Ana Paula passava os casos para Claudinha e ficaria apenas monitorando o escritório, seu pai se ofereceu para cuidar de tudo quando se aposentasse da diplomacia.

Já tinha visto os documentos para a contratação na promotoria, foi avisada que teria que trabalhar uma temporada em São Paulo para cumprir o estágio, e depois poderia voltar para o Rio.

Isadora tinha contado sobre o problema que Adriana passava com o seu pai e a advogada queria ligar e conversar com a morena, mas a amiga também contou sobre a briga que aconteceu no réveillon por causa do telefonema que Drica atendeu então ela resolveu se afastar de vez.

Mas o destino sempre se encarrega de unir as duas mulheres. Adriana aproveitava a ausência de sua mãe no hospital para visitar Antero que estava internado novamente para uma nova sessão de quimioterapia.

Ana Paula foi ao hospital para fazer exames de rotina, já que ficaria seis meses fora, trabalhando em São Paulo. Por um acaso do destino, Ana errou o andar e foi parar na ala de internação, caminhava pelo corredor procurando a sala de exames, e acabou rendida a perguntar para uma enfermeira qual era o local que faria o procedimento. Ao que foi informada que estava no andar errado, quando voltava para o elevador, esbarrou com a morena saindo do quarto do pai.

Ana Paula tropeçou em Drica e o celular voou de sua mão, a contadora com habilidade pegou o aparelho no ar e sem querer apertou uma tecla que acendeu o visor e ao olhar para a tela reconheceu a dona dele e do seu coração. Levantou a cabeça e encontrou com o olhar azul de Ana Paula, que ficou paralisada com o encontro com Drica.

Uma troca de olhares intensa se formou, Adriana olhou novamente a foto e percebeu que Ana não estava sozinha nela, a loira estava com Adriana, era uma foto antiga de um dia na praia que as duas passaram com as amigas. Adriana ficou espantada e ao mesmo tempo balançada, entregou o aparelho para Ana que agradeceu.

— Ana?

— Obrigada Drica. – pegou o celular –

— O que você está fazendo aqui? – perguntou preocupada –

— Eu vim fazer alguns exames e acabei me perdendo – revirou os olhos – Vim parar no andar errado.

— Mas você está bem?

— Sim é só rotina, e você está bem?

— Sim, eu vim visitar o meu pai. – disse a última palavra com hesitação –

— Eu não sabia que ele estava internado aqui. – guardou o celular no bolso – É leucemia não é?

— Sim, ainda não conseguimos uma medula compatível para fazer o transplante, eu não sei até quando ele vai aguentar. – dizia tristonha–

— Ele vai ficar bem. – teve vontade de abraçar a morena –

— É vai sim. E o concurso? Já está integrada na promotoria?

— Ainda não, eu vou passar seis meses em São Paulo pra depois vir definitivamente para cá.

— Então você vai embora do Rio? – o coração apertou –

— Sim, mas só por um semestre, depois eu volto.

— Boa sorte então, eu preciso ir. – Adriana sentia o perfume da loira a invadir o seu olfato e estava ficando louca –

— Foi bom te ver.

— Igualmente.

O contato visual permanecia, as duas não tinham vontade de se desgrudar, mas era necessário. Ana conseguiu achar o local do exame que faria, e teve uma vontade enorme de ajudar Adriana, quando terminou de fazer o procedimento que tinha agendado, ela se informou como faria para fazer o teste para compatibilidade de medula, o que ela marcou para voltar no dia seguinte para fazer.

Adriana não conseguia conter a emoção, tinha os olhos lacrimejando, não chorou, mas ficou tocada ao ver sua foto no celular da loira, ainda amava aquela mulher.

— Minha nossa, será que eu nunca vou te esquecer? – se perguntava em voz alta –

******************

Janeiro passava devagar, o mês de férias para alguns e recomeço para outros estava na metade.

Adriana estava em seu apartamento se preparando para sair para o escritório quando Felipe ligou, ele estava feliz, Adriana estranhou.

