o que for pode. Manda ver que já estou sentada mesmo.

– Voltando ao assunto de outro dia, dá ou manda tua mãe ler um artigo que saiu na Superinteressante do mês de outubro agora, chamado “de onde veio seu corpo”. Ela vai saber que viemos todos da mesma coisa e do mesmo lugar. Pelo que me falaram aquele dia ela deve ser bem preconceituosa e radical. E eu te prometo que não vou mais falar nisso a não ser que você queira falar tá!

– Agradeço, mas pode ter certeza que vou querer falar sim.

Os amigos foram chegando aos poucos. Não viu nenhum deles quererem devorá-la e foi relaxando e sentindo-se bem com eles. Nenhum ali era da faculdade, estranhou e perguntou se Tânia não tinha amigos na faculdade. Ela esclareceu que tinha vários, só não tinham vindo naquela noite por motivos variados. Trocaram telefones, e-mails, msn.

A certa altura da madrugada, Tânia a chamou para dançar uma seleção lenta. Titubeou, mas aceitou. Pela primeira vez dançava com uma mulher. Uma bela, cheirosa e doce mulher. Tinha certeza que sua mãe morreria na hora se a visse naquele momento, mas se sentia tão bem e Tânia em nenhum momento fez algum gesto ou disse alguma palavra que pudesse ofendê-la ou sugerir qualquer coisa. 

Saíram com a boate já fechando. Não se lembrava desde o término da infância de ter se divertido tanto. Naquela época, os avós a tiravam das garras da mãe e a deixavam ser criança. Agora Tânia havia deixado que ela fosse apenas ela. Passou pela banca e comprou a revista recomendada.

Ao chegar em casa antes de subir pro banho e cama resolveu dar uma olhada na reportagem. Abaixo da manchete havia um texto em destaque escrito por Silvia P Haidar que dizia “Você não é nenhuma obra-prima. Mas um esboço feito de retalhos de vários animais. A evolução esculpiu seu corpo pegando o cérebro que surgiu em um verme, as nadadeiras de um peixe, a aparência de um macaco, deu um tapa em tudo isso e, voilà, você está aqui”. Em seguida mostrava como foi a caminhada até chegarmos ao que somos hoje. Leu tudo e adorou, deixou aberta na pagina na cadeira favorita da mãe e foi descansar.

Ao acordar por volta das 13:00 horas, pensou de imediato na reportagem e se a mãe teria lido. Queria ver a cara dela, mas outros pensamentos povoaram-lha a cabeça, tirando-lhe a coragem de sair da cama, embora o estômago já desse sinal de vida. Ligou o som em uma rádio de MPB e prestou atenção na musica antiga que tocava.

“Só uma coisa me entristece

O beijo de amor que não roubei

A jura secreta que não fiz

A briga de amor que não causei

Nada do quero me suprime

Tanto quanto o que não quis

Nada do que posso me alucina

Do que por não saber ainda não quis

Só uma palavra me devora

Aquela que meu coração não diz

Mas o que me cega o que me faz infeliz

É o brilho do olhar que não sofri”

         JURA SECRETA

         Sueli Costa/Abel Silva

Antes de encontrar a mãe, seu telefone toca.

– Alô!

– Oi, Margareth! Sou eu, Tânia. Posso te chamar de Maga?

– Pode, claro!

– To ligando pra te convidar, isso é, se você não tiver nenhum compromisso.

– Não tenho nada programado não… e pra onde iríamos?

– Sabe a Luciene que você conheceu ontem? Ela tá fazendo um churrasco pra comemorar um emprego garantido ao término da facu.

– Mas será que ela não vai estranhar minha presença?

– Ué, por que estranharia? Você já é uma amiga minha e amiga minha é amiga dos meus amigos homos e héteros.

– Ah, é assim que funciona? Então eu vou! Como a gente faz?

Marcaram um local de encontro onde Margareth apanharia Tânia. Antes de chegar ao local marcado, tentou com todas as forças e meios ignorar a ansiedade e certo receio pra onde estava indo. Afinal, não tinha amigos de verdade, não tivera propriamente namorados e agora estava ficando próxima demais de…. como dizer sem ofender? Não como a mãe, é óbvio, mas também sequer sabia como se tratavam, se é que havia algum modo especial, ou diferente. Estava sim, profundamente confusa por isso afastava os pensamentos relacionados e deixava-se levar naquele momento.

Não havia muitas pessoas no churrasco na casa de Luciene. Os pais e os irmãos dela estavam fora e o grupo de amigos estava pouco maior do que o do bar na noite anterior. Havia cerca de 15 pessoas, nem todas casais, mas Margareth observava os casais de homens e de mulheres de mãos dadas, abraçados, beijos carinhosos e não via nada do que a mãe sempre havia dito a respeito do gays. Na volta:

– Tânia, posso perguntar uma coisa boba?

– Nenhuma pergunta é boba, se ela aparece é porque há uma dúvida a ser sanada.

– Nossa! Então daqui pra frente farei as perguntas diretas a você.

– Ah, desculpe! Soou como grosseria o que eu disse?

– Não, imagina! Apenas me pareceu que eu nunca tinha percebido uma coisa tão óbvia e que a única coisa boba nisso é essa pergunta. Mas vamos à próxima. Como é isso de ser homo? Posso me referir assim a seus amigos? Desculpe… aos nossos amigos?

– Aos amigos a gente se refere da forma que cada um deles nos permite. Agora, como todos os que você encontrou hoje são homos sem problema chamá-los assim. Só não sei se poderei responder a contento essa pergunta.

– Por que? Você não é gay?

– Eu sou! Mas só posso responder por mim, por mais ninguém. Pessoas são indivíduos diferentes e como tal sentem diferente uns dos outros. A única diferença entre um homo e um hétero é seu interesse amoroso/sexual, no mais ambos são seres humanos complexos e únicos.

– Entendi. Todos têm seus problemas e suas soluções. Mais ou menos isso?

– Mais um do que o outro, dependendo do dia.

Riram e continuaram conversando pelo caminho até a casa em que Tânia residia.

– Então, é aqui que você mora?

– Ah é a casa de uma senhora camarada que aluga um quarto pra mim e não se importa com meus horários, desde que eu não a acorde quando esta dormindo.

– Pensei que morasse com tua família.

– Xiii, já faz…. me parece que séculos que não convivo com eles. Qualquer dia a gente conversa a respeito. Tchau, te cuida.

Margareth queria conversar mais, mas soube respeitar, não insistiu e foi pra casa.

– Ora, ora! Até que enfim se lembrou que tem casa!

– Eu, mãe? Eu só sai ontem à noite e fui almoçar fora hoje. Agora é … hum… 19:30, eu estou comportadinha em casa. Cadê Felipe?

– Não desconversa, não! Teu irmão é homem, mais velho e sabe se cuidar.

– Pois é, mãe, eu ainda não sei, porque você não deixou, mas agora resolvi aprender. Leu a revista que deixei na sua poltrona?

– Eu vi o tipo de reportagem que estava aberta, achei ridícula, fechei e a deixei na estante.

– Humpt! Será mesmo que eu imaginei que você leria e pensaria a respeito? Bobeira minha! Bom, mãe, me dá licença que vou pro banho. Cadê papai?

– Tinha ido jogar alguma coisa com uns amigos, já deve estar voltando.

Na segunda feira, chega cedo à facu e encontra os amigos. Espera ficar sozinha com Jonas para perguntar sobre Tânia.

– Jonas, eu soube que Tânia não mora com a família; você sabe o por quê?

– Quem te contou isso?

– Ela mesma.

– Então pergunta pra ela porque acabei de ficar sabendo.

– Sério?

– É. Ela não é o tipo que fala da vida pessoal nem dela nem dos outros.

– Este foi um dos motivos que te levou a conversar com ela sobre mim aquele dia?

– Além da inteligência e conhecimento das pessoas que ela tem, foi sim. Parece que ela lê as pessoas. Desculpe se te expus, se você não gostou, mas nela eu confio.

– Não precisa pedir desculpas não. Eu também confio.

– Maga! Cuidado!

– Com o quê?

– Ela é uma pessoa apaixonante e você não tem experiência de vida.

– Ah para com isso, Jonas! Nada a ver.

Agora o grupo, além dos “ois”, sempre que viam Tânia conversavam um pouco. Ela não tinha muito tempo disponível, mas sempre dava atenção aos que se aproximavam. Embora fosse considerada por eles a mais inteligente, não apresentava nenhuma altivez ou prepotência, aceitava quem discordava dela sem ofender, mesmo que isso provocasse uma discussão sem fim.

Na sexta feira, Geraldo esperou-a sozinho no escritório da casa, onde ela foi encontrá-lo depois que sua mãe saíra pro tão malfadado jantar.

– E aí, filhota? Não foi mesmo ao jantar pra “angariar fundos”?

– Ah, pai, sem gozação. Eu nunca consegui entender pra que esses eventos, elas gastam mais pra realizá-lo do que arrecadam! Finalmente consegui deixar de fazer algo que detesto só pra alegrar minha mãe.

– Ahhhh! Mas aparecem nas colunas sociais, filha.

– Então é por isso que não pegam o dinheiro e entregam para as instituições? Só para aparecerem?

– Pensou que fosse pra que, querida? Eu ajudo da forma que posso alguns locais que realmente fazem diferença e nunca precisei dessa parafernália toda. O máximo que apareço é com o nome da firma na camiseta do time de futebol dos funcionários.

– Ah, paizão! Isso eu entendo. O que você queria me dizer? A Mariana disse que você queria falar comigo aqui.

– E ainda quero. Tenho uma coisa pra você. Presente adiantado de aniversário.

– Mas já fiz aniversário este ano!

– É adiantado já para o ano que vem. Toma

Apanhou um chaveiro com três chaves e jogou para ela.

– PAI! É O QUE ESTOU PENSANDO?

– É, filha. Se continua querendo independência, já tem seu apartamento. Nada exagerado, dois quartos, mobiliado com bom gosto por uma amiga. Aqui está o endereço. Quando estiver caminhando sozinha você mora onde quiser, mas até lá eu acho que ele está ótimo. Só espero que você continue se comportando educadamente e que não me de motivos para perde a confiança em você.

Agarrou o pai num forte abraço, chorando e rindo ao mesmo tempo, beijando-o.

– Quando você começar a trabalhar, não terá mais mesada pra se sustentar, mas o apê é teu, já tá na escritura e o IPTU o escritório providencia o pagamento até lá.

– Ah, pai! Você é o melhor pai do mundo. Prometo não aprontar nada que te magoe. Eu conheço o endereço, vou até lá conhece-lo.

