Adriana levantava preguiçosamente da cama, a manhã fria de Boston ditava o ritmo da morena, caminhou até o banheiro para sua higiene matinal, já se passava cinco dias em terras americanas novamente, mas para ela era uma eternidade. Seu compromisso começava esse dia, iria montar sua grade de estudos e conversar com o seu orientador, e se preparava para receber sua colega de quarto.

Depois de escovar os dentes, se vestiu e saiu do quarto para comer alguma coisa. Sentiu o celular vibrando no bolso, ao verificar o visor sorriu, mais uma mensagem de Mariana. A arquiteta mandava torpedos todos os dias, de manhã, de tarde e à noite. E Adriana retribuía com muito gosto.

— “Bom dia minha linda! Eu espero que não esteja muito frio por ai. Eu gostaria de te aquecer! Beijos Mari.”

— “Bom dia minha índia. Muito frio mesmo, e eu adoraria ser aquecida por você. Beijos”.

Voltou a caminhar e encontrou a coordenadoria do mestrado, havia muitas pessoas para executar a mesma tarefa. Adriana esperou com paciência até chegar a sua vez.

Uma americana mal humorada finalmente a chamou fazendo sinal com a mão, ela se aproximou do balcão, entregou os documentos e a mulher saiu para uma sala anexa deixando Drica em pé no balcão a esperando. A mulher voltou segurando uma pasta organizadora e a abriu sobre o balcão, Adriana viu que se tratava dos seus arquivos.

A senhora anexou os documentos na pasta enquanto Adriana a observava, no computador a mulher digitava algumas palavras, Adriana estava distraída quando sentiu um perfume invadir a sala, aquele cheiro tão conhecido, era o mesmo perfume que ela usava. Olhou na direção da porta que se fechava atrás de si. E viu uma moça entrando vestida com uma calça jeans e camisa de botão xadrez com um casaco de couro por cima, carregava um case de uma guitarra pendurada nas costas, não era linda mas tinha seu charme. Os cabelos cortados na altura dos ombros picotados, pretos como os seus, os olhos também pretos. Ela abriu um sorriso cumprimentando quem estava na sala e sentou-se em uma cadeira vazia.

A senhora mal humorada voltou a falar com Adriana, chamando a atenção da morena novamente. Acertou os horários das aulas, da utilização dos laboratórios de informática, e os contatos dos professores.

Adriana deixou a sala e caminhou lentamente para o refeitório para almoçar, quando já estava terminando viu a mesma menina de camisa xadrez entrando no refeitório, ela ainda portava o case da guitarra e a encostou em um canto enquanto pegava o seu almoço, Adriana percebeu que a garota parecia perdida, sozinha em um canto. Imaginou que seria o seu primeiro dia na universidade. Dispersou os pensamentos e levantou para voltar ao quarto.

Chegando em seu quarto, viu que havia malas dispostas ao lado da cama que até então estava vazia, e suspirou fundo, sua colega de quarto chegou e já estivera em seu novo dormitório. Sentou na cama e ligou o notebook, encontrou um e-mail de Viviane.

De: Viviane
Enviada em: domingo, 15 de fevereiro de 2012 11:17
Para: Adriana Ferreira
Assunto: Frio?
Oi amiga, como estão as coisas por ai? Muito frio? Eu, Paula e Alessandra estamos aqui pegando uma praia no posto nove, e adivinha só, nós lembramos de você, queríamos muito que você estivesse aqui. Então um beijo grande e se cobre direitinho.

Beijos, suas amigas.

Enviado através do meu BlackBerry®
Adriana riu das amigas com um gosto amargo na boca, sentiu uma inveja louca daquele calor que elas estavam curtindo e ela ali em um frio de cinco graus. Replicou o e-mail com a resposta.
De: Adriana Ferreira
Enviada em: segunda-feira, 16 de fevereiro de 2012 14:03
Para: Viviane
Assunto: res. Frio?
Prezadas amigas,

Eu acredito que vocês sentiram muito a minha falta, mas acredito mais que isso foi uma grande covardia. Eu estou em uma cidade que o termômetro está marcando cinco graus e chove o tempo inteiro, e vocês estavam de biquíni pisando na areia da praia que eu amo. Eu só tenho uma coisa para dizer a vocês: Vão à merda!