— Alo.

— Drica, bom dia. Eu tenho uma notícia ótima para te dar.

— O que foi fedelho? – pegava as chaves do carro –

— Papai vai fazer o transplante. Encontraram uma medula compatível para salvá-lo.

— Ai eu não acredito, que felicidade! — parou de andar no meio da sala – e quem é essa pessoa? É daqui?

— Eles não costumam dizer. Primeiro vão contatar a pessoa para conversar e explicar o procedimento e ver se ela vai concordar em fazer a doação.

— Então quando isso acontecer me avisa.

— Eu aviso sim, pode deixar.

Os irmãos se despediram e Adriana seguiu para o escritório tinha uma reunião com os diretores do grupo Pão de Açúcar, eles queriam contratar o serviço de auditoria que a morena oferecia depois de voltar de Harvard.

Foi direto para a reunião e passou a manhã inteira conversando com os executivos do grupo e voltou otimista com a proposta oferecida, era apenas aguardar a aprovação do setor financeiro para começar o primeiro trabalho depois da pós.

De volta ao escritório, conversava com as amigas sobre a proposta e a metodologia de trabalho que usaria. Até Alessandra soltar uma pérola daquelas.

— Pois é Paulinha, eles aceitaram o valor que nós propomos e vou trabalhar por amostragem, a quantidade de informações é muito grande, levaria anos para concluir um trabalho como esse.

— Entendi Drica, então qual o prazo estimado? – fazia anotações –

— Eu calculei de quatro a seis meses. Eu vou ficar três dias por semana dentro do escritório geral deles e os outros dias eu trabalho aqui normalmente. – amarrava o cabelo em um rabo de cavalo – Vou dividir algumas tarefas com Vivi e se ficar apertado ai pra vocês, contratamos outra estagiária.

— Qual é o nome do grupo mesmo Dri? – Viviane perguntava –

— Grupo Pão de Açúcar.

— Caramba, eu nunca imaginei que o bondinho desse tanto dinheiro assim! – Alessandra comentou despretensiosamente –

As amigas se olharam e explodiram em uma grande gargalhada. Alessandra largou a caneta sobre a mesa e as interrogou indignada.

— Porra, o que eu fiz agora? – cruzou os braços –

— Ale, nós não estamos falando do morro do Pão de Açúcar onde tem o bondinho, é o grupo de supermercados Pão de Açúcar! – Drica jogou uma bolinha de papel na amiga –

— Supermercados? Ah sei qual é, lembrei agora!

— Ai Alessandra, só você mesmo. – Paula balançava a cabeça –

— Ah gente, deixa eu contar a novidade para vocês.

— Que novidade? – Ale sempre curiosa –

— Encontraram uma compatibilidade para o meu pai.

— Então ele vai fazer o transplante? – Viviane perguntava –

— Ainda não sei, primeiro eles fazem contato com a pessoa para explicar o procedimento e a pessoa tem que aceitar fazer a doação.

— Entendi, mas pelo menos tem uma luz no fim do túnel não é Dri.

— É sim.

— E você conversou com ele?

— Não Paula, eu falei com Felipe, ele achou melhor não falar nada com papai agora, ele está muito fraco e debilitado, mas assim que esse transplante acontecer e ele se recuperar, eu vou jogar a merda no ventilador, e eu quero ver a pompa da dona Catarina cair por terra.

— Vai com calma amiga, sabe que sua mãe é uma mulher difícil.

— Eu sou pior, como ela mesma disse. – disse com rancor —

— Esquece o que ela disse, ela falou isso para te ofender, não ligue para ela.

— Eu tento Paula, mas sabe como é difícil.

— Eu imagino.

— Mas vamos voltar ao foco principal, Vivi, senta aqui comigo que eu vou te passar o briefcase do grupo para começarmos a trabalhar.