– Eu sei que não vai, filha. Vai mesmo? Mesmo que tua mãe seja contra, o que com certeza ela é?

– Vou, pai. Preciso crescer como pessoa, sem amarras, sem rédeas. Assim que mamãe chegar, eu a aviso. Será que já posso me mudar amanhã?

– Claro que pode, filha, é só pegar suas coisas pessoais, suas roupas e entrar na sua nova casa e começar uma nova vida.

– Muito obrigada mesmo, meu velho. Vou começar a empacotar tudo, assim que voltar de lá, depois de conhecer meu cantinho. Até mais.

Vai verificar o apartamento e fica encantada. Seu canto finalmente, um lugar para se isolar sem interferências quando quiser. Lá pelas onze da noite está de volta. O telefone toca. Atende eufórica.

– Aloooo!

– Nossa! Alô, quase não ligo com medo de te acordar, agora nem vou perguntar se está tudo bem.

– Está tudo ótimo! Grandes mudanças à vista.

– Sério? Isso é bom, mudança é sempre um desafio, mas isso é que torna a vida interessante. Conta direito essa grande novidade.

– Meu pai me deu um apartamento pra morar. Eu havia pedido e ele acabou de me dar esse presentão. To começando a arrumar minhas coisas pra começar a mudar amanhã mesmo.

– Precisa de ajuda? Posso te dar uma força amanhã. Liguei pra perguntar se tinha algum programa e se queria ir a um bar pra curtir um grupo de samba, mas to vendo que teu programa é mais urgente.

– Quero, sim. Posso te apanhar na sua casa por volta das 10:00?

– Ta, vou estar te esperando.

Não sabia bem porque tinha dito sim, não pretendia ainda levar ninguém antes de deixar todas as coisas no lugar, arrumadinho, mas sentia-se bem por ela ser a primeira em sua nova casa.

Na manhã seguinte começou a mudança. Tinha consciência de que não seria só uma mudança de ambiente, mas de conhecimento de suas capacidades em enfrentar a solidão, em resolver seus problemas, em saber como a vida realmente é e o que ela faria com ela. A mãe chegara bem tarde quando ela já estava dormindo e não a viu. Dez horas, hora de enfrentar a fera. Seu primeiro ato de coragem frente à vida, frente às suas escolhas. Seus pais tomavam o café da manhã.

– Bom dia pai, bom dia mãe, bom dia, Mariana.

– Bom dia.

– Como foi o jantar, mãe?

– Foi ótimo, teria sido melhor se você tivesse ido. Vários rapazes perguntaram por você.

– Ah, claro! Aqueles rapazes chatos que acham que são o que têm no bolso e na conta bancaria.

– Ora! O que vem a ser isso agora? Tá renegando seus amigos, é?

– Mãe! Eles nunca foram meus amigos, você nem conhece nenhum dos meus amigos.

– Pois traga-os aqui pra que eu possa conhecê-los.

– De vista uns dois você já deve conhecer sim, mas quando uso essa palavra to querendo dizer mais do que olhar na cara. Estou me referindo a saber deles como pessoas, de seus interesses, de seus sonhos.

– Isso não é importante a não ser para a própria pessoa, filha!

– Você me ensinou isso, mãe, mas descobri que tenho uns poucos, alias, três amigos que não sei como me aguentavam. E mais uma que, em poucos dias, me ensinou mais sobre o mundo do que eu tinha ouvido em 23 anos.

– Como? Quem é essa amiga? Deve ser dessas idiotas que falam demais por não terem condições econômicas e ficam atacando quem tem certo status.

– Tá bom, mãe. Vou tomar café, colocar umas coisas no carro e levar pra minha casa.

– COMO É QUE É?

– Bom dia, família. Que gritaria é essa? Não sabe que não é “educado” gritar, mãe?

– Oi, Felipe! Já de pé tão cedo num sábado?

– Eu e papai temos que tratar de negócios, maninha. Mas o que está acontecendo com dona Claudia?

– TUA IRMÃ QUER SAIR DE CASA! ONDE JÁ SE VIU?

– Ah em muitos lugares, mãe! O meu apê já terminou a reforma, amanhã paro de te incomodar com minha… como é mesmo?….. displicência filial. Parabéns maninha!

– PARABÉNS NADA! AGORA OS DOIS VÃO ESTAR FORA DE CASA? O QUE VOU DIZER ÀS MINHAS AMIGAS? QUE TIPO DE MÃE VÃO DIZER QUE SOU?

– Que tal não dizer nada “às suas amigas” mãe, afinal elas não têm nada com isso. Ou então diz pra elas pararem de tratar os filhos delas como bebês que nunca crescem e ficam sugando indefinidamente seus bolsos.

– Ou pra que prestem atenção no que andam fazendo fora de casa, quando elas não estão vendo e pararem de olhar as vidas dos filhos dos outros.

– Gostei de ver, maninha!

Dona Claudia estava vermelha de raiva e parecia que não encontrava palavras para expressar o que sentia ouvindo seus filhos.

– Geraldo, você não vai dizer nada?

– Já está pronto mesmo, Felipe? Ficou boa a modificação que você queria, saiu do jeito que você pensava?

– NÃO ACREDITO!

– Saiu sim, pai, passa lá depois pra ver. Tá uma beleza, acho que Luana vai gostar.

– Você ainda tá com aquela…. moça?

– Ela é a mulher que eu amo, mãe, mesmo você não gostando dela se eu resolver ter filhos é com ela que vou querer.

– Meu Deus! O que está acontecendo com esta família?

– Nada demais, minha velha. Nossos filhos cresceram, são adultos e estão começando a bater as asas por conta própria.

– Já te disse mais de mil vezes para não me chamar de MINHA VELHA. Estamos perdendo nossos filhos e você ainda os apoia!

– Claudia, quem você acha que deu o apartamento pra minha princesinha? E como fiz com Felipe, quando ela se formar o máximo que farei é ajudá-la a arrumar trabalho. Depois só terá meu apoio financeiro em caso de extrema necessidade, pra dar o devido valor ao esforço e trabalho alheio e não fazer como umas e outras que conheço.

– Bom, já que estão todos informados, já passa das nove vou terminar de me arrumar, colocar mais umas coisas no carro e ainda tenho que encontrar uma amiga antes de ir para casa. Até mais tarde, pessoal.

– Eu ajudo você a descer as coisas para o carro, maninha. Já volto, pai.

Os dois saíram e Geraldo calmamente se dispôs a ouvir Claudia e suas lamuriações pela “ingratidão dos filhos” e traição dele.

Com a ajuda de Felipe, seu carro ficou lotado, só ficando mesmo os bancos da frente disponíveis pra deixar lugar para Tânia.

– Meu Deus! Quanto tempo você gastou pra carregar teu carro deste jeito?

– Ah eu tive ajuda! Mesmo assim, ainda terei que fazer mais umas duas viagens pra trazer livros, cds, dvds, além de mais algumas roupas.

– Pois eu quando tiver que me mudar é só encher uma mala com roupas, mais um caminhão de cds, dvds e livros.

– Aha! Tá vendo?

Chegaram ao local, descarregaram tudo espalhando pela sala e dali começaram a organizar. Cerca de três horas depois, já estavam prontas pra buscar mais um “carregamento”.

– Oi, filha, e aí gostaram do que viram?

– Ta tudo ótimo sim, pai, mais tarde quero conhecer e agradecer tua amiga que montou o apê pra mim, ficou uma graça, não é, Tânia?

– É sim. Boa tarde, senhor.

– Iiiii me desculpem. Pai, esta é Tânia, Tânia, este é meu paizão.

– Esta é aquela amiga que você comentou com tua mãe.

– É sim, pai – respondeu, roxa de vergonha, – viemos pra pegar mais coisas pra levar pro meu novo canto.

– Você vai fazer algo amanhã, filha?

– Pretendia só almoçar com amigos, pai, mas ainda não combinamos nada.

– É que eu gostaria muito de te apresentar umas pessoas e se você concordar a gente vai almoçar com eles. Tenho certeza que você vai gostar.

– Claro, pai, se é importante pra você, eu vou sim.

– É muito importante pra mim, filha. E como essa é tua amiga especial, por favor, venha junto. Será bom ter alguém conhecido ao lado dela. Você pode nos acompanhar amanhã às … onze?

– Bom… acho que… Maga?

– Eu gostaria, Tânia, se você não se importar.

– Então tudo bem, eu posso sim, senhor.

– Mas, pai, que mistério é esse? Pra onde nós vamos?

– Amanhã, menina, agora termina tua mudança.

Depois de carregarem o carro até onde era possível com segurança, pararam pra almoçar em um restaurante próximo à nova residência e continuaram até deixar tudo pronto. Quando acabaram já era 21:00 horas.

– Nossa! Acabei com teu sábado.

– Tudo bem, amigos são pra essas coisas também.

– Que tal uma pizza, eu estou com fome.

Após comerem a pizza encomendada, despediram-se, marcando os detalhes para o dia seguinte.

Encontraram com Geraldo em sua casa e foram no carro dele até um bairro na periferia. Era um lugar calmo, sem luxo, mas limpo. Uma casa modesta, não muito grande, mas maior que a maioria da rua. Parecia aconchegante.

Ele tocou a campainha e aguardaram. Uma senhora simpática, com um ar de quem sofrera na vida, mas não desistira abriu a porta. Abraçou-o com carinho.

– Geraldo, meu filho! Que bom te ver! Como você está? E a família?

 – Tudo bem, dona Ester. Trouxe alguém pra conhecê-la. Filhota, esta é tua avó.

– Hein? Minha avó? Mas tua mãe não morreu, papai?

– A minha, sim, filha; da tua mãe, não.

A senhora olhava para ela com lágrimas nos olhos e um olhar pra lá de carinhoso e bondoso, ela não resistiu e se atirou nos braços da avó, deixando as explicações para mais tarde. Tânia pensou em se afastar, mas Geraldo colocou o braço em seu ombro como procurando apoio. Ela abraçou-o pela cintura e entrou junto com os demais na casa. Depois de afagos, avó e neta se separaram e a senhora sentou numa poltrona na sala. Todos se sentaram e aguardaram  a emoção se acalmar.

– Dona Ester, esta é uma amiga querida de Margareth, Tânia, que eu pedi para nos acompanhar e espero que a senhora não se importe.

– Claro que não, meu filho! Hoje você me deu um presente inesquecível. Isto quer dizer que as garras de Claudia não a prendem mais?

– O que isso quer dizer?

– Teu irmão tinha 11 anos quando o trouxe pra conhecer dona Ester, e eu disse a ela que infelizmente você ainda não estava pronta porque tua mãe não dava espaço. Prometi que assim que você conseguisse se livrar das garras dela, eu a traria para conhecê-la.

