Meses depois.

Isadora e Viviane tomavam café no apartamento da mulata, a ruiva praticamente se mudou para a casa de Isadora, Vanessa é tão espaçosa que tomou conta do apartamento que o pai delas comprou para as duas. A gêmea terminou com Marcos e logo em seguida o rapaz recebeu uma promoção e se mudou para Santa Catarina.

— Onde está Luciana? Ela não vai tomar café? – Vivi cortava um pedaço de bolo –

— Luciana está de plantão hoje, ela saiu antes de você levantar. – lia o jornal –

Depois que elas terminaram o café da manhã saíram para trabalhar. Viviane encontrou com Adriana no apartamento da morena para irem juntas para o escritório e Isadora aproveitou para pegar uma carona.

As amigas foram conversando enquanto atravessavam a Ponte Rio-Niterói, surpreendentemente naquele dia não tinha engarrafamentos. As amigas chegaram ao trabalho com folga no horário.

Chegando ao andar do escritório, Drica avistou Marina parada na porta, aguardava sua chegada. Entendeu que aquela visita não poderia trazer boas notícias

Viviane previu o mesmo e não saiu de perto da amiga enquanto marina se aproximou para conversar com a morena.

— Bom dia Adriana. – parecia desconcertada –

— Bom dia Marina. – Adriana olhava desconfiada –

Viviane a cumprimentou e ficou esperando a mulher se pronunciar.

— O que faz aqui? Como me encontrou? – retirou os óculos escuros –

— Adriana eu imagino a sua surpresa, desculpe minha intromissão, mas eu pedi o seu endereço ao Felipe. Eu falei com ele ontem.

— Ele não me disse nada. – abriu a porta do escritório – Entra.

Marina entrou e as amigas entraram atrás, Viviane foi até sua mesa e Adriana também deixou sua bolsa no lugar habitual. Encarou Marina e esperou pela explicação que a outra daria.

— Eu não vou tomar o seu tempo, eu só vim porque eu acho que você e sua mãe precisam resolver suas questões, Catarina está doente, está internada em um hospital na Barra, e eu vim te pedir para ir visitá-la.

Adriana levou um choque, sua mãe estava doente e internada no hospital, não recebera mais notícias de Catarina, e ela acabou se acostumando com essa ausência, não pensava mais na mãe como antes, e não ficava mais tentando encontrar motivos para tanto rancor, apenas absorveu a distância e seguiu com sua vida.

— O que ela tem? – sentiu a mão de Viviane em seu ombro –

— Catarina depois do que aconteceu no casamento de Felipe se entregou a uma depressão profunda, não queria mais fazer nada, não saia mais de casa, só queria dormir, e ficava repetindo que não merecia viver, nem ser feliz.

Adriana ouvia aquelas palavras como um punhal perfurando o seu coração, queria que tudo aquilo fosse um pesadelo e que ela acordaria logo em seguida para continuar sua vida normalmente.

— E como ela está agora?

— Aos poucos Catarina perdeu o brilho, a vontade de viver, ela tentou se matar uma vez, tomou uma caixa de remédios com bebida alcoólica, mas eu encontrei a tempo e ela sobreviveu.

Lágrimas surgiram nos olhos de Drica, por mais que tentasse se convencer que Catarina não merecia seu perdão, seu coração de filha não permitia tanta frieza.

— Sua mãe está apresentando sintomas de Alzheimer e está sob os cuidados de uma clínica de repouso na Barra, eu fiz tudo o que eu pude para tentar trazer Catarina de volta, mas eu não consegui. – Marina começou a chorar também –

Nesse momento Paula e Alessandra chegavam para trabalhar, e encontraram o clima estranho, a presença de Marina não lhes deixou confortáveis.

— Alzheimer? – Drica cruzou os braços –

— O que está acontecendo? – Paula perguntou –

— Marina veio conversar com Drica, Catarina não está bem de saúde. – Viviane explicou –

— Ela tem alguns dias bons e outros ruins, em alguns momentos ela está lúcida e em outros está ficando fora do tempo e espaço, começou a esquecer-se de certas coisas, perdia as chaves, trocava uma foto ou um enfeite de lugar e depois dizia que nunca tinha nem visto que aqueles objetos estavam ali. – uma pausa – Eu comecei a observar e percebi essa alteração quando ela me chamou pelo nome da sua avó.

— Entendo. – Adriana estava sem ação –

— Em alguns momentos ela chama por você Adriana, por isso resolvi vir te procurar, vocês precisam se entender, só assim ela terá a paz que tanto precisa.

— Ela nunca se interessou por mim, por que resolveu mudar agora? – uma lágrima teimosa escorreu e Drica tratou logo de secá-la –

— Adriana, a solidão muda as pessoas, e ela se tornou uma pessoa solitária, tenho certeza que Catarina teve bastante tempo para pensar em tudo o que aconteceu entre vocês e percebeu o tempo precioso que perdeu e que agora ela não terá mais de volta.

As amigas presenciavam aquela conversa com pesar.

— Adriana, eu fiz a minha parte, aqui está o endereço e o telefone da clínica, se você quiser ir visitar a sua mãe, eu acho que ela ficará muito feliz em te ver. – colocou o papel sobre a mesa – Eu já vou embora. Boa sorte Adriana.

Marina passou pelas amigas e saiu do escritório, deixando Adriana pensativa. Paula se aproximou.

— Você está bem Drica? – afagou suas costas –

— Não Paula, eu estou péssima. Eu achei que essa mulher nunca mais iria me atingir, e olha só. – apontou para o rosto banhado em lágrimas – Meu Deus, quando isso vai terminar?

— Calma Drica. – abraçou a amiga – Tudo vai se ajeitar, você vai ver.

–Dri, pensa no que a Marina falou, é a hora de você se libertar desse rancor que existe entre vocês. – Viviane afagou os cabelos da amiga –

— Talvez Viviane tenha razão Drica, já passou da hora de vocês conversarem, como mãe e filha. – Alessandra completou –

Drica se desvencilhou de Paula. – Eu sempre tentei conversar com ela como filha, mas ela sempre me tratava como um nada. — limpou o rosto –

— Drica, o perdão é uma dádiva, você precisa ficar em paz, você merece encontrar essa paz.