— Vamos lá amiga, vamos arrasar com eles. – batia palmas no ar –

–E Alessandra, não vai pular do bondinho hein! – todas riam –
***************
Felipe avisou a Adriana que o inicio do procedimento para o transplante de medula de seu pai seria feito na segunda-feira, e a morena se programou para ir ao hospital, já deixou todo o trabalho adiantado no sábado e no dia marcado ela estava no hospital para acompanhar o procedimento.

Ao chegar encontrou Felipe a esperando no estacionamento.

— Oi irmão! – beijou o rapaz no rosto –

— Drica antes de entrarmos, eu quero saber com você o que aconteceu entre você e mamãe?

— Felipe eu não quero entrar nesse assunto.

— Mas eu quero saber, ela está muito estranha ultimamente, e eu sei que você foi falar com ela, mas não me contou nada.

— Felipe, não sou eu quem tem que te contar nada, é ela. – dizia com desgosto –

— Eu achei que você ia me avisar pra eu ir contigo. Mas ela te falou a verdade?

— Falou, nua e crua. Ela me odeia, e eu não sou filha dele mesmo. – sua voz era carregada de mágoa –

— Por que você não me disse? – segurou o ombro da irmã —

— Felipe, a conversa não foi amigável, e eu descobri coisas que são além da nossa imaginação. Você se surpreenderia.

— Mas ela disse quem é o seu pai?

— Ele está morto, meu pai é o Antero, ele que é o meu pai.

— Ele morreu mesmo? – coçou a cabeça –

— Morreu Felipe, não foi sarcasmo. – revirou os olhos —

— Nossa, mas que coisa, vocês não estão se falando desde então?

–Não, eu não quero nada com alguém que tentou me abortar, eu estou fazendo um grande favor a ela.

— Mamãe fez isso? – afagou suas costas – Eu não consigo acreditar.

Adriana apenas balançou a cabeça positivamente, o irmão a abraçou e a morena sentiu lágrimas se formando em seus olhos. Tratou de se afastar do irmão para não começar a chorar ali no pátio do hospital.

— Vamos entrar Felipe, eu quero falar com papai antes de começarem o procedimento.

— Vamos lá, mas já vou te avisando, mamãe está ai e com uma amiga.

— Amiga? – se espantou –

— É, uma tal de Marina. – Adriana se arrepiou ao ouvir o nome da amante da mãe – Elas agora só vivem juntas para cima e para baixo.

— Sei. – revirou os olhos –

Os dois caminharam pelos corredores até chegarem ao quarto do pai, Adriana quando entrou viu Catarina e Marina conversando na janela e Antero sendo preparado para ir para a sala de cirurgia fazer o procedimento. O olhar de Adriana para as duas mulheres foi de total reprovação, Catarina ficou muda, empalideceu com medo da filha contar seu segredo para todos no quarto.

Mas Adriana se manteve em silêncio, não as cumprimentou e foi direto à cama do pai.

— E ai Tigrão! Animado? – deu um beijo em sua cabeça –

— Muito minha filha! Meus cabelos vão crescer de novo. – passava a mão na careca –

Adriana riu do pai e Felipe acompanhou. – Mas pai, você já estava ficando careca.

— Ah isso é só um detalhe minha filha! – bateu a mão no ar –

O médico entrou no quarto e cumprimentou a todos. Avisou que o procedimento seria iniciado em alguns minutos e Adriana estava curiosa para saber quem era o doador.

— Doutor eu gostaria de saber quem foi o doador. – perguntava ao médico no canto do quarto –

— Depois que o procedimento acontecer nós podemos ver com a pessoa se ela aceita conversar com você.

— Obrigada Doutor.

Alguns enfermeiros chegavam para pegar Antero e levar ao centro cirúrgico para realizar o procedimento, será introduzido um cateter venoso para receber a quimioterapia responsável pela destruição das células cancerígenas e preparar o corpo para receber a nova medula.