– Mas, pai, como é que pode minha avó estar viva e eu não conhecê-la, nem saber disso? Minha mãe é tão fresca, tão chata com esse negócio de “amor filial” e não tem contato com a mãe dela?

– Lembra que toda vez que ela vem com aquele papo de ricaça, eu digo que ela esqueceu nossas origens? Você sabe que minha mãe, infelizmente faleceu cedo, meu pai trabalhou demais e assim que eu pude já fui com ele dar um duro tremendo. Quando ele faleceu, tudo o que tínhamos conseguido ficou pra mim e eu continuei lutando até chegar onde cheguei. Conheci Claudia na escola pública. Dona Ester trabalhava como doméstica pra criar a ela e mais três filhos. Claudia sempre renegou a pobreza e, até hoje, não sei se casou comigo por amor ou por achar que eu iria progredir na vida. – Suspirou fundo. – Quando vocês eram pequenos; você de colo, ainda estava longe de sermos a firma que somos hoje, mas ela já começou a se envolver com pessoas acima de nosso nível social e esqueceu a família que tinha.

– Seu pai foi quem sempre nos acolheu, filha. Meus filhos hoje estão formados, casados, sempre estão por aqui nesta casa que seu pai me deu. Ele ligou dizendo que viria almoçar comigo, mas não me avisou que traria você. Daqui a pouco você vai conhecer o restante da família. Felipe vem também, Geraldo?

– Não sei, dona Ester. Sabe como ele é.

– Então é aqui que você vem quando desaparece de casa, quando diz que está jogando com amigos?

– Tenho outra coisa pra confessar, filha. Não sei como dizer isso, mas você sabe que… bom… eu e sua mãe há tempos sequer dormimos no mesmo quarto.

– Ah, pai! Disso eu sei, mas não vá me dizer que você tem outra família também.

– Pra dizer a verdade eu… tenho outra mulher, minha filha. Quando eu pedi o divórcio pra tua mãe ela negou, inventou um monte de desculpas, me deu carta branca pra fazer o que eu quisesse na vida, desde que “suas amigas” não soubessem que estávamos separados. Alegou que daria um jeito de tirar vocês de mim, impedir que eu os visse com frequência de qualquer forma. Temia não poder participar de suas vidas tanto quanto eu queria e principalmente não podia deixá-los sozinhos à mercê dela. Você tinha quatro anos na época. Dois anos depois encontrei alguém que me fez muito bem e acabamos por nos envolver e estamos juntos até hoje, mesmo eu disponibilizando o máximo possível do meu tempo pros meus filhos. Ela diz que esse é um dos motivos pelos quais ela me ama.

– Eu a conheço, pai?

– Conhece sim, filha. As vezes que saíamos eu, você e Felipe e uma amiga nos acompanhava. A pessoa que montou teu apartamento porque conhecia seu gosto bem melhor que sua mãe. Chegou a viajar conosco, enquanto Claudia tinha compromissos com seu grupo para ajudar “o social” nas suas férias escolares.

– Tia Lídia! A sempre presente, .. e abnegada … e amorosa. Deus do céu!

– Desculpe, filha! Eu não ia te contar essa parte hoje, mas de repente surgiu quase sem querer. É que ela vai aparecer aqui. Eu vou esperá-la lá fora e pedir que não entre, tá bom?

Margareth olhou pra Tânia que ouvia a tudo sem se pronunciar e ela balançou negativamente a cabeça. Sem pensar atendeu ao pedido silencioso.

– Não, pai! Não precisa, não vou destratá-la agora por saber que vocês se amam.

– Obrigada, filha, a gente não se demora aqui e você fica à vontade com sua avó e seus tios e primos pra se conhecerem melhor. Não vamos nos impor, não.

– Pai, que tipo de pessoa cede a ponto de viver assim com alguém que mora em outra casa, que tem filhos que ela cuida, sem exigir nada em troca?

– Alguém que ama de verdade, filha. Quando a gente ama verdadeiramente alguém, procura entender o que cerca esse alguém e não se transforma em mais um problema, mas ajuda em soluções. A nossa solução era estarmos com vocês porque tua mãe raramente estava, a não ser nos eventos sociais. Quando não estou com vocês ou no trabalho, me dedico totalmente a ela, me entrego, concedo e somos felizes. Agora que vocês estão bem, finalmente vou assinar os papéis do divórcio que tenho pronto na gaveta há tempos, esperando esse momento. A partir da semana que vem tua mãe vai ficar só naquela casa, filha.

– Pai, será que ela vai suportar?

– Esse foi um dos motivos que pedi o apoio de Tânia. Alguém tem que saber dos fatos pra te dar uma força quando Cláudia começar a te chantagear de todas as formas pra voltar praquela casa. Ela sabe que com teu irmão não tem chance, mas com certeza vai infernizar você. Não se deixe levar filha, seja forte.

– Nossa, que dia!

– Quer deixar pra conhecer o pessoal outro dia, filha?

Olha pra Tânia ela lhe sorri de volta mantendo um olhar caloroso e reconfortante.

– Não, pai. Já que começamos, vamos até o fim.

O primeiro a chegar é Felipe que age como velho conhecido na casa da avó. Depois chega o tio, – sua mãe é a mais velha dos quatro, – que é o segundo filho, coincidentemente jornalista, sua mulher e dois filhos. A seguir, a tia mais nova, professora universitária, viúva e uma filha. Todos a acolhem bem e fica sabendo que nenhum procura mais por Claudia por ter sido enxotado quando o fizera. A mágoa que já sentia da mãe naquele dia cresce como nunca imaginou que sentiria uma emoção tão forte assim por alguém. Mas ao mesmo tempo sente o amor e carinho reinante ali e principalmente o respeito que tem aquela família. Então Lídia chega.

A princípio, não sabe bem como se portar, Lídia a olha com o mesmo carinho de quando era criança e passeavam por vários locais que nem se lembrava mais, mas que naquele momento olhando-a nos olhos, em sua cabeça vai passando um filme de risos, abraços, cuidados que não sentiu de sua mãe. Seus olhos estão úmidos, a emoção toma conta dela novamente. Aquele dia estava sendo um vulcão em erupção para o seu coração. Ali, descobriu naquele momento, havia sido além de seu pai, seu porto seguro por tantas vezes. Por problemas com a mãe, chorara naquele colo, por problemas na escola ali encontrara consolo e apoio, como poderia ao saber da relação com o pai mudar o que sentira a vida toda por aquela mulher!

Então, mais uma vez aninhou-se naqueles braços e chorou. Chorou pela dor que mais uma vez a mãe lhe causara por atitudes mesquinhas; chorou pela felicidade sentida ao conhecer a família e se sentir bem-vinda; chorou pelo pai que tinha que, por amor a seus filhos, aguentara mais do que ela era capaz de imaginar; chorou porque descobriu que essa pessoa era a mãe que ela gostaria de ter.

Ao deixar aquele abraço gentil e amoroso que conhecia desde há muito tempo, sentia-se outra pessoa. Sentia-se com mais força para encarar a vida, sentia mais o amor do pai e do irmão. Sentia que agora tinha realmente e de fato uma “grande” família e ao passar os olhos nas pessoas que estavam ali, sentia também que tinha uma amiga muitíssimo especial.

Tânia estava emocionada, mas não sabia como agir. Estava feliz por Margareth, pelas emoções que se percebia no ar, mas não eram suas. Margareth encarara bem os acontecimentos, não sabia o que o senhor Geraldo pensara para pedir a presença dela, no entanto, ele novamente havia se apoiado em seu ombro. Ambos choravam mansamente.

O almoço saiu bem tarde naquele domingo, no entanto, nunca naquela casa, naquela família, houvera um almoço com tantos risos, tanta felicidade. Deu o novo endereço a todos, fazia questão de estreitar os laços com eles. Partiram já de noite, passaram pela casa do pai para apanhar o carro. Despediram-se dele e Margareth foi levar Tânia para casa.

– Confesso que estou eufórica, acho que vai ser difícil pra conseguir dormir esta noite.

– Quer conversar mais um pouco? Podemos ir a algum lugar, se quiser.

– Hummm… posso te pedir pra apanhar tuas coisas pra dormir e para amanhã e te convidar pra dormir em casa? Assim quando você se cansar de me ouvir manda eu calar a boca e dorme. Que tal?

– Sério? Seus amigos ainda nem conhecem, aliás, nem sabem que você se mudou e quer que eu durma lá? Ninguém vai ficar enciumado?

 – Mas você é minha amiga também!  E não há porque ninguém ficar enciumado, durante a semana com certeza eles vão conhecer minha casinha. Ahhhh! Eu a adoro! TO ADORANDO TUDO HOJE!

– Percebi. Tá bom. Espera só um pouco que vou pegar umas coisas em casa e já venho pra ficar com você.

À noite, Margareth falou até tarde e teve toda compreensão de Tânia em ouvi-la até dormirem vencidas pelo cansaço.

Durante a semana, a turma soube da mudança, foi conhecer o apê, já apareceram planos comemorações e de festas aos montes, mas Margareth cortou “o barato”. Além do jantar que queria oferecer ao grupo na quarta, não pretendia dividi-lo com muita gente não. Para curtir poderia sair com os amigos sem hora pra voltar já que não teria mais ninguém controlando seus horários.

A semana transcorreu normalmente, a não ser pelas ligações da mãe, pedindo, acusando, reclamando, ameaçando e finalmente implorando para que voltasse. O pai dera entrada mesmo com a papelada do divórcio e saíra da casa já na terça feira, o que a mãe não estava aceitando bem. A saída dela e do pai ao mesmo tempo. O que iriam dizer “as amigas”? Como havia já previsto o pai ela tentava de tudo para fazê-la voltar, mas estava aguentando bem, principalmente por saber o que a mãe fizera com a família e a futilidade com que encarava a vida, contar com o apoio de muitas pessoas que eram da sua família e … havia Tânia, além dos amigos mais antigos.

Conversavam todos os dias nem que fosse pouco, haviam se tornado quase inseparáveis. Não contara aos amigos sobre a família, o que a mãe fizera, a separação dos pais. Somente com Tânia falava sobre isso.

Com o tempo, a mãe foi espaçando os telefonemas e aparecendo mais na coluna social, agora era uma mulher que podia dispor de 24 horas por dia para se promover socialmente.

Cerca de dois meses depois da enchente de emoções, Margareth resolveu que era hora de saber um pouco mais sobre Tânia. Em uma sexta, ao invés de sair com o pessoal que ia viajar, convidou-a para jantar.

– Tânia, posso te perguntar algo pessoal?