— Eu vou pensar.

— Quer ir para casa hoje, tirar o dia de folga? – Paula perguntou –

— Não, eu tenho um cliente para visitar. Eu só preciso me recompor.

— Dri, deixa que eu vou. – Viviane se ofereceu – Vai para casa, e descansa um pouco. Liga para Felipe e conversa com ele.

— Não Viviane, não precisa.

— Vai sim, você recebeu muita informação hoje. – Viviane enfatizou –

— Vai amiga, vai conversar com Felipe. – Alessandra completou –

— Liga para Ana, Drica, fala com ela também. – Paula sugeriu –

Adriana sentou em sua mesa e ficou pensando sobre o que fazer. Procuraria sua mãe? Ou simplesmente ignorar os acontecimentos e tentar seguir com sua vida.

— Eu vou te passar o portfólio do cliente Vivi, e depois eu vou para Niterói.
— Tudo bem, vamos lá então.

Depois do almoço Adriana dirigia para casa, no som do carro ela escutava seu sentimento gritando na voz forte da cantora do Evanescence.https://www.youtube.com/embed/vBSehQYRP5E?feature=oembed&wmode=transparent
Missing
Please, please forgive me
But I won’t be home again
Maybe someday you’ll look up
And, barely consious, you’ll say to no one
“Isn’t something missing? ”

You won’t cry for my absence, I know, you forgot me long ago
Am I that unimportant?
Am I so insignificant?
Isn’t something missing?
Isn’t someone missing me?

Even though I’d be sacrificed
You won’t try for me, not now
Though I’d die to know you loved me
I’m all alone
Isn’t someone missing me?

Please, please forgive me
But I won’t be home again
I know what you do to yourself
I breathe deep and cry out
Isn’t something missing?
Isn’t someone missing me?

Even though I’d be sacrificed
You won’t try for me, not now
Though I’d die to know you loved me
I’m all alone
Isn’t someone missing me?

And if I bleed, I’ll bleed
Knowing you don’t care
And if I sleep just to dream of you
And wake without you there
Isn’t something missing?
Isn’t something

Even though I’d be sacrificed
You won’t try for me, not now
Though I’d die to know you loved me
I’m all alone
Isn’t something missing?
Isn’t someone missing me
Sentindo falta

Por favor, por favor me perdoe
Mas eu não estarei novamente em casa
Talvez em algum dia você observará
E, pouco consciente, você dirá a ninguém
“Algo não está faltando? ”
Você não chorará por minha ausência, eu sei, você me esqueceu há muito tempo
Eu sou aquele
sem importância?
Eu sou tão insignificante?
Alguém não está sentindo falta de mim?
Alguém não está sentindo falta de mim?
Embora eu fosse sacrificado
Você não tentará me salvar, não agora
Embora eu morreria para saber se você me ama
Eu estou tão só
Alguém não está sentindo falta de mim?
Por favor, por favor me perdoe
Mas eu não estarei novamente em casa
Eu sei o que você faz a você
Eu respiro profundamente e choro
Alguém não está sentindo falta de mim?
Alguém não está sentindo falta de mim?
Embora eu fosse sacrificado
Você não tentará me salvar, não agora
Embora eu morreria para saber se você me ama
Eu estou tão só
Alguém não está sentindo falta de mim?
E se eu sangrar, eu sangrarei
Sabendo que você não se preocupa
E se eu só dormir para sonhar com você
E se acordar lá sem você
Alguém não está sentindo falta de mim?
Não é algo
Embora eu fosse sacrificado
Você não tentará me salvar, não agora
Embora eu morreria para saber se você me ama
Eu estou tão só
Alguém não está sentindo falta de mim?
Ninguém está sentindo minha falta

— O que eu vou fazer? – pensou alto –

Continuou dirigindo para casa, depois de entrar no apartamento, sentou no sofá e recebeu sua cachorrinha no colo, Pitty era a alegria daquele lar. Fazia um carinho em sua barriga enquanto pensava para quem ligaria primeiro. Pegou o papel com o endereço da clinica no bolso e ficou observando as letras bem escritas na superfície do papel.

Suspirou alto e deixou o corpo cair mais no sofá. Não sentia fome, não sentia nada.

Pegou o celular e olhou para o visor, havia uma mensagem de Ana, que ela não respondera. Estava dirigindo e não ouviu o celular tocando. Ligou para a namorada.

— Oi meu amor, você não recebeu minha mensagem? – caminhava no fórum do Centro do rio –

— Sim, eu recebi, eu vi agora, eu estava dirigindo. – sua voz era desanimada –

— O que houve? Você não me parece muito bem. – chegava à sala de audiência –

— Marina veio me procurar hoje, disse que minha mãe está doente e quer me ver. – fazia carinho em Pitty – Eu vim para casa.

— Ai Drica, o que ela tem? – colocou sua bolsa sobre uma cadeira ao lado da porta –

— Ela está internada em uma clínica de repouso na Barra, está com depressão e apresentando sinais de Alzheimer.

— Nossa, e o que você vai fazer?

— Eu não sei ainda. – levantou e caminhou pela sala –

— Olha, eu tenho uma audiência agora, em dez minutos, mas deve ser rápido, assim que eu sair daqui eu vou direto te encontrar, você vai ficar em casa? – pegou uma pasta na bolsa –

— Sim, eu vou ficar aqui, não vou sair mais hoje. – parou na janela—

— Então eu vou fazer isso, eu te encontro mais tarde. Eu te amo.

— Eu também te amo.

Desligaram, Adriana desanimada, tomou um banho e fez um lanche, deitou na cama e adormeceu depois de rolar por muito tempo pensando na vida.

Ana entrou no apartamento de Drica, já tinha as chaves há algum tempo, estranhou o silêncio, só Pitty veio recebê-la, imaginou que a morena estivesse dormindo. Deixou a bolsa sobre a mesa e caminhou lentamente pelo corredor. A tarde já caía no Rio de Janeiro, foi um dia tenso, nublado, frio, diferente dos dias de verão que Adriana tanto gosta.