Beijos.

Adriana enviou o e-mail e começou a rir, sabia que teria resposta. Viu outros e-mails, navegou na internet um pouco, já fez uma pesquisa rápida sobre o cronograma do curso e ouviu um barulho na maçaneta da porta. Desviou o olhar e viu a mesma figura perdida que estava na coordenadoria e no refeitório, entrando com aquela guitarra nas mãos.

A garota olhou sem graça para Adriana que estava a analisando. E deu um sorriso amarelo.

— Oi, você é brasileira? – perguntava receosa –

— Oi, sim, eu sou. – levantou-se indo em direção da menina – Prazer, meu nome é Adriana. – estendeu a mão—

A outra cumprimentou a contadora animada, ficou feliz de ser alguém do Brasil.

— Prazer, eu sou Renata. – o sorriso era largo – Que bom que você é brasileira, eu fiquei com medo de dividir o quarto com alguém de um país muito diferente do nosso.

— Pode ficar tranquila. Primeira vez em Harvard? – perguntava voltando para a cama –

— Sim, minha primeira vez. Eu estou tão excitada! – colocava o case no canto do quarto—

Adriana achou graça da garota – Qual é o seu curso?

— Direito.

— Ah você vai fazer a graduação. Eu vou fazer mestrado em Contábeis.

— Caramba, então você deve ser muito inteligente!

— E você? Passou para graduação em Harvard, como conseguiu?

— Eu ganhei uma bolsa esporte, eu fui convidada a fazer a admissão por causa de um trabalho que eu participei no Brasil, na área de direito, eu fiz um ano de Faculdade lá em São Paulo.

— Ai meu pai, mais uma paulista – pensava Adriana –

— Qual esporte você pratica?

— Atletismo, eu sou velocista. – disse sorrindo –

— Nossa, que legal. Já competiu lá no Brasil?

— Sim, eu ganhei o ouro nos jogos estudantis em São Paulo, e no troféu Brasil de Atletismo. Tenho outras medalhas de prata e bronze também em torneios menores. Eu quase fui pro Pan Americano mas eu não consegui o índice.

— Você tem quantos anos Renata?

— Eu tenho vinte. E você?

— Eu tenho vinte e quatro, faço aniversário mês que vem.

— Que bom teremos festa.

— Não, não teremos festa, eu não sou muito de festa, mas você pelo jeito deve gostar. – apontou para a guitarra —

— Ah é só um hobby. – tirava os sapatos— É melhor eu arrumar isso aqui.

— As duas portas do canto estão vazias, são suas.

— Obrigada. – retirou a jaqueta e colocou-se a arrumar seus pertences.

Adriana pensava que ganhou outra criança para cuidar enquanto estava em Harvard, ela balançou a cabeça e voltou para a sua pesquisa.

*************

No Brasil, Ana Paula estava em seu escritório, lia um processo novo, Claudinha já estava formada, a ajudava no escritório, só faltava se preparar para a prova da OAB para dividir os casos com Ana. Estava cansada, coçou os olhos e se reclinou na cadeira encostando a cabeça na base. Pensava em Lívia, encontraria com a professora quando saísse do escritório, mas rapidamente seu pensamento voou até Boston.

Ana abriu os olhos e viu o teto branco sobre si, balançou a cabeça negativamente, como ainda podia pensar em Adriana? Ela foi a responsável pelo afastamento da morena, ela disse que não a amava. O que poderia esperar dela agora? Nada mais. Sua morena está há milhas de distância dali. Espera um pouco, novamente ela pensou que Adriana é sua morena, não, ela não é mais.