– Claro, nem precisa perguntar se pode, somos amigas, oras!

– Há algum tempo já, pra dizer a verdade desde que te conheço, quero saber sobre você. Por que não vive com teus pais, não fala sobre tua família? Você é uma pessoa doce, sincera e não entendo o motivo de estar morando na casa de alguém praticamente desconhecida.

– Dona Julia é uma velha conhecida da minha avó, já.

– Você entendeu o que eu quis dizer.

– Entendi, sim, Ma, pra dizer a verdade minha família me expulsou de casa.

– Como é? Como teus pais expulsaram alguém como você? Alguém tão especial?

– Obrigada pelo especial, mas não sou tão especial assim, ainda mais pra eles. Tudo ia muito bem até eu me apaixonar por uma menina. Tínhamos ambas dezesseis, estudávamos na mesma escola, amigas desde os doze e nos descobrimos apaixonadas. Eu com minha franqueza habitual de não parar pra pensar antes de falar as coisas, no dia que minha mãe perguntou se eu não estava namorando como a maioria das garotas da minha idade e passou aquele sermão costumeiro de mães preocupadas com filhas transando, engravidando e outras coisas, eu disse que não teria esses problemas, pois fazia amor com uma mulher e não com homem. Ainda bem que não disse o nome de Elisa. Foi um auê de primeira e eu não entendia bem o por que do alvoroço todo. Nunca tinha parado pra pensar nesse negócio de hétero, homo, era algo que não me preocupava em absoluto e quando aconteceu de me interessar romanticamente por alguém e esse alguém ser uma mulher, achei a coisa mais natural do mundo.

– Nossa, que doideira!

– Pois é! Ai quiseram saber quem era “a sem vergonha, a desclassificada” e mais um monte de adjetivos que tinha me levado pra esse caminho doentio, desprezível, etc., eu já estava assustada e me calei. Me proibiriam de respirar se pudessem dali por diante. Eu disse que era assim que me sentia e quando atingisse a maioridade sairia de casa, pronto, foi a gota d’água. Ou eu continuava a fazer o que me mandavam, ou podia sumir das vistas deles. Foi o que fiz. Dona Julia estava de mudança pra Campinas e aceitou que eu a acompanhasse. Desde então tenho trabalhado da forma que consigo, estudei muito, consegui bolsa integral e termino este ano a faculdade. Como tenho prestado vários serviços em muitos lugares que estagiei e outros que conheci através desses estágios, já tenho proposta para trabalho fixo assim que pegar a ultima nota. Graças a Deus.

– É uma vida dolorida, não é? Por que as pessoas têm tanto preconceito?

– Você nunca teve?

– Minha mãe tem e eu a imitava sem ter ideias próprias, até que percebi que aquelas não eram minhas ideias e comecei a olhar o mundo com a mente mais aberta e ter meus pensamentos, minhas opiniões. Estou aprendendo e sei que tenho atraso nessa aprendizagem, mas estou me esforçando em para, pelo menos, ver com meus próprios olhos, ou pensar pela minha cabeça a respeito das coisas.

– Já é o que muita gente poderia fazer e não faz. Um sábio chinês disse “A vida é como uma folha em branco. As ações são como a caneta. Cabe a cada um compor a sua poesia. ” (Chao Lung Wen).

– Profundo isso!

Margareth sentia-se a cada dia mais próxima de Tânia, mais saudosa quando distante e lembrou-se da advertência de Jonas. Deveria temer? Antes temia tudo na vida e seguia fielmente a cabeça e orientações da mãe. Agora era uma adulta e não queria temer mais nada.

Um dia, ao chegar à faculdade, vê um grupo já costumeiro falando acaloradamente. Pensa ser sobre política ou futebol pela empolgação e não se surpreende quando ao se aproximar, Tânia estar no centro da conversa.

– Que é isso, Marcelo!? Esse negócio da figura demoníaca é coisa da instituição católica. Deuses, demônios, anjos, Budas, são energias. Antigamente seres com chifres indicava o místico neles, antenas para comunicação divina, celeste, algo assim. Não estou falando de gado ou outros animais comuns com chifres, mas de seres mitológicos. Depois com o cristianismo e a instalação da instituição Igreja, é que começou a culpa, castigo e na mistura de seres do imaginário popular e para amedrontar, o clero da época criou “esses demônios.”

– Que nada! Você tá forçando a barra, Tânia. Só porque não é católica, gosta de jogar a culpa de tudo, de todas as desgraças do mundo nas costas da Igreja.

– Não, de tudo, não! Só da manutenção da ignorância, a imposição da barreira com a magia, com a natureza e a “aceitação” da subserviência total, sem questionamentos, colocando lei igual à justiça.

– Ah, não! Você está radicalizando! Todos nós temos o livre arbítrio pra podermos escolher nossos caminhos. Ninguém foi obrigado a seguir o que a religião prega.

– Imagina! Marcelo, que história você anda estudando?

As pessoas em volta dão opiniões, mas os principais “contendores” são mesmo Marcelo e Tânia. Margareth sorri, ouvindo apenas. Hora de aula e o grupo vai se dispersando continuando a emitir opiniões.

– Oi, Tânia! Por que toda essa discussão?

– Ah isso é normal. Estamos sempre discutindo sobre alguma coisa. Esse grupo só muda os assuntos e os “debatedores” a cada dia, mas acho que não podemos passar em brancas nuvens sem um bom empate coloquial. Virou hábito já.

– Não sabia que se interessava tanto por religião.

– Gosto é de história e religião, acho eu, é uma parte dela.

– Usam errado as palavras?

– O que tem de errado nas palavras é o emprego delas. Elas em si são todas pacíficas, mas coloque-as de determinada forma em uma frase e junte a eloquência que vai poder arrastar multidões em certa direção.

– É, isso é um fato incontestável!

Naquela noite, Margareth volta a visitar um dos sites aos quais se habituara. Fazia isso sempre que não conseguia por algum motivo estar em companhia de Tânia. Lá encontra uma outra poesia que lhe chama sobremaneira a atenção.

Capítulo 2: Fascínio
(por Luka , adicionado em 24 de Agosto de 2008)



No azul estrelado do céu em tons cobreados

busco-te em meio às nuvens no infinito do dia.

Nas flores espalhadas, alinhadas em tons variados

avisto seus olhos no horizonte.



Encontro-te finalmente em meio a pensamentos,

inserida nos momentos guardados dentro de mim.

E és tão bela que as palavras somem

e em meio às flores te acho e faço nosso jardim.



Diante de ti o sorriso nasce fácil

igual uma manhã que chega de mansinho.

Com as flores desarrumadas aos seus pés

faço um caminho e completamente encantada

rendo-me ao seu fascínio…


Não entende ainda porque aquilo a toca profundamente. Dentro do peito algo acontece e vem um desejo de chorar, mas não é por dor e tristeza, é por algo que a desconcerta, por uma certa…. saudade.

Era isso? Fascínio é o que sentia por … Tânia? Como encarar aquilo que seu organismo todo queria e sua mente ainda tentava entender? Já estava sem entender seus sentimentos há algum tempo. Ligou para ver se tinha alguém em casa e depois de confirmado, dirigiu-se pra lá pra conversar sobre emoções. Alguém confiável e que sabia que a amava e não a julgaria, mas se disporia a ouvi-la.

A porta foi aberta, entrou e foi calorosamente abraçada.

– Oi, minha querida!

– Oi, Lídia! Desculpe se a incomodo, mas estou precisando ter uma conversa séria, com alguém adulto que não seja meu pai.

– Por que não poderia ser ele?

– Ficaria constrangida. É assunto de mulher, acho.

– Já jantou?

– Ainda não, mas não se preocupe, depois faço isso.

– Nada disso! Teu pai não vem agora pra cá, viajou à tarde pro Rio a negócios e só volta depois de amanhã, portanto, temos muito tempo pra você falar tudo o que quiser comigo. Isso quer dizer que temos tempo pra um jantar decente, o que não a impede de falar, não é?

– Ta bom, você venceu, estou mesmo com a fome começando.

Sabia que poderia até dormir ali, então se sentou e aproveitou o papo ameno do jantar e após terminarem, sentaram-se frente a frente e começou a falar do motivo que a levara até lá.

– Lídia, como você soube que amava meu pai?

– Ahhh é sobre esse tipo de coisa o assunto?! A gente não sabe, a gente sente e não tem como não seguir esse sentimento.

– Como é isso? A gente não sabe?

– Não, a princípio a gente sente coisas e quando chega a tomar conhecimento do que seja o sentimento chamado amor já está instalado definitivamente.

– E como é esse sentir?

– Hummm parece que tem alguém apaixonada por aqui! Quando você não puder evitar pensar com carinho na pessoa, mesmo se brigou com ela e está com raiva, tem o carinho e uma vontade involuntária de sorrir quando seu rosto se estampa no teu pensamento. Quando tudo o que você quer é estar ao lado dessa pessoa. Se pensar em “ir pra cama” –  fez com os dedos o sinal de aspas – é com esse alguém que queria ir, nem sempre pra sexo tá, to dizendo em todos os sentidos, por isso essas aspas.

– Essas coisas não se sente por amigos também?

– Não com a mesma intensidade. É um sentimento bem diferente. Por amigos, se a gente receber uma desculpa por não poder estar junto naquele momento, a gente normalmente releva e pronto, mas “aquela pessoa”, dóóóiiii. Ela nos causa ansiedade na espera por um telefonema, só pra ouvir a voz, ou na espera pela presença, só pra ver aqueles olhos te olhando. Pra resumir, você parece boba, mas é uma bobeira gostosa. Você faz concessões que nunca imaginou fazer, só pra ver um sorriso de felicidade ou de agradecimento. E se chegar às comparações com outras pessoas, pode parar, vão sempre perder por algum motivozinho ou outro.

Margareth abaixou a cabeça olhando para as mãos e pensando, ou melhor, deixando as palavras ouvidas ressoarem pelo cérebro. Sabia que eram aquelas emoções que andava sentindo e não sabia como lidar. Estava começando a saber o que já sentia. Olhou para Lídia.

– Sabe, outro dia estava vendo um episódio de uma série de TV chamada “Criminal Minds” e um escritor … um cara que fazia HQ, depois de um assalto em que a noiva grávida foi estuprada e morta e mesmo ele quase morreu, se tornou psicótico, extremamente violento. Matou a gangue que a matara e tudo que ele tinha era a voz dela no celular, o recado da caixa de mensagens. Era o que o fazia prosseguir e sobreviver. Um amor quase insano. – Voltou a olhar as mãos.

– E… é um amor assim que você quer pra você?