Ana caminhou pelo corredor escuro e chegou ao quarto de Adriana, acompanhada pela cachorrinha, avistou sua morena dormindo serenamente. Sua morena, agora ela podia pensar desse jeito, Adriana é sua mulher. Admirou o semblante da namorada, a penumbra do quarto exaltava as linhas firmes do rosto de Drica, Ana comparou aquela visão com a de um anjo, tamanha a delicadeza de sua amada.

Aproximou-se, sentou na cama e beijou os lábios adormecidos de Adriana, mais um beijo e a morena se mexeu. Um terceiro beijo aconteceu e Adriana correspondeu ainda de olhos fechados. A sintonia das duas era perfeita.

— Oi. – Drica disse melosa –

— Oi. Não imaginei que te encontraria dormindo. – acariciava os cabelos emaranhados de Drica –

— Eu deitei aqui para pensar na vida e acabei pegando no sono. – coçou os olhos – Que horas são? – Procurava o relógio sobre o criado mudo.

— São cinco horas, a audiência demorou mais do que eu imaginei.

— Dormir me ajuda a esquecer, acho que eu deixei o sono me levar por causa disso. – sorriu –

— Você falou com Felipe? – abraçou a namorada –

— Não.

— Vamos lá para a sala? – Ana levantou – Vem. – estendeu a mão –

Adriana segurou em sua namorada e levantou ainda preguiçosa. Na sala, Ana acendeu as luzes enquanto Drica escovava os dentes, a morena sentou no sofá e escorregou para deitar no colo da loira que sentara no sofá.

Ana a aconchegou e acariciava seu rosto, Drica se sentia protegida em seus braços e sentia que o seu mundo era ali. Finalmente estava feliz com sua mulher, com sua Ana, seu coração estava repleto de amor e paixão.

De uma hora para a outra se viu novamente envolvida em uma nuvem negra de seu passado, sua mãe voltou para tirar a sua paz, que ela achava que tinha encontrado.

— Já pensou no que você vai fazer? – olhava Drica nos olhos –

— Já, mas não decidi nada. Eu só pensei. – brincava com o cordão do short –

— Você não precisa decidir isso assim de uma hora para a outra, sabe disso não é?

— Eu sei, mas se eu demorar muito, posso não ter outra chance no futuro, posso chegar lá e ela já ter me esquecido completamente.

— Isso acontece gradativamente, não será em uma semana ou em um mês.

— Eu sei. Eu vou ligar para Felipe.

— Isso, liga sim. Liga agora, ele já deve ter saído do trabalho. – olhou ao redor – Onde está o seu celular?

— Eu acho que eu deixei no quarto.

— Liga do meu então. – pegou o celular no bolso –

Adriana pegou o aparelho e discou o número do irmão. Esperou ansiosamente pelos toques que a deixavam mais apreensiva.

— Oi Ana.

— Oi Felipe, é Drica, tudo bem?

— Tudo certo e você, minha irmã?

— Tudo bem. Aqui, a Marina te procurou?

— Sim, eu imaginei que você estava me ligando por causa dela.

— Não, eu estou ligando por causa de Catarina. – uma pausa – Sua mãe.

— Nossa mãe. – pausou — Eu sei. Ela não está bem, Marina me procurou ontem e me avisou que ela está internada em uma clínica.

— Você vai lá?

— Eu vou, vou no sábado. Você quer ir comigo?

— Eu não sei. Eu não estou certa de que isso seja uma boa ideia.

— Não pense assim, Marina me disse que ela pergunta por você, talvez tenha se arrependido.

— Será? – recebia carinho de Ana –

— Olha, eu vou no sábado, se você quiser ir comigo, me liga. Eu acho que será bom para vocês duas conversarem. Deixa eu desligar que eu vou pegar o ônibus agora. Beijos.

— Beijos.

— Então? O que ele falou?

— Ele disse que vai lá no sábado. Perguntou se eu quero ir junto. – olhava a foto que fazia o plano de fundo no celular – Ele acha que seria bom se eu fosse.

— Eu também acho meu amor. Já passou da hora de tirar essa mágoa do seu coração, eu lembro bem da conversa que eu tive com minha mãe quando ela me disse que não ia mais embora, foi libertador.

— Eu posso te pedir para ir comigo? – olhou nos olhos da loira –

— Deve pedir, e se não pedisse, eu ia me oferecer. – sorriu –

Adriana ficou pensativa, não sabia o que esperar dessa visita a Catarina, olhou para os olhos azuis brilhantes de Ana Paula, e sentiu a paz que sempre lhe invadia quando estava naqueles braços.

— Eu estou com fome, mas acho que não tenho muita coisa em casa, eu não fiz compras ainda.

— Sabe o que nós poderíamos fazer? – Ana beijou a mão de Drica –

— O que?

— Que tal irmos ao shopping, fazemos um lanche, e depois pegamos um cineminha para distrair a mente?

— É uma boa mesmo. Preciso mesmo distrair minha mente. Eu vou me arrumar. – Drica levantou do sofá e correu para o quarto –

Ana ficou esperando na sala, Adriana não demorou muito para voltar, pronta para sair com sua namorada.

*******

Paula conversava com Alessandra em casa, a ruiva faria quarenta anos no próximo mês e estava planejando uma festa.

— Alessandra, quantas pessoas têm nessa lista? – Paula saía da cozinha com copos nas mãos –

— Deixa eu contar. – mentalizou a soma dos convidados – Por enquanto cento e cinquenta pessoas.

— O que? Isso tudo! Alessandra, não acha que é exagero? — entregou um dos copos para a esposa –

— Claro que não, ainda está faltando gente. – coçou a cabeça com uma caneta –

— Deixa eu olhar essa lista que você está fazendo. – pegou o caderno sobre a mesa –

Começou a ler os nomes escritos pela esposa.

— Alessandra tem gente aqui que você não vê há anos! – bebeu um gole do suco –

— Eu sei, por isso mesmo que eu coloquei, para reencontrar essas pessoas.