Antero foi levado e Adriana ficou com Felipe no quarto, Catarina e Marina saíram para a lanchonete e Adriana as acompanhou com o olhar de desgosto. Felipe percebeu o clima ruim, mas preferiu não tocar no assunto novamente.

Depois de algumas horas Antero voltava para o quarto, ele estava sedado ainda e Adriana não pôde mais ficar, saiu deixando Felipe com o pai. Passou pela mãe que estava no corredor e esta veio atrás da filha.

— Adriana, você falou alguma coisa para o Felipe? –segurou o braço dela –

— Me solta ou eu grito. – olhava com raiva –

Catarina soltou seu braço, e deu um passo atrás. Adriana voltou a caminhar, não queria conversar com sua mãe. Mas ela insistiu.

— Adriana, você falou alguma coisa?

— Não Catarina, eu não falei nada, mas você abusou trazendo essa mulher aqui hoje. – disse irritada –

— Ela está me ajudando a passar por esse momento tão difícil Adriana! É ela que está do meu lado.

— Porque você me odeia, senão eu estaria também. – dizia entre os dentes — Você está passando dos limites com isso, já não basta trair o meu pai, ainda tem que passar sua amante na cara dele? – falava mais baixo —
Felipe chegava no corredor procurando a mãe e escutou as acusações de sua irmã, ele ficou irado e foi tomar satisfações.

— O que você está falando Adriana? — chegou brutamente –

— Felipe, meu filho, o que você está fazendo aqui fora? – Catarina se desesperou –

— Mamãe do que Adriana está falando? – encarava sua mãe com o semblante fechado –

— Felipe aqui não é lugar para isso, nós estamos no hospital. – Adriana tentava persuadir o irmão –

— É o melhor lugar, que história é essa de amante mamãe? – cruzou os braços –

— Sua irmã está tentando nos afastar meu filho, não acredite nisso! Tentava abraçar o rapaz mas ele se esquivava –

— Ela não sabia que eu estava ouvindo, ela é sua amante? – apontou para Marina –

Marina se assustou ao ver a fúria do rapaz, percebeu que seu segredo estava caindo por terra aos poucos. Mas ainda assim, não falou nada.
— Felipe, por favor. – Catarina se desesperava –

— Adriana fala a verdade! – olhou para a irmã –

Adriana balançou a cabeça positivamente, o rapaz devolveu o olhar para a mãe com decepção.

— Então aquela cena toda com a Drica foi para esconder que você é lésbica, assim como ela? Mas como?

— Felipe, por favor.

Algumas pessoas olhavam a discussão dos três, Adriana já estava incomodada com a exposição que Felipe estava provocando.
— A nossa vida inteira você nos tratou diferente, e eu não sabia por que, Adriana não é filha dele, tudo bem. – Catarina se espantou por ele saber disso – Mas o seu recalque por conta da sexualidade dela foi ridículo.

— Felipe para com isso! Isso aqui é um hospital. – Adriana estava incomodada com as pessoas olhando para os três – Vamos lá pra fora! – saiu arrastando irmão –

Chegando ao estacionamento, Felipe estava transtornado. Catarina foi atrás dos dois e o rapaz estava fora de si.

— Então quer dizer que você está traindo o meu pai debaixo do nariz dele, Adriana sofreu horrores por causa de um preconceito idiota que era só pra esconder seu segredinho sujo? – gesticulava intensamente –

— Felipe se acalma! – Adriana segurava o seu braço –

— Solta meu braço Adriana! – se soltou –

— Felipe não fale assim comigo, eu sou sua mãe! – levantou o dedo para o rapaz –

— Não levanta o dedo pra mim! Você é uma recalcada, isso sim! Além de maltratar Adriana, ainda traz sua amante para o hospital que meu pai está internado?

— Fala baixo Felipe! – Catarina estava apavorada –

— Eu falo do jeito que eu quero! Está com medo das suas amigas do clube descobrirem que você é lésbica?

Catarina desferiu um tapa no rosto do filho e logo em seguida se afastou com as mãos na boca, estava transtornada, Felipe apenas olhava para a mãe. Todo aquele castelo de areia que Catarina construíra durante anos de casamento estava ruindo.