– Não sei, Lídia! – Suspirou profundamente. Talvez a forma de entrega, total sabe. Foi isso que senti na relação dele com ela. Uma entrega profunda, um sentimento enorme.

– Sei! Desses que começam a crescer no centro do peito e nos inunda por inteiro quando olhamos pra uma determinada pessoa. Conheço alguém que te faz sentir assim?

– Eu não sei se eu conheço! Estou confusa por achar que conhecemos sim, mas ainda preciso de mais tempo. Acho que quando amar alguém tem que ser pra … sempre é muito tempo?

– Se for uma porcaria de relação uma semana pode ser muito tempo, Margareth. Se for morna resistirá por algum tempo, mas se for verdadeiramente amor mútuo, hum hum, nunca será tempo suficiente.  Já beijou essa pessoa?

– Não. Nem sei se sei beijar!

– Quer beijá-la?

– Quero e muito. Não sei quando começou esse querer, mas sei que quero.

– E qual é o grande medo? É casado?

Olhou fixamente nos olhos de Lídia e viu algo que …

– Você sabe de algo que eu não sei, Lídia?

– Talvez.

– Pode me contar?

– Não. Vou esperar você se resolver e você vir nos contar.

– E isso que não pode me contar, já conversou com meu velho?

– Não, é coisa tua, então só você tem o direito de dizer.

 Olharam-se sorrindo e, mais uma vez Margareth se perguntou por que seu pai não se casara com esta mulher e ela não era sua mãe.

Como no sábado os amigos, pra variar, estavam fora e ela não fora porque … porque….não queria ir sem Tânia e ela estava trabalhando pela manhã, resolveu se certificar de uma coisa. Ligou para Tânia convidando-a para almoçar. Ela pareceu relutante, mas acabou aceitando.

– Oi, Tânia!

– Oi, bruxinha!

– Bruxinha por que?

– Conseguiu magicamente me fazer vir aqui, não foi?

– Não foi magia, foi oratória. E por falar nisso, por que não queria vir? Pensando bem, acho que anda tentando me evitar ultimamente!

– Tenho sim tentado ficar mais a distância de você. Não sei se percebeu, mas já começaram alguns comentários e não quero teu nome associado ao meu.

– Que espécie de comentários e de quem?

– Algumas pessoas na facu, eu nunca escondi minha condição sexual e como você tem andado comigo… um pouco mais do que com outros amigos.

– Foi-se a época que me preocuparia muito com esse tipo de comentário. Na realidade, eu pedi pra você vir aqui hoje, porque preciso saber uma coisa e você pode me ajudar.

– É mesmo? E o que seria?

– Você conhece bem minha vida, sabe o quanto fui podada e agora tem uma coisa que eu quero demais fazer, mas acho que não aprendi. Posso contar com você pra aprender, já que você me ajudou e ensinou tanto?

– Claro, se eu puder te ensinar. É algo que eu sei mesmo?

– Acho que sim.

– E não vai me dizer o que é? Como vou te ensinar se não me diz logo o que é?

– Sabe, Tânia, acho que estou apaixonada por alguém e gostaria muito, mas muito mesmo de beijar esse alguém.

Olhava-a nos olhos e percebeu a leve mudança que tais palavras provocaram. Tânia se segurou ao máximo pra não deixar as lágrimas rolarem. Levou um tempo pra se controlar e responder:

– Bom pra você, Ma. Eu conheço?

– Ahhh conhece sim. Então você me ensina?

– Acho melhor você procurar outra pessoa pra isso, não sou a melhor pra te ensinar. Por que não pede pra um dos meninos, Jonas, ou Ronaldo, talvez até mesmo o Marcão.

– Preciso que seja você, não há ninguém em quem eu confie mais.

Observava-a e, pela primeira vez desde que a conhecera, via-a sem jeito, sem ter o que dizer e pareceu-lhe…. magoada. Quase disse o que sentia, o quanto era ruim vê-la assim, mas não podia não antes de…

Parou o que estava fazendo para terminar de preparar a mesa para almoçarem. Tânia estava encostada na estante olhando para o chão. Aproximou-se, colou seu corpo no dela para que não saísse dali, segurou seu rosto com as duas mãos, ficando com o rosto a um centímetro do de uma assustada Tânia, olhos fixos nos dela.

– Me ensina! Agora!

Tânia não conseguia se mexer, suas pernas estavam bambas e seus braços inconscientemente abraçaram Margareth. O beijo veio manso, amável, a princípio, adquirindo a fome de um glutão, o fogo de um vulcão, o envolvimento de uma serpente. Duradouro? Um flash? Separam os lábios, continuaram respirando quase dentro da boca uma da outra. A respiração acelerada, o corpo queimando e gritando por mais que um beijo.

– Deixa eu ir, Ma, antes que seja tarde demais.

– Não! Por favor, me ensina.

– Não creio que precise aprender a beijar.

– Me ensina mais, me ensina como é ser mulher de fato.

– Não posso.

– Não pode ou não quer?

– Não devo!

– Estou implorando.

Margareth apossou-se da boca de Tânia com sofreguidão, com sofrimento, com dor, com desejo, com amor, com vida e com seus novos sonhos. Tânia não tinha como recuar. Como fugir de algo que queria mais que tudo. Esteve evitando Margareth para tentar esquecer seus sentimentos, precisava ficar longe, mas ela não deixava brecha para a fuga. Devia ter ido há mais tempo, agora era tarde demais.

Tânia foi puxada, quase arrastada, mas não precisava de força para levá-la, estava entregue ao momento, à paixão. Desabaram em uma cadeira e continuaram a se beijar, as mãos correndo corpos, tocando peles. Palavras ininteligíveis, roupas arrancadas, tentaram sair da cadeira e acabaram caindo no chão onde se enrolavam como cobras no cio. Não sabiam como fizeram e não poderiam explicar depois como conseguiram ficar sem nenhuma peça de roupa em seus corpos, sem, no entanto, terem se soltado.

 A fricção de peles queimando, sexos se tocando, lábios percorrendo montes, planícies e cavernas. A boca quente de Tânia tocou delicadamente uma vez o sexo de Margareth e ela sem querer gemeu alto, mais uma vez com mais intensidade e ela tornou a gemer. Então foi abocanhado com ânsia, com gosto, com vontade, ouviu-se gritando e seu corpo quis se mexer. Seguiu o impulso, não estava mais pensando desde o primeiro beijo, agora sentia e sabia que queria mais e mais. Arranhava e puxava Tânia para si. Queria-a na boca, no corpo, no sexo, parecia que queria muitas Tânias naquele instante, desde que fosse a mesma.

Tânia sugava e lambia seu sexo, virou-se para descer a língua e ela viu a bunda quase sobre seu rosto. Agarrou-a fazendo baixar um pouco e pela primeira vez na vida colocou a boca em alguém daquela forma. Tinha vontade de enfiar a cara naquele lugar, naquelas fendas. Apenas mexia o rosto, a boca, a língua das formas que davam vontade e nem percebeu que também mordia e deixava marcas na bunda que tinha nas mãos.

De repente, não tinha a mínima ideia depois de quanto tempo, Tânia saiu daquela posição, virou-se novamente, seu rosto aproximou-se olhando-a intensamente, fazendo-a perder-se naquele olhar, a mão deslizava por entre suas pernas os lábios se aproximando e enquanto a língua de Tânia entrava em sua boca com um gosto diferente de antes, um dedo a penetrava com cuidado e gentileza. Aquele era… seu gosto? Por estar misturado ao de Tânia era tão bom? Foi só o que lhe passou pela cabeça porque o prazer a fazia gemer, quase gritar às vezes e seu corpo mexia de uma forma que ela não conhecia, mas também não se importava. Sentiu um turbilhão dentro de si e ouviu sussurrado em seu ouvido.

– Minha bruxinha!

Sorriu, gritou e… gozou. Agora sim! Sentia-se completamente mulher. A mulher de Tânia! Não se importava em estar com as coxas úmidas, mas sim com a mulher deitada sobre ela, o gosto dessa mulher na boca. Fechou os olhos esperando a respiração voltar ao normal. Sentiu algo estranho em Tânia.

– Tânia, o que foi?

– Eu não devia ter deixado acontecer, Ma. Você não conhece a vida, não sabe como é difícil sobreviver sendo diferente, sendo gay. Devia ter me afastado bem antes de chegar a esse ponto. Me desculpa, minha bruxinha.

– Não posso te desculpar por algo que você não fez! Se alguém forçou alguma coisa, esse alguém fui eu.

– Mas eu devia ter evitado!

– Está arrependida?

Tânia olhou-a no fundo dos olhos como sempre fazia. Virou-se e ficaram de mãos dadas, ambas olhando para o teto.

– De não ter me afastado antes sim; de termos feito amor, nunca.

– Pois se tivesse se afastado não teríamos feito amor!

– Não sofreríamos as consequências também. Era de mim que você estava falando? A pessoa por quem estava apaixonada?

– E por quem mais seria? Você acha mesmo que se fosse por outra pessoa eu pediria pra me ensinar a beijar? Não seria mais fácil aprender com quem eu estivesse apaixonada?

– Acho que sim! Por isso fiquei tão baratinada, não pensei que você me pedisse algo assim.

– Boba!

– Ma, já pensou no que vamos fazer?

– Não. Eu só tinha pensado em te beijar porque precisava fazer isso. O resto foi consequência.

– E agora?

– Agora que te descobri, a gente continua, ué!?

– Já pensou na tua família?

– Que tem minha família?

– Esse apê é do teu pai, tem tua avó, teu irmão, teus tios, e…. tua mãe.

– Não acredito que minha família, com exceção da minha mãe, vá ser contra a gente.

– Eu também não acreditava, por isso abri minha boca e tenho até uma cicatriz onde minha mãe quebrou o cabo de uma vassoura me batendo pra provar.

– Credo, amor! Acho que nem quero conhecer teus pais, não. Ou talvez a gente os apresente pra minha mãe, que tal?

– Brinca com essas coisas não, paixão! Melhor a gente continuar como estávamos até agora para as outras pessoas e nem comentarmos nada. Quero evitar que te firam. – Seus olhos se encheram de lágrimas. – Como a experiente aqui sou eu, acho que terei que fazer algo.

– E o que está pensando em fazer?

– Vou me afastar de você, o que vai ser a pior coisa da minha vida, mas tenho que fazer.

Antes que terminasse a frase, Margareth havia rolado e se deitado sobre ela, olhando-a com espanto.

– Quem disse que quero que se afaste?

– Você sempre foi vigiada, amor, não conhece a vida direito, não teve muito contato emocional com as pessoas. Pode ser que me admire que goste muito de mim, mas não me ame. Eu não quero isso pra mim e nem pra você. Que outra pessoa você já beijou de verdade? Não estou falando de adolescência, não.