— Ai meu amor, sinceramente, tem muitas pessoas que você pode cortar, esse seu primo nem mora aqui, ele vai vir de São Paulo só pra isso? – pegou uma caneta e marcou um nome –

— Eu não sei, mas eu quero convidar. – cruzou os braços –

— Ale, você sabe que essas casas de festas cobram por lista de convidados, uma festa para esse monte de gente vai custar uma fortuna!

— Mas eles só cobram de quem vai. – pegou o caderno de volta – Algumas pessoas devem faltar.

— Mesmo assim, teremos que deixar tudo pago, e eu não vou pagar para tanta gente. – pegou o caderno outra vez –

— Paula!

— Shiii. – repreendeu Alessandra com o indicador na boca – Quietinha ai, eu vou rever essa lista. E vamos convidar somente as pessoas que sabemos que irão.

— Mas Paula. – foi interrompida de novo –

— Fica na sua Alessandra, e outra coisa, por mim não coloco bebida alcoólica, você não se comporta bem com álcool em festas.

— Ah não Paula, É meu aniversário e vai ter cerveja sim, eu estou tranquila há um tempão, eu não vou fazer nenhuma besteira.

— Alessandra, de você eu espero tudo. E você está tranquila porque eu estou te controlando, senão não estaria, lembra o seu ultimo porre não lembra?

— Não né, como eu vou lembrar? Eu não me lembro de nada daquele dia.

— Pois é, mas eu lembro bem, e não faz tanto tempo assim não. – levantou o dedo para Alessandra – Você quando se empolga perde o limite.

— Vai ser só cerveja, eu não vou misturar com caipirinha.

— Sei, eu estou de olho em você hein! – começou a riscar alguns nomes – Esse aqui não, essa também.

— Paula não exagera.

— Quieta.

Alessandra ficou emburrada igual a uma criança contrariada, estava muito animada para sua festa e queria convidar todos os conhecidos, mesmo que não os encontrasse há anos, Paula mais sensata resolveu frear a esposa e colocar as coisas no ritmo dela.

*************
Sábado chegou muito rápido na contagem de tempo de Adriana. Ana estava com ela esperando Felipe, dormiram juntas para facilitar. O rapaz chegou com seu carro em frente ao prédio de Drica e as duas saíram para encontrá-lo.

Luana estava sentada ao lado do marido, as meninas entraram no banco de trás.

— Oi meninas. – o rapaz cumprimentou –

— Oi Lipe. – Drica tocou o ombro do irmão –

— Oi Felipe. Tudo bem Luana? – Ana perguntou –

— Tudo bem, sim, e vocês?

— Tudo bem, cunhada.

— Vamos encarar dona Catarina! – Felipe engatou a marcha e saiu com o carro –

Os quatro foram conversando até o destino, era uma tentativa de relaxar, pois os dois estavam tensos com aquele encontro.

— Como você acha que ela está? Adriana perguntou desviando um assunto –

— Eu não sei Drica, mas eu estou preparado para o pior. – olhou pelo retrovisor —

— Eu não sei o que esperar. – desviou o olhar para a janela –

Chegando à clínica, os visitantes tiveram uma boa impressão do lugar, ficaram aliviados por perceber que Catarina estava recebendo cuidados adequados.

Na recepção eles se apresentaram e foram liberados para entrar, uma enfermeira os levou por um corredor grande, caminhavam apreensivos, no fim do caminho, chegaram a um jardim de inverno, e a enfermeira apontou para Catarina que estava sentada em um banco de madeira olhando para o nada.

Adriana apertou a mão de Ana com força, a promotora a abraçou encorajando-a. Felipe caminhou na direção da mãe, mas Drica não saiu do lugar. Ele olhou de volta para ela e esperou a atitude da irmã.

— Você não vem?

— Acho melhor você ir primeiro.

— Você que sabe.

Felipe caminhou e chegou até sua mãe, sentou-se ao seu lado e aparentemente ela o reconheceu, eles se abraçaram e as meninas ficaram de longe observando. Depois de alguns minutos ele se virou e chamou Adriana. Ana a encorajou novamente.

— Vai lá meu amor, ela quer falar com você. – beijou sua cabeça –

Adriana ainda hesitante caminhava devagar, soltou a mão de Ana aos poucos, sentia o tremor lhe acometendo o corpo. Estava nervosa, estava apavorada.

Ao se aproximar, Felipe levantou e cedeu seu lugar para a contadora, ficando de pé.

— Ela quer falar com você.

Adriana sentou e Catarina a olhou nos olhos, ela estava totalmente diferente da mulher arrogante e hostil que ela se acostumou a encontrar. A altivez e soberba pareciam ter desaparecido. Seu olhar estava sem brilho e perdido.

— Adriana. – sorriu – Que bom que você veio, eu pensei que você não iria aparecer.

— Eu estou aqui. – estava receosa –

— Minha filha. – levantou uma das mãos para aproximar do rosto da morena –

Adriana se assustou, lembrando-se do tapa que recebeu no dia do noivado do irmão e recuou impedindo a aproximação da mãe. Catarina recolheu a mão.

— Eu sei o quanto eu errei com você, eu sempre soube, mas o ódio e o rancor que eu sentia eram tão fortes que me deixavam cega, eu perdi toda a sua vida enquanto transferia para você todas as minhas dores e frustrações.

Adriana e Felipe apenas ouviam.

— Eu sei que você não teve culpa, eu sempre soube, mas eu tinha que culpar alguém, e cometi o erro de escolher você. Confesso que por muito tempo eu realmente não me preocupei com o que acontecia com você, eu só via o Felipe, sempre fiz com ele o que não tinha coragem de fazer por você.

Catarina começou a chorar, os irmãos também se emocionaram.

— Hoje eu não tenho mais tempo para recuperar o que perdi, eu estou perdida no tempo e no espaço, mas eu não quero perder a noção de tudo, cair em um mundo que será só meu, sem antes saber que você me perdoa por todas as maldades que eu te fiz.

Adriana não dizia nada, por dentro sentia que o coração ia sair pela boca, lembrava-se de tudo o que viveu ao lado da mãe, todas as ofensas que escutou, o abandono, o descaso, todo o ódio que enxergava naquele olhar castanho como o seu. Queria responder, mas se sentia presa dentro de si. A voz simplesmente não saía.