— Algum dia eu permiti que ela fosse minha? – Ana se perguntava sozinha em voz alta – O que você quer Ana Paula?

Levantou frustrada e foi até a recepção, viu Bia anotando os compromissos na agenda.

— Bia, aqui tem um consultório de psicólogos não tem?

— Tem sim, tem vários, mas eu conheço um, no terceiro andar tem uma clínica, minha prima faz terapia lá, a terapeuta dela é ótima.

— Consegue o número pra mim?

— É para já.

Ana voltou para sua mesa e voltou a encarar o processo, resolveu que ia desvendar seus mistérios, exorcizar seus demônios interiores, era necessário, e depois de tanta gente lhe pedindo para procurar ajuda ela resolveu por esse caminho, precisava esquecer Adriana para viver bem com Lívia, não poderia cumprir a promessa que fizera sem ajuda para entender seus sentimentos, tentou sozinha e não conseguiu.

O telefone tocou sobre sua mesa.

— Oi Bia.

— Ana, sua primeira consulta será na quinta-feira às oito da manhã.

— Bia, você já marcou? Como você sabia que era pra mim?

— Relaxa Ana, eu tenho sua agenda, e você só tem cliente depois das dez na quinta. E do jeito que você falou só poderia ser pra você, eu não conto pra ninguém pode deixar, nosso segredo.

— Ta bom Bia, obrigada. – riu da garota —

Desligou o ramal e voltou aos seus afazeres, marcou no calendário de mesa na quinta-feira com um círculo vermelho para não esquecer o compromisso. Sentia como se fosse o inicio de sua redenção.

********************

No escritório de contabilidade as três amigas conversavam, Viviane contou sobre o e-mail que recebeu como resposta de Adriana e todas riam muito com a reação da morena.

— Vivi, você vai sair com Isadora de novo?

— Sim, nós vamos ao cinema. Depois vamos lanchar no shopping.

— Legal, você está gostando dela Vivi? – Paula perguntava —

— Sim, muito, ela é maravilhosa, simples, carinhosa, tão tranquila, eu preciso de gente assim, né, se for ligada na tomada que nem eu já viu né. – ria –

–Você tem razão, duas Vivianes eu não aguentaria. – Paula dizia –

— Ai amiga, você é tão espirituosa!

— Paula eu vou para sua casa então. – Ale pedia –

— Não Ale, eu estou muito cansada. Deixa pra sexta-feira, ai você já vai e fica direto para o fim de semana.

— Poxa Paula esse castigo que você está me dando está cruel. – choramingava –

— Alessandra, enquanto eu não me sentir segura será assim. – olhava para a namorada – Você perdeu minha confiança, eu ainda preciso de um tempo.

— Gente eu vou na padaria, alguém quer alguma coisa? – Viviane saia de mansinho para não participar da DR das duas amigas –

— Não. – Ale respondeu, Paula apenas balançou a cabeça –

Viviane saiu e Alessandra levantou andando até Paula. Sentou-se sobre a mesa da namorada, Paula já esperava por alguma aproximação furtiva da namorada, apenas escrevia sem olhar para ela, Alessandra começou a escorregar pela mesa, sobre os papeis de Paula, deitando em frente à namorada, Paula já começava a rir.

— Alessandra, dá para você sair de cima da minha admissão? – tentava controlar o riso –

— Meu amor, você não está com saudade de dormir agarradinha comigo não? – apoiava a cabeça em um dos braços— Eu estou louquinha de saudades de você. – mexia no cordão no pescoço de Paula –

— Alessandra, eu sinto sim, mas eu não vou voltar a morar com você ainda. – colocou um dedo na boca da namorada –

— Ai isso é muita tortura! Vem cá. – puxou a outra contadora pelo cordão até encontrar sua boca em um beijo pacato –

Paula retribuiu o beijo, segurou o rosto da namorada e o beijo evoluiu despertando o desejo que estava sendo contido pelas duas. Alessandra acariciava o rosto da namorada e a movimentação sobre a mesa, deslocou alguns papéis para o chão, no auge do desejo, a porta se abriu e Viviane entrou de volta ao escritório.