– Nenhuma, mas por não querer, não ter vontade. Você foi a única que quis beijar.

– Vou me afastar um pouco, você vai pensar bem; se quiser sair, saia, tente se divertir um pouco e quando tiver certeza do que quer e dos seus sentimentos, estarei esperando. Mesmo que seja pra me dizer adeus, faço questão de ouvir de você. Agora me beije e me deixe ir.

– De jeito nenhum, ainda não almoçamos! E depois você está impondo algo que eu não concordo, mas vou te dar um tempinho.

– Esse tempo não é pra mim, é pra você. Eu sei exatamente o que quero, as dificuldades desse querer e o quanto amo você.

– Eu agora, neste exato instante, quero algo mais. Amanhã eu sei que você vai cumprir tudo isso que falou, pelo que te conheço. Mas hoje, por favor, não me deixa aqui sozinha não, não sem você. Apenas fique comigo, me deixe ser a mulher que estou sentindo ser e… me ame.

Beijaram-se com calma e profundidade. As mãos e lábios deslizaram pelos corpos nus e ainda suados. Os corpos se acariciando sem pressa, sem força. Os lábios tocando leve a pele, ora dando passagem para a ponta da língua acariciar, ora dando passagem para uma língua atrevida e possessiva. Dentes mordiscavam. As mãos foram ficando mais donas, mais senhoras de onde tocavam. As bocas mais atrevidas e famintas. Dedos escorregaram pelas barrigas e entraram sem cerimônia entre as coxas se instalando na úmida caverna, nadando naquele liquido abençoado, desejado, amado. Corpos dançaram num ritmo delas, só delas, porque naquele momento a musica não tocava, apenas coexistia no ambiente, nos olhares, nos quadris, nos sorrisos e nos sons que só elas entendiam, que só a elas eram dirigidos e cada parte dos corpos a ouvia.

 O término da dança não deixava espaço pra nenhum outro par, porque os espaços haviam sido tomados pelo prazer causado pelo toque do ser amado, a matéria atingiu o espírito e haviam se complementado.

Não conversaram mais sobre nada, apenas almoçaram, se banharam e se amaram. Ao perceberem a chegada da noite, deixaram o cansaço e a ternura as dominarem e dormiram abraçadas.

No dia seguinte pela manhã, Tânia se levantou, tomou banho, se vestiu, foi até a cama onde Margareth permanecera, as lágrimas em quarteto, beijaram-se com gosto de despedida. E Tânia partiu.

Margareth sentiu parte dela indo junto, queria gritar e segurá-la, mas pelo que conhecia dela tinha falado sério. Então ela tentaria conhecer as coisas do mundo para fazer suas escolhas.

Durante a semana que se arrastara não a procurou. Pegou-se sentada no sofá perto do telefone mordendo o sofá e gemendo para se segurar e não ligar. Os amigos estranharam a ausência, mas como era quase final de ano letivo e as provas e trabalhos deviam ser entregues não se fixaram nisso. Tânia evitava até mesmo permanecer nos grupos de discussões, estava fechada em si mesma.

Na sexta, aceitou o convite dos amigos e foram dançar. Várias pessoas com drogas, quase todas com bebidas nas mãos, então prestando atenção, pela primeira vez na vida soube porque não gritara por liberdade antes. Não era sua praia todo aquele barulho eletrônico, aquele beijar bocas desconhecidas. No bar que havia ido com Tânia a musica era outra e não prestara atenção às pessoas. Na verdade, só via Tânia de fato e participava da conversa com as outras pessoas, mas sabia todos os gestos dela, dos outros só conhecia nomes e rostos. Será que lá também consumiam drogas e havia tanto barulho?

Mesmo assim resolveu aceitar a provocação de Priscilla e Ronaldo e ir dançar com “um carinha” que não tirava os olhos dela mesmo quando dançava com outras garotas. Sorriu para o rapaz e ele imediatamente se aproximou estendendo a mão. Aceitou-a e foram dançar, -se bem que ela não chamaria aquilo de dança, preferia estar com Tânia dançando juntinho, ahhhhh. Tentou se adaptar e seguiu o rapaz. Ao término ele simplesmente a agarrou e grudou seus lábios nos dela. Já ia empurrá-lo quando se lembrou do porque estava ali. Aceitou o beijo com gosto de alguma bebida que não saberia precisar, e não gostou, mas quando ele começou a passar a mão pelo seu corpo quase pulou para trás. Deu-lhe um sorriso e se afastou. O rapaz abriu os braços deixando-os cair nas pernas fez uma careta e atacou a próxima.

Chegou onde estavam os amigos e eles riam muito.

– Pensamos que já tinha se enturmado e que já ia dar “uma volta” com o garanhão ali!

– Desculpe, pessoal, mas não faz meu gênero, não. Sou mulher de uma pessoa só, mas tenho que gostar dessa pessoa. Olha eu agradeço muito a vocês, mas tá na minha hora, tá?

– Ahhh que é isso?! Não faz uma hora que chegamos! Tá muito cedo, vamos nos esbaldar, Maga!

– Por favor, vocês podem se esbaldar à vontade, apenas se eu ficar vou atrapalhar sua diversão. Até mais, pessoal. Beijos.

Pegou seu carro no estacionamento e resolveu ir àquele bar. Chegou procurando alguém que achava que não estaria por lá, mas tinha que tentar. Solange se aproximou.

– Olá, menina perdida! Encontrou quem estava procurando?

– Hoje acho que não está por aqui, não é?

– Não, não está. Mas pra que se fixar em só sabor quando há tantos disponíveis?

– Nossa! – Exclamou, rindo. – Você é descarada, hein! Já pensou que a gente se fixa em quem gosta?

– Acredito, mas como saber, como ter certeza que gosta se não experimentar mais do cardápio?

– É assim que você julga as pessoas? Como algo a ser degustado?

– Mas o sexo é pra isso, garota! Degustação, sabores, hummmm!

– Sabe que você é uma figura!

– Aceita uma bebida dessa figura?

– Não, obrigada! Acho que essa figura é muito descolada pro meu… paladar.

– Ta bom, se mudar de ideia estou por ai.

Uma mulher linda, mas tão… “galinha? ” Aquilo destoava nela. O que teria acontecido pra torná-la assim, tão… tão…. ??? ah deixa pra lá!

Viu alguns amigos de Tânia, mas nada dela.

– Oi! Faz algum tempo que está aí com esse suco e, depois de dizer não pra Solange, ninguém mais se aproximou. O que me fez acreditar que está sozinha. Estou errada?

– Não, não está.

A garota sentou-se na banqueta ao seu lado e começaram a conversar.

– Acho que é a primeira vez que te vejo por aqui.

– Já vim antes, mas estava com alguém.

– Terminaram?

– Ah não, quando disse alguém, era com amigos e uma amiga muito especial.

– Gosta dela?

– Demais.

– Por que não estão juntas, ela não gosta de você?

– Gosta, mas tem medo que eu esteja misturando as coisas.

– Hummm, você não é gay? Tem duvidas quanto a isso?

– Não sei o que sou, só sei que ela é a pessoa que quero. Não me importo com o fato dela ser uma mulher. Se fosse um homem e eu sentisse a mesma coisa que sinto por ela, ficaria com ele.

– Entendi! E ela te deixou solta pra saber? Descolada ela, hein!

– É isso não. Quer que eu…

A garota havia se levantado e se colocado bem na sua frente. Segurou-a pela nuca e beijou-a com desejo. Correspondeu ao beijo.

– Podemos ir pra outro lugar, se você quiser.

– Desculpe. Eu quero sim, mas sozinha. Leva a mal não.

– Beijo tão mal assim?

– Qualquer pessoa que não seja ela, a mim parece que não desperta nada.

– Então ela é uma mulher de sorte.

– Eu espero que sim. Pelo menos, vou fazer o possível pra que seja. Tchau.

Já era bem tarde, mas mesmo assim ligou. No sexto toque atenderam.

– Alô!

– Oi, Lídia. Desculpe acho que te acordei, né?

– Margareth! Que aconteceu, criança? Você está bem?

– Não. Estou precisando conversar com alguém muito a sério.

– É sobre o mesmo assunto de outro dia? Ou você está com outros problemas?

– É aquele mesmo assunto sim, mas agora já me defini. Pode falar comigo amanhã? Ou melhor, hoje mais tarde?

– Posso sim, querida! Vem almoçar aqui em casa e depois do almoço ou vamos dar uma volta, ou faço teu pai ir visitar alguém.

– Obrigada, mãedastra.

Lídia riu e se despediram. Pensou um pouco e resolveu fazer um ultimo teste. Ligou novamente e teve que rediscar para ser atendida.

– Alô!

– Mariana! Minha mãe não está?

– Margareth! Oi, menina! Deve estar sim, mas dormindo.

– Mas ela fica bem mais perto do telefone! Aliás tem uma extensão desse no quarto dela, por isso liguei nesse numero e não no outro.

– É algo urgente, filha? Quer que eu a chame?

– Faça-me esse favor, Mariana, obrigada.

Depois de alguns minutos.

– Olha, Margareth, ela… disse… hã pra você…

– Pra eu ligar numa hora mais adequada, Mariana?

– Foi isso, filha! – Suspirou aliviada.

– Hum hum! Não tem problema não, esquece e desculpe ter te acordado, não era minha intenção.

– Sei que não, você está bem, menina?

– To sim. – Sorriu. – Obrigada e descansa que você precisa mesmo.

Despediram-se e Margareth sorriu com tristeza. O teste confirmou o que pensava. Sabia que a mãe não falaria com ela, mas deixar a empregada que trabalhava e muito, uma senhora já, que dormia longe do telefone, se levantar e ainda não se dignar a saber o porque ela estava ligando àquela hora!!! Foi demais, mãe dela e do irmão sempre fora mais Lídia que dona Claudia. A mãe “de sangue” sempre fora a controladora, a que impunha seus desejos e sonhos a ela. Lídia simplesmente a tratava bem porque gostava dela, por ser filha de seu pai, o homem que ela amava. Amou-a mais por isso.

 O pai só soube que ela viria almoçar quando ela chegou, Lídia não havia dito nada. Ela também não disse, fez de conta que resolvera de ultima hora. O irmão já estava lá e soube que iriam ao futebol à tarde. Entendeu então o silencio de Lídia a respeito de sua visita. Depois que os dois saíram ela esperou pacientemente que Margareth se dispusesse a falar.

– Lídia, posso te perguntar agora o que você não quis dizer naquele dia?