— Felipe, vamos embora! – Adriana puxava o irmão –

— Teria sido muito mais honesto da sua parte se você tivesse contado e aceitado Adriana, você abominou sua filha enquanto na verdade você é igual a ela,– levantou o indicador para sua mãe — eu nunca iria te julgar mãe, mas você cavou sua própria cova, agora vai ter que se enterrar sozinha. – o rapaz não parava de falar –

Catarina chorava e Marina apenas observava de longe para não se meter na briga que era de família, Adriana arrastava Felipe pelo braço para fora do estacionamento do hospital. O rapaz se soltou da irmã e caminhava firme irritado.

— Adriana você sabia disso? – passava a mão no rosto –

— Eu descobri no dia que eu fui lá, as peguei no flagra.

— Por que você não me disse? Essa mulher já veio aqui inúmeras vezes. – gesticulava nervoso –

— Felipe, eu não tinha que fazer nada disso, ela que tem que tomar uma atitude e falar a verdade, eu já sofri demais com isso Felipe, eu não quero mais saber dessa história.

— Me conta tudo o que aconteceu nesse dia Adriana, agora.

Cansada de lutar contra o irmão, Adriana relatou tudo que viu e a conversa que teve com sua mãe, Felipe ficou transtornado ao saber que sua mãe fora estuprada e entendeu o motivo da raiva que ela sente por Adriana.

— E eu nem sei se ele sabe que não é o meu pai, por isso eu não quis fazer um escândalo agora, ele precisa se recuperar e isso não vai ajudar Felipe.

— Puta que pariu Adriana, como isso aconteceu? – chorava – Você é filha do marido da amante dela?

— Sim. Eu não sei quem eu sou Felipe, a sensação que eu tenho é que eu sou uma alma vagando sem origem. Tudo que eu pensei que era correto desmoronou. – chorava também – Eu não sei de quem eu herdei esse caráter já que pelo visto meu pai era um marginal e mamãe uma dissimulada.

— Você aprendeu muito cedo a se virar sozinha Drica, nem sua comida ela colocava que eu lembro, eu entendo que você esteja muito magoada, mas ela também sofreu pra caramba, ela foi violentada Drica.

— E deixou esse canalha solto porque não quis assumir um relacionamento homossexual Felipe, se ela fosse se separar mesmo do papai, por que não denunciou o cara? Resolveria o problema, mas você acha mesmo que ela ia perder o mole que tinha pra viver de amor com essa mulher?

— Olhando por esse lado, você tem razão. – estavam encostados no muro do hospital – Era só denunciar o cara e ele seria preso. Ia deixar o caminho livre para a ex mulher viver com mamãe e ela poderia ter se separado de papai.

— Só que não, foi mais fácil para ela usar essa desculpa e manter as aparências do que ir viver a vida dela.

— Eu não sei o que fazer Drica.

— Conversa com ela. Depois que você esfriar a cabeça.

— O que? Como assim? – olhou espantado para a irmã –

— Vai lá e conversa com ela Felipe, ela é sua mãe, pelo menos você ela desejou ter, eu que sou a renegada da família, ela ainda é sua mãe e sempre será.

— Não fala assim mana, — abraçou Drica – você é minha caçulinha que eu amo tanto. – beijou sua testa –

— Vai lá Felipe, eu preciso ir trabalhar.

— Eu vou trabalhar também, depois eu converso com ela, você vai ficar bem? – fez um carinho –

— Sim, eu vou ficar bem. – sorriu –

Felipe deu outro beijo na irmã e caminhou para dentro do hospital para pegar o carro, Adriana foi pegar o carro para ir trabalhar, estava com a cabeça a mil por hora, e antes de pegar a ponte, resolveu relaxar no único lugar onde se sentia viva, sentada com os pés na areia olhando o mar.