O susto fez Paula levantar em um pulo, empurrando Alessandra que caiu da mesa, sobre uma cadeira que estava disposta à frente da mesa de Paula.

— Minha nossa, o que vocês estavam fazendo? – Viviane entrava com um pacote de sonhos –

— Estávamos só conversando! – Paula dizia ajudando Alessandra a se levantar –

— E o que Alessandra estava fazendo deitada sobre a mesa? – ria –

— Ai Vivi, isso é só um detalhe! – Alessandra gesticulava–

— Machucou? – Paula perguntava –

— Não. O que é isso na sua mão? – desviava o assunto –

— Eu trouxe sonho.

— Então vamos lanchar.

As meninas acabaram rindo da cena, Alessandra no chão depois de serem flagradas se beijando. Viviane ria por dentro, e Alessandra tentava de qualquer jeito chamar a atenção da namorada.

******

Viviane e Isadora passeavam pelo shopping, se preparavam para comer depois de ter visto um filme.

— Ai, eu não acredito que eu chorei tanto com aquela cena dos dois se despedindo. – Viviane dizia – Eu estou uma manteiga derretida.

— Eu também chorei, não tanto quanto você, mas eu chorei. – Isadora caminhava ao lado da amiga –

— Ai eu estou morrendo de fome. Você quer jantar ou fazer um lanche? – colocou a mão no ombro de Isadora –
— Podemos lanchar. Eu estou doida para comer naquela lanchonete. – apontou o local –

— Então vamos.

Viviane pegou a mão de Isadora e seguiu com ela até o balcão, sem perceber sua atitude, Isadora a observava, tão destemida, segura de si, Viviane se tornou uma mulher de verdade em apenas um ano de experiência fora do país.

— O que você quer? – olhava para o painel escolhendo o lanche –

Isadora sem tirar o olhar sobre ela respondeu imediatamente.

— Eu quero você. – mordeu o lábio inferior –

Viviane tomou um susto com a revelação de Isadora, ela sabia das intenções da mulata, mas até então estavam apenas conversando como amigas, pelo menos para ela. Ela desviou o olhar e encarou os diamantes negros que brilhavam em sua direção. Suas mãos suavam, esqueceu-se até do lanche. Ficou sem graça quando a moça do caixa a perguntou se já tinham escolhido.

— Senhoras, já escolheram seus pedidos?

— Sim. – Isadora respondeu prontamente ainda sustentando o olhar em Viviane – Eu quero o número três, com guaraná.

Viviane sentiu um alívio por voltarem ao assunto inicial, teriam essa conversa mais tarde.

— Eu quero o número dois, o refrigerante é coca cola. – desviava o olhar –

Isadora sorria maliciosamente, estava encantada com a ruiva que estava ao seu lado. Estava disposta a começar uma relação com Viviane, elas já estavam saindo a uma semana, e sempre se tratando como amigas. Foi a primeira investida direta que Isadora lançou para a contadora.

Estavam sentadas terminado de comer, conversavam amenidades, Isadora esperava o melhor momento para abordar novamente o assunto.

— Sério? Você não gosta de chocolate? – Viviane mordia o ultimo pedaço do sanduiche –

— Não, bom eu não vou dizer que eu não como, um bolo de chocolate, ou um sorvete tudo bem, mas sentar para comer uma barra de chocolate, isso não vai acontecer. – balançava a cabeça enquanto bebia um gole do refrigerante –

— Interessante, eu sou chocólatra, eu adoro uma boa barrinha no meio de uma TPM. – ria –

— Bom saber, eu já sei o que comprar quando você quiser brigar comigo à toa. – limpou a boca—

As duas riam, um silêncio se fez na mesa enquanto Viviane mastigava o ultimo pedaço do seu lanche. Os olhares se cruzavam, esmeraldas e diamantes negros travavam uma silenciosa e intensa batalha. Um sorriso foi desenhado no rosto das duas.