– Poder até pode, mas continuo dizendo que é você quem tem que dizer algo, já que é bem pessoal.

– Então eu digo e você diz se era o que pensava, tá bom?

– Assim está ótimo!

– Bom, naquele dia eu tinha muitas duvidas sobre emoções, relacionamentos, enfim sobre o amor, porque nunca tinha me envolvido com alguém e estava sentindo coisas bem diferentes por uma pessoa. Andei saindo por aí, tentei encontrar prazer em beijar alguém que não ela, mas não funcionou. Beijar outras bocas não me dá nenhum prazer, pode até ser hum… gostoso, mas não é isso que me impulsiona. Acho que descobri que sou bem pacata, caseira e tranquila. E muiiito fiel. Tudo o que eu quero é o olhar pra ela e dizer “eu quero teu olhar, teu sorrir, teu falar, teu cantar, teu calar presente”. – Suspirou profundamente.

– E como é esse “calar presente? ” – Perguntou Lídia, sorrindo.

– É você estar com alguém sentindo esse alguém ali ao teu lado e mesmo não dizendo uma só palavra, você sabe que tá te ouvindo com os poros, sei lá, te preenche. Às vezes muito mais que alguém matracando na tua orelha. É dizer muito sem pronunciar palavras.

– Menina, você está mesmo amando! E teu jeito é esse mesmo, demorou pra descobrir. Enquanto Felipe corria feito doido, mexia com todo mundo, você sonhava, se encostava em mim ou em seu pai, cuidava do irmão, observava a natureza. Você não era contida por causa da tua mãe, você é muito meiga, muito doce, é uma pessoa fácil de se amar. Na adolescência, fiquei muito triste por Claudia conseguir fazer você repetir as ideias imbecis… desculpa.

– Você tem razão. São ideias imbecis mesmo. Demorei pra ver isso por não observar as pessoas à minha volta. Só dava ouvidos a minha mãe e achava que só ela me amava, doce ilusão!

– Fica assim não, querida! Afinal você tem muitas pessoas que a amam de verdade, inclusive essa sobre quem você veio falar.

– Ahh, Lídia! Como você soube e quando?

– É só prestar atenção a alguns detalhes, criança!

– Você sabe quem é, não sabe?

– Acho que sim, mas depois de você dizer o nome vou ter certeza.

– É Tânia.

– Olha tua carinha quando diz o nome dela. Que bonitinha!

– Ah, para! Por isso você sabia, pelo jeito de dizer o nome dela?

– Também, mas as vi juntas pela primeira vez quando você foi conhecer tua avó, lembra? Observei o quanto olhava pra ela procurando opinião, aprovação, apoio. E o olhar que ela dirigia a você. Pareceu-me que ela tinha plena consciência que era algo familiar e que ela não devia estar ali, mas não a deixaria só, pelo simples fato de mesmo sendo tua família, você precisar da presença dela. Teu pai inconscientemente sente isso, só não se deu conta ainda.

– E como será que essa minha família vai reagir, principalmente meu pai quando souber do meu interesse por uma mulher?

– Seu pai acho que não é preconceituoso, agora o restante da família eu não sei, mas o que importa? O importante é serem felizes e com meu apoio você pode contar, mas vai contar pra dona Claudia?

– Não sei! Talvez um dia, mas por agora não estou nada preocupada com ela. Queria ir contar pra vovó, mas com Tânia ao meu lado.

– E por que não vai, então?

– Você nem imagina o que ela fez.

– Pois então me conta.

– Depois de seguir teu conselho e a beijar, disse pra ela o que sentia e … bom resumindo… Para de rir, Lídia!

– Você tem tanto talento pra “esconder” que rolou algo mais que um beijo. Vai, termina de contar.

– Não seja cínica! Ela sabendo da minha vida resolveu que teria que experimentar algumas coisas antes de me decidir. Não quis ficar comigo sem que eu soubesse como seria ter outras pessoas na vida, sem me conhecer e saber o que eu quero.

– Que meiga! Que mulher gostosa.

– Ohh, Lídia!

– Quis dizer gostosa no sentido de doce, macia. Desde que a conheci achei que era assim, embora não saiba nada dela. Ela é transparente. Não foi com a mente poluída que falei não. Tá me estranhando?

– Que susto! Como não tinha o que discutir porque ela deixou bem claro que não estava aberta à discussão, depois de uma semana de sufoco pela falta dela, andei saindo com amigos, beijei um rapaz. Depois fui a um bar GLS e beijei uma garota, ou melhor, fui beijada e até correspondi.

– E aí?

– E aí, nada. Essa saída só serviu pra me mostrar que não sou adepta a baladas e que sou mulher de uma pessoa só. Se sair à noite só se for na companhia dela, senão é tudo muito chato, muito barulhento.

– Convida ela então pra ir até sua avó pra falar sobre o namoro.

– Vou convidar, sim. Lídia, muitíssimo obrigada. Sabe que eu gostaria muito se você fosse minha mãe?

– Eu também gostaria que você fosse minha filha, querida, – falou com os olhos já úmidos, – infelizmente sou estéril por problemas no útero. Mas isso não impede que eu a ame como tal.

– Nem que eu a ame assim também, por isso te chamei de mãedrastra. Te amo, mulher!

Passada a emoção e os abraços e carinhos.

– Posso dar uma ligadinha?

– Já vai convidá-la hoje?

– Pra ir pra vovó só na semana que vem, mas quero falar uma coisa pra ela que senti durante a semana e depois implorar pra que venha pra casa.

Foi para a sala e ligou.

– Alô.

– Oi, amor.

– Bruxinha! Margareth! Você está bem, aconteceu alguma coisa?

– Aconteceu, sim. Quase morri de saudade, não gosto, odeio a tua ausência.

– Mas a gente ti…

– Andei sentindo tanta falta do teu carinho, do teu toque e pensando em umas coisas que não pensava antes que tive que me resolver sozinha. Daí sinto meu cheiro, sozinha e lembro de você em mim. Estou na casa de Lídia e já vou pra minha, ou nossa se você quiser e estou implorando pra te ver. Por favor!

– Amor, você disse que faria algumas coisas, que tentaria conhecer outras pessoas pra ver se era isso mesmo que você queria.

– Eu sei! Pra isso beijei um rapaz e detestei. Beijei uma garota, até bonita, mas não me disse nada.

– Nossa! Você foi rápida hein!

– Fiz o que você queria. Meu coração tinha e tem pressa. E aí, gostou de saber?

– Odiei, mas você agora sabe bem o que quer, não é?

– Já sabia antes de você me obrigar a fazer isso. No entanto, foi bom eu ter feito pra descobrir coisas sobre mim. Por exemplo, que sou mulher de uma pessoa só, seja ela homem ou mulher, mas é a pessoa que amo e essa pessoa é você. Portanto não enrola e acaba com meu sofrimento, com essa tortura, com ess….

– Já entendi, dramática, – responde rindo, – vou tomar um banho e já vou.

– ÒTIMO!!!!! Te espero, paixão da minha vida.

Quando Tânia chegou Margareth estava cheirosa, com cara de safada, numa camisola que… faltava tecido pra cobrir algo e no som uma musica cantada por Alcione:

ENQUANTO HOUVER SAUDADE  Enquanto houver saudade Eu não te esqueci Enquanto houver verdade Não vou prá longe daqui Enquanto houver desejo Mais uma razão pra ficar Como é que eu vou embora Se em mim eu vou te levar Porque eu te amo Eu te quero E não vou brincar com a vida Um amor  grande assim Tão perfeito pra mim Nunca mais Porque eu te amo Eu te adoro E não tem outra saída Eu só posso dizer Que esse amor por você É demais, é demais

Não houve palavras, só olhos perdidos em outros olhos. Mão estendida, mão aceita. Abraço saudoso, mãos entrelaçadas, porta trancada, luz apagada e o amor a caminho do quarto.

Na quinta feira não haveria aula e resolveram ir contar as novidades para a avó de Margareth. Depois falariam com o pai e o irmão. O restante da família, resolveram que não precisavam falar, perceberiam com o tempo e se não as aceitassem não importaria. A mãe? Hummm. Quem sabe um dia.

– Oi vovó. A gente atrapalha?

– Ué! Nunca atrapalharam antes por que isso mudaria?

– É que queremos falar algo muito a sério com a senhora, antes que saiba de outra forma.

– Sentem-se meninas, e digam logo que já estou ficando assustada com esse ar sério de vocês.

– Talvez a senhora se assuste depois de contarmos, vovó.

– Não vamos fazer julgamentos precipitados né criança? Mas vamos lá, me contem.

– Bom vovó, é que conheci a Tânia na faculdade através de uns amigos em comum. No começo devido à minha educação e ideias de dona Claudia eu a rejeitei por ser lésbica, sequer queria a sua amizade. Depois de algum tempo de conhecimento, não muito, aliás, eu me vi apaixonada por esta mulher. Como a avó permaneceu quieta Tânia resolveu falar.

– Sabemos dos problemas que esse tipo de relação pode trazer e tenha certeza que Margareth preza muito sua opinião, seu amor por ela, por isso é que viemos pessoalmente lhe contar esperando que a senhora ao menos não a recrimine.

– E eu lá tenho cara de Claudia, meninas?

– Não senhora!

– Escutem bem crianças. Vocês ouviram teu pai falando que além de Cláudia, tenho mais três filhos, não foi?

– É mesmo! Ficamos tão empolgadas aquele dia que pensamos ter conhecido a família inteira. Realmente faltou um. Ele não vive em São Paulo?

– Não vive não, minhas queridas! – Respirou fundo antes de continuar. – O nome dele é Lucas e é o penúltimo filho. Afastou-se ainda jovem da família por algo que Claudia achava horrível, uma doença. Quando tinha 14 anos se apaixonou por um rapaz mais velho. Claudia descobriu, fez um escândalo tão grande que ele ficou envergonhado demais e acreditou nas besteiras que ela disse. Disse não, berrou pra vizinhança toda ouvir, falou na escola, foi à casa do rapaz e contou pra família dele chamando-o de pedófilo. Ameaçou denunciá-lo a policia até.

– Meu Deus, que barbaridade!- Eu fiquei quieta por estar recordando aquele que foi um dos piores dias da minha vida. Ele saiu correndo sem rumo e só soube dele seis meses depois, foi muita dor, muita angustia e desespero não saber onde andava meu filho. O rapaz, a família se mudou e levou-o pra nem sei onde. Tentei falar com Lucas pra voltar pra casa, mas ele começou a trabalhar em qualquer coisa que aparecia e graças a Deus, não aconteceu algo que o levasse por um caminho criminoso.       

– Minha mãe é bem pior do que eu pensei.