Dirigiu até a região oceânica de Niterói e sentou em uma cadeira em um dos quiosques da praia de Camboinhas, o local estava relativamente cheio para uma segunda-feira, as férias escolares estavam no auge e o calor promove esse cenário.

Adriana retirou as sandálias e colocou os pés em contato com a areia fina e clara lhe trazendo uma paz quase palpável. Era como um carregador que revitaliza suas energias. Fechou os olhos e apenas sentia a brisa bater em seu rosto para tentar relaxar.

Pediu uma água de coco ao rapaz que veio lhe atender e ficou olhando as crianças que brincavam com uma bola próximo de onde estava.

Ela estava completamente distraída, quando sentiu uma mão leve tocando seu ombro, ela se assustou e acabou derrubando o coco na areia. Viu uma Ana Paula dentro de uma saída de praia leve, branca com óculos escuros que ela levantou e colocou na cabeça revelando seus olhos brilhantes encarando a morena enquanto se abaixava e recuperava o coco de Adriana.

A morena ficou assustada com a coincidência, logo atrás apareceu uma Camila muito animada e a reconheceu. Ana não deixou de encarar o olhar castanho e sem brilho da morena em nenhum momento.

— Adriana! – Camila chegou – Que coincidência você aqui! – beijou a morena –

— Oi Camila, tudo bem? – desviou o olhar para a garota –

— Tudo bem, deixa eu te apresentar, essa é nossa outra irmã, Alana. É a caçula da família.

Adriana cumprimentou a garota e percebeu traços parecidos com Ana Paula, estava completamente sem jeito.

— Oi Drica. – Ana sorriu –

— Tudo bem Ana?

Ela apenas balançou a cabeça, percebeu que Adriana estava de calça social e uma camiseta de seda, viu as sandálias jogadas embaixo da mesa e imaginou que a morena não estava ali por diversão.

— Camila eu já vou encontrar vocês.

— Tudo bem, depois a gente conversa Drica. – Camila entendeu que Ana queria ficar sozinha com Adriana —

— Tchau.

As meninas se afastaram e Adriana ficou de pé encarando o rosto fino e angelical da loira. Ana logo perguntou se ela estava bem.

— Drica você está bem? Parece abatida.

A morena sentou novamente na cadeira e começou a tirar a areia do coco. Ana Paula sentou na outra cadeira de frente para ela e a encarou esperando a resposta. Adriana olhou para aqueles olhos azuis reluzindo a luz do sol e resolveu se abrir. Precisava desabafar.

— Ana eu não sei mais quem eu sou. – disse olhando para o mar –

— Por que diz isso? – colocou a bolsa sobre a mesa –

— Aconteceu muita coisa na minha vida, eu descobri coisas sobre a minha mãe e sobre mim. – sua voz embargou –

— Ei, só conte se quiser. – segurou a mão da morena –

Adriana percebeu o toque da loira e puxou a mão para si, retirando do alcance da advogada. Ana apenas recolheu o braço. Aquele toque não era seguro.
— Ana, meu pai não é meu pai biológico, eu descobri quando fiz o exame de compatibilidade para o transplante de medula que ele precisa. – levantou a mão chamando o garçom do quiosque –

— Sério? – realmente não sabia disso – Mas você perguntou à sua mãe quem é o seu pai?

— Ai que mora o problema. – apontou para o coco – Traz mais dois por favor? – pediu ao rapaz – Eu fui atrás da minha mãe para pedir explicações e quando cheguei na casa dela ela estava com a amante.

Ana ia falar algo mas retrocedeu assim que caiu a ficha do que Adriana havia contado.

— “A” amante? Sua mãe é amante de uma mulher? – seu queixo estava caído –

— Sim.

— Menina, eu estou bege! – ajeitou os cabelos em um rabo de cavalo –

— Pois é, imagina eu! Imagina a minha cara quando vi uma mulher chamando minha mãe de meu amor enrolada em um robe no meio da sala do apartamento!