— Podemos ir? – Vivi pedia –

— Claro!

As duas caminhavam lado a lado no estacionamento do shopping distraidamente até o carro. Estavam em carros separados. Isadora caminhou até o carro de Adriana que a ruiva estava usando. Ela destravou o alarme e abriu a porta jogando a bolsa no banco do carona. Isadora esperava ao lado do carro.

— Onde está o seu carro Isa?

— Está no G3.

— Você não precisava ter vindo até aqui comigo.

— Eu quis. – sorriu –

— Entra ai, eu te levo até o carro e descemos juntas. – fez sinal com a cabeça –

— Boa ideia.

A mulata rodeou o carro e entrou no carona, Viviane dirigia pelo estacionamento até o local que Isadora indicou.

— Está entregue, nem precisou andar. – ria nervosa –

— Obrigada, a noite foi muito agradável Vivi. – segurou a mão da ruiva sobre a marcha –

— Pra mim também Isa. – retribuiu o carinho com o polegar —

As duas se inclinaram simultaneamente e as bocas se encontraram, um beijo calmo se fez, um selinho, e novamente as bocas se uniram para não se separarem mais, as línguas encontraram-se, úmidas e urgentes, Isadora levou uma das mãos ao rosto da amiga e deslizou até sua nuca a puxando para mais perto.

Ao se soltarem, ainda de olhos fechados Viviane sentia o corpo reagir ao toque da mulher linda que estava ao seu lado. Abriu o olhar verde que brilhava, encarou Isadora e sorriu ainda sentindo o gosto da bala de cereja que a outra tinha na boca.

— Isso foi bom. – Vivi dizia som um sorriso bobo –

— Foi sim. – fez um carinho no rosto da ruiva –

— Vivi, eu quero te conhecer melhor.

— Eu também quero Isa, mas eu preciso que isso seja devagar. Eu não quero me iludir de novo.

— Sem problemas, eu também não pretendo correr. Estamos no mesmo barco.

— Eu te ligo amanhã, pode ser?

— Pode sim.

Outro beijo começou e as duas não queriam ir embora mas não estavam prontas para dizer sim a um compromisso ainda, ficava apenas a promessa de tentar uma nova entrega a uma relação verdadeira, uma ajudaria à outra a se libertar de seus fantasmas, e assim, um futuro promissor se preparava para as duas.

********
Em Niterói Ana se encontrava com Lívia no apartamento dela. Ao chegar na portaria, nem precisava usar o interfone. Ramon abria o portão assim que via a loira chegar.

— Boa noite dona Ana.

— Boa noite Ramon.

Entrou no elevador rindo, ainda não tinha acostumado com essa intimidade com o porteiro do prédio de suas duas namoradas, não, só Lívia era sua namorada. Adriana não teve tempo para isso, ela não permitiu. Balançou a cabeça negativamente, novamente estava pensando em Drica.

— O que está acontecendo comigo? – falava em voz alta sozinha no elevador –

Chegou ao apartamento tão conhecido e tocou a campainha. Esperou por um breve momento e ouviu passos atrás da porta que se abriu revelando uma Lívia muito à vontade. De short e camiseta, os cabelos presos em um rabo de cavalo e descalça. Do apartamento um cheiro delicioso saía pelo corredor.

— Oi minha linda, eu não sabia que você já tinha chegado. – beijou a namorada –

— Ramon me deixou entrar.

— Ai Ramon, você e essa intimidade com o porteiro. – revirou os olhos –

A loira entrou atrás da namorada e fechou a porta atrás de si.

— Cheiro bom! Você está cozinhando?

— Estou, por que?