— Adriana, eu estou doente, eu passei muito tempo buscando algo e quando eu finalmente consegui, ainda não era o suficiente, eu ainda tinha pendências com você, e isso não me deu paz para viver bem. Marina fez de tudo para me resgatar, mas infelizmente meu corpo me traiu, eu ainda tenho momentos de lucidez, mas minha mente já me prega peças. E eu não estarei mais nesse corpo daqui a algum tempo.

— Eu fui infantil, intransigente, teimosa, e eu te tratei muito mal. Você nunca mereceu isso. O seu pai tentou abrir meus olhos, o seu irmão também, mas eu me recusei a ver a pessoa maravilhosa que você se tornou. Eu só tenho que pedir o seu perdão hoje. Não me resta mais nada da minha vida. Por favor, me perdoe.

Adriana ainda sentia a dor latejando dentro de si, sempre esperou pelo reconhecimento da mãe, e agora ele estava vindo, mas os sentimentos da morena estavam confusos, ela sentia raiva da mãe por tudo que ela tinha feito, e não seria em um dia que todo esse sofrimento sairia do seu peito.

— Você passou a sua vida inteira me crucificando por algo que eu não fiz, olhava para mim como se eu fosse um estorvo na sua vida, você espera que o sofrimento de quase trinta anos, acabe assim, em um único dia?

— Drica. – Felipe tentou ponderar –

Catarina fez um gesto para ele não interferir. Adriana continuou.

— Você simplesmente virou as costas para mim quando eu mais precisei, me deixou dentro de um hospital sozinha, por que eu contei sobre minha opção sexual, me convenceu que eu era um lixo, algo que deveria ser descartado, e mesmo depois de descobrirmos o seu segredo, continuou me tratando do mesmo jeito. – lágrimas caíam de seu rosto –

Catarina sabia de toda aquela mágoa, sabia que não seria fácil resgatar tantos anos de indiferença. Não esperava menos da mulher forte e decidida que Adriana se tornara. A morena estava magoada, sentida e não sabia se conseguiria esquecer tantas dores só por esquecer.

— Você nunca fez nenhum esforço para demonstrar o seu amor, eu sempre fiquei com as migalhas que sobravam da sua atenção. – levantou — Sempre fiquei em último plano, tudo o que eu consegui na minha vida foi com o meu trabalho e o meu suor. – bateu no peito – Eu sempre me perguntei o que eu tinha feito para você me tratar daquela maneira, eu saí de casa com dezoito anos, porque não me sentia em casa no seu apartamento, eu me sentia uma intrusa.

— Eu sinto muito. – Catarina derramou algumas lágrimas –

— Demorou para sentir alguma coisa. Eu tentei tanto mamãe, tanto. Eu me formei com as melhores notas, eu fui para Harvard, eu sobrevivi a um maluco que ia me matar, e tudo isso porque eu queria viver, eu tinha um fio de esperança de te conquistar, eu queria que você sentisse orgulho de mim, se não fosse pelo meu talento, que fosse pela minha coragem, e nem isso te fez olhar para mim e me enxergar. – sua voz saía falhada –

Ana e Luana assistiam a cena de longe, mas elas conseguiam escutar algumas palavras, Ana sabia o que era sentir mágoa da mãe, no caso de Adriana era muito pior, foram muitos anos de indiferença e depois outros de ofensas, não seria fácil para a morena.

— Eu mereço escutar tudo o que você diz, e é tudo verdade, a depressão me levou a lugares que eu nunca imaginei que chegaria, eu pude visitar o lado mais escuro da minha alma e perceber como eu fui uma pessoa ruim e rancorosa. – uma pausa – Aqui é um lugar muito bom, eu encontrei uma médica que está me ajudando muito. – limpou o rosto com uma das mãos –

Adriana começou a andar em círculos, ela estava nervosa, lembranças povoavam seus pensamentos, a maioria de situações que envolviam sua mãe e o descaso com ela.

— Eu estou tomando os meus remédios direitinho, e tenho menos problemas com o esquecimento agora. – tinha os dedos cruzados sobre o colo – Marina vem me visitar todos os dias, ela está tão triste. Eu queria fazer mais por ela, mas meus fantasmas me perseguiram tanto que eu deixei até o amor dela de lado, eu fui egoísta e pretensiosa demais. – olhou para Felipe – Eu perdi tudo o que a vida me deu. – enumerou nos dedos – O seu pai, vocês, minha paz, e até a mulher que eu amei, eu perdi.

— Mamãe, ainda há tempo para a senhora ser feliz. – Felipe se ajoelhou em sua frente – Tomando os seus remédios, e fazendo uma terapia, a senhora pode voltar para sua casa com Marina.

— Eu não quero ser um estorvo para ela, eu que pedi que ela me trouxesse para cá, é melhor assim.

— Até em uma hora dessas, você continua egoísta e tomando decisões pelos outros. – Adriana disse contrariada – Você nem se deu o trabalho de perguntar o que ela prefere não foi?

— Drica! – Felipe ralhou com a irmã –

— Ela tem razão Felipe, eu não perguntei mesmo, eu exigi que ela me internasse. – segurou a mão do rapaz – Mas a doutora me disse que se esses remédios continuarem fazendo efeito eu posso sim ir para casa.
O silêncio se fez entre os três, Adriana olhava distante, Felipe se inclinou no colo de sua mãe e recebia um carinho nos cabelos. A morena olhou na direção de Catarina, respirou fundo.

— Eu vou te esperar lá fora Felipe.

— Tem certeza?

— Sim. Eu espero que você se recupere. – Drica abaixou a cabeça e saiu andando –

— Obrigada minha filha, eu te amo.

Adriana parou de andar e ficou assimilando a frase que acabara de ouvir, sua mãe disse que a amava, passou tanto tempo esperando por aquele momento que não sabia qual reação teria, mas não teve reação, lágrimas ressurgiram em seus olhos, mesmo com tantas mágoas, Adriana queria que aquilo fosse realmente verdade, ela queria sentir o amor de sua mãe em algum momento de sua vida, e esse amor estava se apresentando ali, naquele momento, mesmo que tardio e depois de tanto sofrimento.