— Eu não consigo imaginar. Então aquele preconceito todo era medo de descobrirem que ela é lésbica também?

O garçom trouxe o pedido de Drica e acomodou os dois cocos na mesa, a morena bebeu um gole e voltou a falar.

— Pois é, ela tem um caso com uma mulher, e isso vem de anos, não é de agora não. – apontou o coco para a loira —

— Eu estou passada! Mas e o seu pai? Ela disse quem é? – bebeu um gole da água —

— Ele faleceu ano passado, era o marido da amante dela, ele a violentou para que ela desistisse de ficar com a mulher dele e ela engravidou de mim. – seu olhar se perdia no mar –

— Nossa, mas que horror. – Ana percebeu mágoa em Adriana — Por isso você reclamava que ela não te dava muita atenção. – lembrou-se de uma conversa que teve com a morena sobre família –

— Pois é, descobri da pior forma Ana, ela disse na minha cara que me odeia desde o primeiro momento que descobriu que estava grávida. – seus olhos marejaram –

Ana sentiu pena da morena que estava ali tão frágil e triste e seu peito apertou em um nó com toda vontade que ela estava de abraça-la. Não quis pensar se isso faria algum mal, mas arrastou sua cadeira até a morena e a abraçou.

Adriana recebeu aquele abraço com ternura e todo aquele amor que tinha guardado no peito voltava a se manifestar, sentir a loira tão perto era o céu. As lágrimas teimaram em cair pelo seu rosto molhando o ombro da advogada.

Ana se afastou e arrumou os cabelos de Adriana que caiam sobre o seu rosto, e olhava para a amada.

— Ela disse que tentou fazer aborto, e eu resisti, ela nunca quis que eu nascesse Ana. – dizia com a voz embargada –

Ana fazia um carinho em seu rosto e sentiu o coração doer quando a morena contou isso.

— Eu não sei o que seria de mim se ela tivesse conseguido o que queria. – se emocionou também –

Adriana observava a expressão da advogada que olhava para ela com o olhar decidido e completamente diferente do que ela conhecia de Ana Paula, começou a imaginar que a loira realmente havia mudado e tinha se tornado a Ana Paula que ela sempre sonhou.
— Eu gostaria de fazer alguma coisa para tirar todo esse sofrimento do seu peito, eu trocaria de lugar com você se fosse preciso para não te ver desse jeito.

— Infelizmente não há o que fazer Ana, eu cresci acreditando em uma mentira, eu não sei quem eu sou mais, minha mãe me odeia e meu pai de verdade pelo que eu ouvi era quase um marginal. —limpou uma lágrima que escorria em seu rosto – Eu perdi minhas referências sabe. Eu sinto como se estivesse sozinha no mundo.

— Você não está sozinha Drica, — segurou as mãos da morena – Você tem amigas que te amam, seu irmão é louco por você, e você tem a mim, eu estou do seu lado para o que você precisar, como advogada, como amiga e como mulher. Eu te amo e quero que você seja feliz. – seu olhar era terno –

Adriana sorriu para a mulher que ama e sentiu o coração acelerar, seu corpo dava sinais de saudade e sua vontade era se aninhar em seu peito e curar suas mágoas, mas decidiu ir embora para não ceder à tentação.

— Obrigada Ana, eu preciso ir trabalhar, já estou aqui há muito tempo, obrigada por tudo.

Ana apenas sorriu para a morena e se afastou para ela sair.

Adriana levantou e Ana a acompanhou, se abraçaram e Adriana deu um beijo no rosto da loira. Pagou a conta no quiosque e foi embora.

Ana foi ao encontro das irmãs e passou o dia na praia curtindo os últimos dias de férias que tinha antes de viajar para São Paulo para fazer o estágio para a promotoria.

Adriana dirigiu até o escritório para mais um dia de trabalho com as amigas, nada como ocupar a mente para não pensar em coisas sem sentido. Seu mundo estava completamente mudado, não sabia mais em quem confiar.



Notas:



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