— Você não gosta. – pousou a bolsa na sala e foi para a porta da cozinha –

— Mas hoje é uma ocasião especial, você viria aqui jantar comigo. – piscou –

— Eu pensei que nós pediríamos algo no japonês. – encostou no portal – Precisa de ajuda?

— Não querida, está tudo sob controle. Abre um vinho para nós.

Ana caminhou até a geladeira e pegou uma garrafa de vinho que estava disposta deitada em uma das prateleiras. Pegou duas taças no armário e abriu o vinho servindo à Lívia que tomou a taça e brindaram, o primeiro gole foi feito com uma intensa troca de olhares. Lívia dispôs a taça sobre a pia onde preparava o arroz.

— Eu senti muita falta disso Ana.

— Eu imagino. Mas agora eu estou aqui. – beijou o rosto da professora –

— E linda como sempre. Eu não sei se eu vou conseguir esperar o jantar. – retribuiu o beijo mas na boca –

— Pode parar então mocinha, eu estou morrendo de fome e sua comida está com um cheiro ótimo.

— Está pronta, senta lá na mesa que eu levo pra você.

— Não vai me deixar ajudar? – abraçou a professora por trás –

— Não, deixa por minha conta.

— O que é? – olhava sobre o ombro de Lívia –

— Vai. – expulsava a mais nova da cozinha –

Ana pegou a garrafa e as taças e levou para a mesa que já estava posta, havia um arranjo de flores naturais que perfumava o ambiente colocado no centro da mesa de vidro. Sentou e ficou esperando a professora voltar para a sala, Lívia trazia uma travessa com uma lasanha a bolonhesa, acomodou a travessa sobre um descanso de cortiça e voltou à cozinha para pegar o arroz e colocou sobre outro descanso igual.

— Está servido. Eu espero que você goste.

— Vamos lá.

As duas mulheres colocaram-se à jantar, entre uma brincadeira e outra, a noite corria leve e solta, coisa que Ana Paula nunca teve com Gisele, tudo com a ex namorada era muito complicado, ela não gostava de nada e levava Ana junto com essa depressão.

Depois do jantar, as duas terminavam de beber o vinho, sentadas no sofá. Estavam soltas pelo efeito do álcool. Lívia olhava sensualmente para a namorada, pousou a taça sobre a mesa de centro e se aproximou de Ana que fez o mesmo.

Sem palavras, os olhares se sustentavam, o silêncio não era constrangedor, era sedutor, a atmosfera era completamente sensual, Lívia fez um carinho no rosto de Ana, as duas se inclinaram e se beijaram, Lívia segurava o rosto da namorada entre suas mãos e Ana pousava a sua na coxa da professora, a outra segurava sua nuca.

O beijo cessou, elas se olhavam, apenas curtindo aquele momento de reconciliação, de redescoberta, de entendimento. A professora sorria, estava feliz, pensava que dessa vez Ana Paula estava mais madura mais decidida e a ausência de Gisele a deixava mais tranquila. Ana por sua vez, tentava se entregar ao amor que a professora lhe oferecia, estava com convicção de que tomara a decisão correta.

— Vem comigo. – Lívia segurava a mão de Ana –

— Onde você quer me levar? – inclinava a cabeça sobre o sofá –

— Para a cama. – sussurrava –

Ana lembrou-se que estava no apartamento de Adriana, novamente a morena povoava seus pensamentos. Sentiu novamente um desconforto por fazer amor na cama onde teve momentos íntimos com a contadora. Seu semblante mudou e Lívia percebeu o incômodo da loira.
— O que houve minha linda? Algo te incomoda?

— Lívia, o quarto de Adriana, eu não acho certo.

— Meu amor, você é minha namorada agora, não estamos fazendo nada de errado, vocês viveram um momento e agora acabou, não fique assim.

— Eu não sei, eu fico desconfortável com isso. É como se eu estivesse desrespeitando a casa dela.