A morena olhou novamente para trás e viu o sorriso no rosto do irmão, e caminhou de volta até Catarina.

— O que você disse?

— Eu disse que eu te amo. E Amo de verdade, eu sempre te amei, mas eu nunca me permiti sentir isso de verdade, eu forçava meu sentimento a ser rancoroso, já que eu nunca pude descontar a minha raiva no verdadeiro culpado pelo meu sofrimento, eu jogava tudo em você, me perdoa Adriana, eu errei muito, mas eu gostaria de ter uma chance de recuperar o seu amor com o pouco tempo que ainda me resta.

Adriana caminhou até o banco e sentou-se ao lado de sua mãe novamente, e sem dizer nada a abraçou, ainda sentia o peito doer por tudo o que passou ao lado de Catarina, mas queria se permitir ter outra chance.

— Perdoa minha filha. – Catarina pedia –

— Eu te perdoo mãe, eu te perdoo.

Felipe abraçou as duas, emocionado com a reconciliação de mãe e filha, na cabeça de cada um deles passava um filme, pensamento distante, onde cada personagem tinha o seu papel, vilões ou mocinhos? Não se sabe, não era momento de julgamentos. Era apenas um momento em família.

Ana e Luana vibraram com a cena que assistiam de longe. Essa missão estava cumprida.

— Está acabando o horário de visitas mamãe. – Felipe verificou no relógio de pulso – Luana e a namorada de Drica estão aqui, a senhora quer falar com elas?

Adriana se espantou com a revelação de Felipe e ficou receosa com a reação de Catarina à presença de Ana Paula.

— Eu gostaria muito de vê-las.

Felipe levantou e fez sinal para as meninas irem ao seu encontro, Ana achou estranho mas acompanhou Luana.

— Ela quer ver vocês.

— Eu também? – Ana também se assustou –

— Sim. Vem.

Os três caminharam até Catarina, Luana a cumprimentou e Ana ficou de longe. Adriana levantou e abraçou a namorada.

— Adriana, você pode me apresentar sua namorada?

— Mãe, essa é Ana Paula. A mulher que eu amo.

— Muito prazer minha querida. – estendeu a mão –

Ana apertou a mão de Catarina com certo receio. – O prazer é meu.

— Desculpe se eu não ajudei muito no relacionamento de vocês, desculpe quando eu fui grossa nos vários momentos em que nos encontramos, desculpe se eu não deixei espaço para uma aproximação antes. – uma pausa – Eu perdi muito tempo fazendo bobagens.

— Tudo bem, não se preocupe comigo.

Um enfermeiro apareceu pedindo para os visitantes se retirarem, e eles precisaram se despedir.

— Meus filhos, quando eu estiver em casa eu aviso a vocês, se quiserem ir me visitar, as portas estarão abertas, para todos vocês.

— Avise sim, mamãe. Nós iremos te ver. – Felipe afirmou convicto –

— Até logo mãe. – Adriana ainda estava sem graça –

— Até logo minha filha, vai com Deus. – Catarina respeitou a distância que a morena ainda precisava –

Saindo da clínica, Ana abraçava Adriana, a morena ainda sentia a carne de seu corpo tremendo de tanta tensão que passou nessa conversa com sua mãe, já tinha perdido as esperanças que algum dia poderia reconhecer algum fio de carinho na voz tão dura de Catarina.

Mas Adriana saiu daquele encontro confiante que sua relação com sua mãe finalmente poderia ser construída, mesmo que por pouco tempo.

Depois daquele encontro, nada nunca mais será do mesmo jeito.
****************

No dia do aniversário de Alessandra, a ruiva estava eufórica, preparou tudo de acordo com o seu gosto, programou uma festa a fantasia em um salão de festas perto da casa de sua mãe no Rio de Janeiro. Contratou um DJ e um grupo de pagode para animar os convidados.

Paula temia que ao final dessa festa a esposa protagonizasse outro fiasco por ter bebido demais, Alessandra estava há meses sem beber nada alcoólico, mas já avisara a esposa que naquele dia seria diferente, pois era o aniversário dela.

Alessandra colocou um vestido tubinho, tomara que caia com a estampa de uma marca de cerveja, Paula vestiu-se de Branca de Neve, Viviane e Isadora combinaram as fantasias, foram de policial e irmã metralha, respectivamente.

Adriana chegou com Ana Paula, Drica vestia uma fantasia de mulher gato e Ana Paula estava de paquita.

— Essa fantasia combinou bem com você, loirinha de olhos azuis, o tipo que a Xuxa adorava. – Adriana ajeitava o chapéu da promotora –

— Pior que é, eu pensei em vir de juíza, mas ia morrer de calor, preferi o shortinho mesmo. – abraçou a namorada – E você hein! Está arrasando o quarteirão dentro dessa mulher gato. – beijou o rosto da contadora –

— Eu sei, e quando chegarmos em casa, eu quero que você tire cada peça dela e faça amor comigo até amanhecer. – mordeu o lábio da loira –

— Garota, não me provoca que eu faço isso aqui mesmo nesse salão, arrumo um canto escondido e te faço gemer que nem uma gata de verdade. – sussurrava em seu ouvido –

— Miaaaaaau. – fez uma voz rouca e lambeu o rosto da namorada em seguida –

— Ai, eu preciso me controlar. – Ana se afastou se abanando –

Adriana ficou rindo da namorada e seu desespero, pegou um copo de cerveja e começaram a se divertir.

Vários amigos e familiares estavam presentes, Paula conseguiu reduzir a lista enorme que Alessandra havia feito e somente as pessoas mais chegadas mesmo estavam na comemoração.

Muita comida, muita bebida, música boa e pessoas animadas, essa era a combinação da festa de Alessandra, já pela madrugada, Alessandra sambava ao som do grupo que contratara, já estava alta pela bebida, resolveu subir em cima de uma mesa para dançar. Tirou as sandálias e quando Paula viu, sua esposa já estava sobre uma das mesas do Buffet.