– Chora não, amor! – Mesmo dizendo isso Tânia também chorava. Chorava pela recordação do que tinha passado em sua adolescência, pela dor daquela senhora, pela dor de seu amor ao tomar conhecimento de mais uma crueldade da mãe. Abraçaram-se até que Margareth se acalmasse.

– Ah vovó! Como em uma família como essa pode ter alguém como minha mãe?

– Ahhhh filha! São coisas que acontecem, talvez ela seja a “ovelha de cor diferente” da nossa família. Não se sinta culpada, ou algo nesse caminho querida. Tua mãe, infelizmente nasceu assim e não quis mudar.

– Mas e o tio Lucas? Nunca mais voltou?

– Voltou sim minha lindinha! Deu um duro danado, estudou, fez curso técnico e mais tarde faculdade de educação física. Trabalhou em escolas, academias e hoje em dia trabalha na própria academia que tem em Recife. Foi pra longe por vergonha, mas superou e prosperou. Todo ano vem ver a gente e já contamos de você pra ele. Tá doido pra te conhecer.

– Ainda bem que não me odeia pelo que minha mãe fez a ele.

– Você se esquece que antes de ser tua mãe é irmã dele? Não ensinei meus filhos a odiarem ninguém. Só Claudia ignorou a educação, a criação que dei a eles. E depois você é filha do teu pai também e esse nós todos amamos demais menina.

– Então acho que a família não vai nos enxotar, não é dona Ester?

– Mas é claro que não, minha filha! E ai de quem se atrevesse! Mas minhas filhas, já contaram pro Geraldo?

– Ainda não, vovó, quis contar pra senhora primeiro.

– Estava querendo apoio antes de encarar a fera?

– Talvez! – Riram. Ficaram para jantar com dona Ester.

– Tânia, e a tua família menina? Onde estão? Já sabem?

– Se dissesse que não tenho família estaria mentindo porque tenho uma irmã mais velha que fala comigo, às escondidas é claro, e me dá notícias de lá. – Narra a sua história a dona Ester. A senhora a abraça carinhosamente.

– Parece que ganhei mais uma neta.

Quando vão para  casa já passa das 22:00 horas, mas se sentem leves. Decidem que no sábado seria dia da conversa com o senhor Geraldo.

E chega finalmente o sábado.

– Como ele está, Lídia? Será que hoje é um bom dia pra contarmos?

– Minhas queridas! Qualquer que seja o dia escolhido ele estará disposto a ouvir, sabem disso. Agora, se querem que eu adivinhe qual atitude ele vai tomar isso eu não posso fazer. Sentem-se e esperem ele terminar o banho.

Esperaram nervosamente.

– Bons dias, minhas garotas!

– Oi pai.

– Bom dia senhor Geraldo! – Ambas se levantaram e foram abraçadas uma a uma por ele.

– Tá cheiroso, meu charmosão!

– Ahhhh ta vendo porque amo essa mulher? – Começaram por conversar amenidades, mas Geraldo percebeu depois de algum tempo de papo um certo clima diferente e resolveu perguntar.

– Crianças vocês estão com algum problema? Estão esquisitas!

– É que… sabe o… que é.. é que… bom pai…

– Desembucha minha filha. Ta com febre além da gagueira, tá vermelha como pimentão! Tânia, me conta você vai.

– É que é um assunto difícil de “desembuchar” assim de uma vez senhor Geraldo. Nunca falamos e suponho que com sua filha também não, sobre certas coisas, como o senhor vê e pensa sobre essas coisas.

– Por favor, querem me dizer logo! Vocês se meteram em encrenca, é isso?

Margareth parecia que teria uma crise de alguma coisa. Como era difícil! Seria tão simples falar de amor não fosse tanto preconceito a nos castrar, até mesmo com nossas pessoas mais queridas e às vezes, justamente elas. Tânia tomou a frente.

– Senhor Geraldo, o que Margareth está com tanto receio de lhe dizer é que estamos, eu e ela, namorando. Que nos amamos. É isso.

Geraldo não sabia o que dizer. Nem tinha passado por sua cabeça que um dos seus filhos pudesse ser…. gay? Era isso? Sua amada filhinha era gay?

– Pai, por favor, fala alguma coisa. – Geraldo segurava as lágrimas, passou a mão pelo rosto, suspirou e olhava para elas alternadamente. Lídia tentou dar-lhe uma força.

– Querido, é tua filha, a mesma filha de ontem e de todos esses anos passados. E Tânia é aquela mesma pessoa que você até ontem confiava e por esse amor a você e essa confiança é que vieram te contar assim frente a frente, mesmo correndo o risco de que você não as aceite.

– Eu nunca pensei nessa possibilidade. Preciso de tempo pra pensar a respeito. Não acho que vou deixar de amá-las ou de respeitá-las, mas… preciso de tempo. Me desculpem se não sou o que vocês gostariam, se não era a reação esperada, mas sou um cara que esperava netos pra cuidar e brincar. Me deem licença. – Saiu da sala.

As duas não sabiam o que fazer. Margareth não sabia se ia atrás dele e Tânia a vigiava. Lídia mais uma vez mostrou que tipo de mulher era.

– Meninas não se desesperem. Ele pediu um tempo pra pensar, deem esse tempo a ele. Eu duvido que ele vá expulsá-las da vida dele. Esse homem tem um coração maior que ele. Vão curtir o fim de semana e esperem pela decisão dele sem desespero.

Foram para casa. Tânia queria sair um pouco para que Margareth relaxasse, mas ela estava ansiosa demais para isso. Foram apenas fazer caminhada no parque. Na terça receberam um telefonema de Geraldo pedindo que fossem vê-lo na sexta à noite.

Para Margareth a semana foi como se andasse em câmera lenta sobre um braseiro. Foram recebidas por Lídia com carinho. Ela adiantou que ele não falara o que sentia sobre o assunto com ela, portanto, teriam que esperá-lo mesmo.

– Boa noite, meninas! – Responderam ao cumprimento.

Margareth estática se agarrando ao braço da poltrona como se seus dedos fossem de aço e pudessem penetrar no estofamento.

– Vou deixar bem claro. Primeiro, foi um susto enorme saber do envolvimento de vocês. Não soube como reagir. Eu as amo e vou continuar sentindo o mesmo amor por vocês, independente de qualquer coisa. Não sei ainda se aceito esse casamento de vocês, mas podem ter certeza que vou respeitar sua relação, não vou me meter. Pelo amor de Deus, não façam demonstrações na minha frente. Não atingi esse nível ainda. Não vamos ficar comentando e vocês vão continuar na minha casa e na minha vida como até então e eu vou me acostumando a não ter netos vindos de você filha. Estão morando juntas?

– Não, pai! Tânia não quis até saber como você encararia a coisa. Ela diz que afinal o apartamento é seu.

– Eu o dei pra você. Pode colocar dentro dele quem você quiser! Eu não gostaria se fosse alguém drogado, um cafajeste, um lixo de pessoa, mas fora o fato de ser mulher, Tânia seria uma boa escolha pra qualquer filho oo desculpe, filha.

– Entendemos pai, não precisa se desculpar. Posso te dar um abraço agora? Senti falta dele no boa noite.

Geraldo se levantou, sorriu e abriu os braços para a filha. Foi um abraço demorado e emocionado. Ao se separarem:

– Vem cá, Tânia, eu disse que não mudou nada entre eu e vocês, apenas não quero, por enquanto pelo menos, demonstrações… humm.

– Já entendemos, senhor Geraldo! Tentaremos ao máximo não o constranger.

– Tá vendo, Lídia, porque não da pra deixar de amar essas duas. Vou me esforçar meninas, eu prometo.

As duas agradeceram. Ao término do ano letivo Tânia foi morar com Margareth. Com a proximidade dos festejos de fim de ano Claudia começou as cobranças por companhia nas festas sociais. Margareth fez de tudo para declinar educadamente. Num domingo em que almoçavam com Geraldo, Lídia, Felipe e Luana, Claudia apareceu sem avisar. Entrando na casa.

– Ah então para o seu pai você tem tempo, você pode, mas comigo é outra história?

– Boa tarde, mãe! Percebeu que tem varias outras pessoas aqui além de você e eu?

– Ora, isso não vem ao caso! Vim aqui por estar muito difícil te encontrar em casa pelo telefone e sabia que tinha se bandeado para o lado do seu pai. Quero saber quando vai comigo àquelas festas que já te falei. Até agora arrumou desculpas pra todas, mas pelo menos em uma você tem que ir comigo. Os rapazes têm perguntado por você e minhas amigas também. Agora parece que não tenho mais família!

– Caso você não tenha percebido, aqui é um almoço entre família, não precisamos de metade da cidade pra nos ver almoçar, muito menos que saia fotos em nenhum jornal. Eu não preciso que me arrume mauricinho algum porque já…

O pai interferiu:

– Claudia, se ela já havia dado a resposta, não sei por que você veio atrapalhar nosso almoço. Se você está sem família é por escolha única e exclusivamente sua. Nós vamos passar o Natal na periferia, em uma casa grande como o coração de sua dona, mas humilde, carinhosa, com filhos e netos maravilhosos. Aposto que se você de repente se recordar do caminho, será recebida de braços abertos. Agora eu vou te dizer uma ultima coisa e vou falar uma vez só. Deixe Margareth em paz. Ela já tem uma boa vida própria, não vai mais dar ouvidos a você. Está bem, escolheu a vida que quer ter e aprendeu a lutar por ela e se você continuar tentando se meter dou um jeito de que o jornal saiba onde vamos passar o Natal. Não se aproxime mais dela a menos que ela a procure. Estamos entendidos?

– Você não faria isso!

– Ahhhhhh se você continuar querendo que minha filha volte pra onde ela não quer que ela se transforme numa marionete em suas mãos de novo, experimenta pra você ver.

Claudia saiu bufando. No entanto, não mudou em nada sua decisão de sair em quantas colunas sociais fosse possível. Sorrisos fingidos estampado em jornais, amizades supérfluas à volta, vidas vazias acompanhadas de… solidão depois dos flashes, mas estava onde queria. Essa era a vida que escolhera. Quem sabe um dia iria ver a senhora que a trouxera ao mundo. Não, imagine! Lá está uma nova lente voltada para sua beleza mantida a grandes custos, picadas, bisturis e toneladas de cremes que nem se importa com sua fórmula. Do outro lado da cidade, risos francos, abraços sinceros, vidas cheias de problemas sim, lutas sim, mas também de apoios mútuos, muita torcida, companhias, compreensão. Ali o preconceito era enxotado, ali a amizade florescia, ali o amor reinava. Ali a felicidade se instalava.

 FIM.

Ione.    



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