— Mas não é ela que está morando aqui Ana, olha para mim, essa mulher ainda está dentro de você, eu posso ver isso pelo desconforto que você está citando agora, eu pensei que você tinha superado isso, mas pelo visto você ainda não sabe o que quer.

Lívia levantou do sofá visivelmente magoada, Ana se punia mentalmente por ter desfeito o clima tão leve que pairava pelo ambiente minutos atrás. Levantou atrás da namorada, a alcançou na cozinha, enquanto ela pegava outra garrafa de vinho. A abraçou por trás e enterrou o nariz em seu pescoço, sentindo o perfume que seus cabelos exalavam.

— Lívia me desculpa, eu não tive a intenção de te magoar. – falava ao pé do ouvido –

— Ana você tem que entender que se você optou por ficar comigo você tem que tirar essa mulher da sua cabeça.

— Eu sei, ela não está na minha cabeça – pensou consigo mesma: ela ainda está no meu coração, ai o que eu faço? — eu só preciso de um tempo para ficar mais a vontade aqui.

Lívia suspirou, virou para ficar de frente para a loira e a encarou com firmeza, Ana sentiu medo pela expressão da professora.

— Ana Paula, você me procurou e disse que quer ficar comigo, essa é a sua última chance. Se você vacilar não terá volta.

— Eu sei Lívia, eu não vou vacilar. – abraçou a professora e a trouxe mais perto – Me beija. – seu pedido era sensual –

Lívia atendeu ao pedido da advogada, e a beijou, a insegurança tomava conta do casal, que aprendia a se reconquistar, aprendia a confiar novamente no sentimento que as envolvera anos atrás. Seria possível que esse sentimento volte a crescer dentro do peito de Ana Paula? A professora assumiu o risco e queria acreditar que sim, embora todos os sinais ainda mostrem que ela não esqueceu totalmente Adriana.

***********************

Em Boston, a rotina de Drica começava a se desenhar, entre as aulas do mestrado e as reuniões com o seu orientador. Como já estava praticamente recuperada, começou a frequentar a academia novamente com o acompanhamento da fisioterapeuta que cuidou dela no primeiro ano em Harvard.

Sua colega de quarto se mostrava uma moça muito tranquila e centrada, diferente de Viviane, mas com a maturidade de seus vinte anos. Adorava tocar nas horas vagas, o que Adriana gostava, pois amenizava sua solidão.

Adriana chegava ao quarto depois de malhar no fim do dia, trazia um lanche nas mãos para comer depois do banho, encontrou Renata em sua mesa estudando.

— Oi.

— Oi. – olhou para a contadora –

— Suas aulas já começaram? – perguntava Drica tentando fazer amizade –

— Já sim, hoje eu já tive aula de introdução ao Direito. Eu estou meio enrolada com o Inglês, eu achei que eu estava bem, mas hoje eu percebi que eu vou ter problemas para acompanhar o pessoal.

— Não se preocupe, isso é só no início, depois você se acostuma com o ritmo deles e acompanha bem. – jogava a bolsa de ginastica no chão – Ai, eu estou morta, até recuperar o ritmo eu vou ficar toda doída.

— Você estava sem malhar? – virou para encarar a contadora –

— Eu fiquei mais de um ano sem malhar, eu sofri um acidente de moto e eu tenho uma barra de titânio na perna, eu voltei a malhar essa semana com acompanhamento da fisioterapeuta daqui da universidade.

— Caramba, então foi sério o seu acidente. – estava penalizada –

— Sim, foi sério. – lembrou-se de tudo o que passou após o acidente – Foi quase um ano de recuperação.

— Nossa, eu não posso imaginar algo assim, ter que parar de correr, minha vida não ficaria completa se eu não pudesse competir. – voltou a escrever –

— Eu posso imaginar. – olhava um ponto fixo no quarto –

Adriana saiu do momento torpe que se encontrou e foi tomar o seu banho, ao sair estava apenas de calcinha e camiseta, estava tão acostumada a essa intimidade que foi conquistada com Viviane que se esqueceu completamente que a nova colega não estava acostumada ao seu jeito peculiar de se vestir dentro do quarto, geralmente com pouquíssimas roupas.