— Minha nossa, olha Alessandra! – Paula apontou para Drica –

— Ela é louca! – ria – Vem Paula. – puxou a amiga pela mão –

— Alessandra, sai daí, você vai cair sua doida! – Paula reclamava –

–Eu estou dançando. – sambava meio desequilibrada –

— Todo mundo está vendo isso, mas você pode se machucar se cair daí, essa mesa vai acabar quebrando, Ale, sai daí. – Drica segurava suas canelas –

— Tudo bem, eu saio.

Tentando se equilibrar, Alessandra pulou da mesa para uma mureta que dividia o ambiente, o desespero de Paula foi ainda maior. Com as mãos na cabeça ela gritou por Alessandra.

— Alessandra, mulher, desce daí já! – andava atrás da esposa –

— Paula, deixa de ser chata! – Alessandra caminhava sobre a mureta –

— Ela conseguiu fazer pior. Na mesa pelo menos tinha espaço. – Adriana observava o espaço que Alessandra caminhava –

Depois de muito correr atrás de Alessandra, finalmente Paula conseguiu fazer com que a esposa descesse do muro do salão. Alessandra ria de se acabar. Abraçou Paula e beijava o rosto da esposa.

— Paula eu te amo tanto! – beijava o rosto de Paula – Está tudo tão lindo. Adriana, vem aqui!

— Ih, agora deu até medo. – Adriana riu –

— Vamos brindar! – Alessandra pegou um copo de cerveja –

— Já chega de brindar Ale. – Paula tentava pegar o copo da mão de Alessandra –

— Não, ainda tem muito brinde para eu fazer. – saiu levantando o copo acima da cabeça –

— Ai meu pai, o que eu faço com essa criatura? – Paula olhava para Drica –

Adriana veio arrumando a fantasia da amiga enquanto ria do desespero de Paula.

— Paulinha, não tem mais o que fazer, não dá para prender um espírito tão alegre como o dela, ela terá oitenta anos e vai ser sempre assim. – abraçou Paula –

— É, espero já ter morrido a essa altura da nossa vida.

— Ai que horror Paula, vira essa boca para lá, vamos curtir o restinho da noite, vem, eu preciso procurar minha namorada.

Ao final da festa, Alessandra estava sentada em um degrau perto do palco, quase dormindo com um copo de cerveja nas mãos. Paula olhou a cena e viu tudo acontecer novamente.

— Ai Drica, olha lá, eu sabia que isso ia acontecer.

— Relaxa Paulinha, nós te ajudamos com ela. – Drica tentava consolar a amiga –

— Ela estava indo tão bem, tinha meses que não bebia, olha só o estado daquela latinha de cerveja. – Paula ria – Toda amassada. Caída de lado. – referia-se à fantasia da esposa – largada em um canto.

Adriana e Ana riam do comentário da contadora. – Ainda bem que só uma de vocês bebe assim, já pensou se ficam as duas nesse estado? – Ana comentava –

— Ah minha amiga, desde que Alessandra começou com esse suicídio involuntário, eu parei de beber, senão quem socorre ela se passar mal? – balançava a cabeça negativamente –

— Então minha gente. – Drica bateu palmas – é hora de ir embora, aliás, já passou da hora de ir embora. Não aguento mais essa roupa me apertando. – já estava sem a máscara –

— Vamos que eu vou tirar ela de você. – Ana sussurrou –

Adriana sentiu o arrepio em sua pele percorrendo toda sua espinha.

— Vamos só ajudar Paula com Alessandra, mais uma vez.

— Agora. – Ana levantou—

Depois de carregar a aniversariante para o carro, as amigas se despediram, Ana e Adriana voltaram para Niterói e Paula e Ale ficaram para dormir na casa da irmã da ruiva.

Ana já veio no carro provocando Adriana que tentava se concentrar ao dirigir na madrugada.
— Ana comporte-se meu amor, eu sei que você está tão ansiosa quanto eu para arrancar essa fantasia, mas eu estou dirigindo e eu estou cansada e com sono. – Ana beijava o seu pescoço e investia entre suas pernas estimulando seu sexo – Ah. – um gemido escapou –

— Eu confio em você meu amor.

— Se eu fosse você não faria isso. – sentia o calor entre suas pernas –

Depois de muita provocação, Adriana parou o carro após a saída da ponte e puxou Ana para um beijo ardente.

— Adriana sua louca, o que você está fazendo? – tentava se soltar do abraço da morena –

— Você me provocou o tempo inteiro e agora quer fugir?

— Já é madrugada, é perigoso, lembra do seu outro carro não lembra? Quer perder esse aqui também?

Adriana pensou melhor e resolveu aceitar a desculpa da namorada, não dá para ficar dando bobeira por ai.

— Você tem razão, mas não me escapa quando chegarmos em casa. – piscou –

Adriana arrancou com o carro em direção a Icaraí, chegando ao apartamento, a morena não esperou Ana sair do carro, mais uma vez protagonizou uma cena de sexo quente na garagem do seu prédio, sua sorte é que as câmeras de segurança não pegam totalmente o seu carro. Ou Ramon teria um belo filme para aproveitar na madrugada.

A felicidade estava estampada naqueles rostos, Adriana e Ana Paula estavam vivendo o seu conto de fadas, mulheres independentes, competentes, bem sucedidas, e que encontraram no amor o seu refúgio final, não falta mais nada para a felicidade plena, não existem mais dúvidas, nem medos, apenas o amor.

Dois anos depois.

Ana chegava em casa, cansada de um longo dia de trabalho na promotoria, estava estudando para fazer prova para o magistrado, queria ser juíza. Encontrou Adriana dormindo no sofá. Colocou seus pertences sobre a mesa do apartamento de Drica e foi recebida por Pitty que lambia seus pés.

Ana olhou para sua mulher e sorriu. Deixou a sandália no canto da sala e caminhou lentamente até o sofá e sentou-se ao lado da morena. Ela se mexeu e abriu os olhos lentamente ao sentir a presença da esposa.

— Oi. – Ana disse baixinho –

— Oi. – Drica respondeu com a voz falhando –

— Por que você não vai dormir na cama? – fez carinho em seus cabelos –

— Eu estava te esperando, ai comecei a ver televisão, e peguei no sono. – coçou os olhos –

— Mas eu não disse que eu chegaria tarde hoje? – beijou sua testa –

— Eu sei, mas eu queria te ver antes de dormir.