Renata olhou as vestimentas da colega de quarto e se assustou com a visão, ao mesmo tempo ficou impressionada com o corpo sarado de Adriana, pensou em como ela conseguiu manter a forma por tanto tempo sem frequentar a academia.

Adriana percebeu o olhar da colega sobre si, e se deu conta que estava com partes do corpo demais sem roupas, rapidamente pegou um short na gaveta e o colocou.

— Desculpe Renata, eu esqueci que você não está acostumada comigo ainda. Eu não quero te deixar desconfortável. – secava os cabelos com a toalha –

— Tudo bem. – ria – Eu estou acostumada com isso, são anos dormindo em alojamentos quando eu saio para competir, vestiários, um bando de mulheres nuas falando de roupas e maquiagem. – ria –
— É que eu e a Vivi, minha antiga colega de quarto nos entrosamos tão bem, — um sorriso maroto surgiu com a lembrança de Viviane — nos acostumamos com essa intimidade. Eu por um momento esqueci que não era ela.

— Não se preocupe, está tudo bem.

— Você não mora sozinha?

— Não, eu moro com meus pais, quando não estou competindo, aí é sempre viagem coletiva, um monte de mulher em um alojamento, ou quartos com pelo menos quatro camas. Eu não estou acostumada a ter privacidade.

— Entendi. Eu moro sozinha desde os dezoito anos, então eu acabei criando hábitos individualistas.

— Entendo. Você namora Adriana?

— No momento não. Eu estou solteira, eu preciso me recuperar do meu ultimo amor.

— Foi problemático?

— Você não tem ideia! – revirou os olhos –

— Eu estava saindo com um carinha lá em Sampa, mas como eu vim para cá eu dispensei. Não adianta insistir, esse negócio de relacionamento a distancia não é comigo.

— Entendi. – ria –

— O que o seu namorado fez com você? Ele te traiu?

— Não, eu não estava namorando, mas ela é uma pessoa muito complicada.

— Ela?

— Sim, eu sou lésbica.

Renata arregalou os olhos assustada com a revelação de Adriana e não conseguiu falar mais nada.

— Renata, relaxa, eu não vou te atacar durante a noite, eu não pretendo me envolver com ninguém nessa viagem. – pegava o lanche – Você quer?

— Não, não. Obrigada. – ainda sem reação – Eu não pensei que você me atacaria, é que você é tão bonita, eu não poderia imaginar. – estava boquiaberta –

— Eu sei, muita gente tem a imagem de uma mulher masculinizada, que usa boné virado para trás com bermudão e jeito de homem, mas nem tudo na vida é aparência. – mordeu um pedaço do sanduíche —

— Eu concordo com você nesse ponto, não podemos julgar as pessoas pelas aparências, mas sim pelo seu caráter. – a menina estava sentada de frente para Adriana –

— Isso ai. – comia o lanche –

— Bom, eu vou deixar você comer em paz. – virou novamente para a mesa –
Adriana continuou comendo o seu lanche, enquanto Renata se perdia em pensamentos, nunca imaginaria que aquela mulher tão feminina poderia ser lésbica, incrível como a visão nos prega peças.

Aquela conversa trouxe lembranças para Adriana, recordar o acidente era recordar Ana Paula, a loira ainda povoava sua mente e seu peito, as palavras de Ana Paula ainda ecoavam em seus pensamentos, “—Não, eu não te amo.” A dor era quase palpável. Mas ela ainda tinha esperanças de se recuperar desse amor e se fazer inteira para acolher Mariana, ah Mariana, um sorriso sapeca saltou de seu rosto, aquela mulher mexia com ela, e era a esperança de dias melhores para aquele coração que tanto sofreu por amor.



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