— Ai que linda minha esposa. – segurou a mão de Drica –

— Você comeu alguma coisa?

— Comi sim, eu fiz um lanche quando saí do curso.

Adriana levantou e sentou ao lado de Ana, elas ficaram se olhando, o amor que sentiam parecia aumentar a cada dia.

— Vai tomar banho para dormir então.

— Eu já vou. – beijou a morena – Agora eu quero ficar aqui um pouquinho com você. – puxou Drica para um abraço –

As duas ficaram ali assistindo um pouco de televisão, e depois Ana foi tomar seu banho. A loira estava morando com Adriana há um ano. Elas decidiram morar juntas logo após o casamento de Camila, a engenheira continuou morando com os pais, já que a casa é grande.

O escritório das amigas saiu da antiga sala e elas compraram três salas em um prédio na Av. Rio Branco, Centro do Rio de Janeiro. Já estavam com outras estagiárias e o trabalho de auditoria e consultoria cresceu e elevou o nome da empresa.

— Você vai viajar essa semana meu amor? – Ana perguntou a Adriana quando deitou ao seu lado –

— Não, essa semana eu estou aqui no Rio, não vou a lugar nenhum. – respondeu de olhos fechados –

Ana abraçou a esposa e se aconchegou em suas costas, Drica segurou sua mão e as duas adormeceram o sono dos justos.

******************
Paula e Alessandra estavam felizes, nunca mais encontraram com Nathalia, superados todos os problemas passados, as duas contadoras faziam planos para sair do apartamento e comprar uma casa com mais espaço para poder ter um cachorro e quem sabe até filhos.

Alessandra tomou jeito e parou com as bebedeiras. Paula deixou bem claro para a esposa que se ela tomasse outro porre como o do seu aniversário de quarenta anos ela pediria a separação e dessa vez Alessandra acreditou.

As duas estavam fazendo pós graduação em uma universidade do Rio, e continuavam as melhores amigas de Adriana, sempre juntas para todas as ocasiões.

Alessandra continua fazendo a alegria das amigas, sempre com tiradas engraçadas e micos hilários, afinal de contas tem que ter um toque de humor nos eventos.
***************

Isadora e Viviane oficializaram a união com uma reunião familiar no Rio, os pais da ruiva vieram de São Paulo para apoiar a filha, Vanessa estava de namorado novo, morando sozinha no apartamento que seu pai comprou.

O jantar reuniu as amigas e foi muito emocionante perceber o crescimento de Viviane e sua realização profissional e pessoal.

— E ai minha ruiva, como está se sentindo oficialmente casada? – Drica perguntou abraçando a amiga –

Viviane olhou para a aliança em sua mão esquerda e sorriu – Sinceramente amiga, eu nunca achei que isso poderia acontecer, muito menos com uma mulher, mas eu estou muito feliz, de verdade.

— Que bom Vivi, era isso que eu queria escutar, que você está feliz. Você é uma mulher guerreira, muito inteligente, linda e alegre. – segurou uma das mãos da amiga – mas você não enxergava nada disso, não percebia seu próprio potencial.

Adriana bebeu um gole de espumante e Viviane pareceu pensativa.

— Sabe Dri, as vezes eu paro e fico pensando em tudo o que aconteceu na minha vida, e chego a um única conclusão. – olhou para a amiga –

— Então diz. – devolveu o olhar —

— Eu tenho um divisor de águas, eu posso dizer que fui duas pessoas, eu era uma Viviane antes, e virei outra Viviane depois que eu sentei do seu lado naquele avião.

Adriana sentiu uma alegria enorme ao ouvir aquilo, sabia que tinha sido importante na vida de Viviane e saber que a ruiva pensava isso com tamanha intensidade foi a coroação para sua satisfação.

— E você descobriu isso sozinha? – recebeu um tapa no ombro – Ai.

— Boba, eu descobri sim, e você sabe que isso é verdade, eu era preguiçosa, não queria saber de nada, eu tinha um cargo de cabide na empresa do meu pai, só para dizer que eu trabalhava, eu fui para Harvard com uma cabeça totalmente diferente da que eu voltei em vários aspectos.

— Eu lembro bem como foram os primeiros meses de curso. – Drica sorriu –

— Eu também. Você me ensinou a ter responsabilidade, a cuidar mais de mim, a me valorizar. Você me ensinou a amar.

— Ah, espera ai Vivi, não é assim, está exagerando. O amor não é algo que se ensina, você sente, é simples assim.

— Exatamente, você me ensinou a sentir o que era o amor, você me ajudou a amadurecer e perceber que meus conceitos de amor e relacionamentos eram totalmente distorcidos, ficar com vários homens não era amor, nem com eles e nem comigo. Você me mostrou isso, acreditou em mim, me trouxe pro Rio, aí tudo aconteceu. Isadora entrou na minha vida, eu tenho uma família que me apoia, e amigas que eu amo, agora uma esposa maravilhosa, e tudo isso graças a você.

— Para Vivi, eu vou chorar. – Adriana se emocionou – Não foi por minha causa, isso tudo foi você que construiu. Foi você quem conquistou.

— Foi graças a sua sensibilidade em me ver quando ninguém o fez, acreditou no meu potencial, e eu não tinha como te desapontar, então eu me dediquei e olha no que deu. – olhou em sua volta — Estamos aqui hoje comemorando o meu casamento. – beijou o rosto da amiga – Obrigada Dri, por tudo, por ser quem você é, e por você existir.

Algumas lágrimas escorriam sobre o rosto de Adriana, ela se lembrava das passagens implícitas nas palavras de Viviane, quando se conheceram, os problemas que passaram em Boston, o apoio quando a ruiva precisou, os incentivos, tudo o que Drica havia feito em prol da amiga, foi tudo por amor, um amor puro, amor de irmãs.

— Por que minha mulher está chorando? – Ana chegava à mesa onde Drica e Viviane conversavam –

— Ai, Viviane que está me deixando assim. – enxugava os olhos com um guardanapo –

— Por que Vivi? – Ana sentou e fez um carinho em Drica –

— Estávamos conversando sobre o passado, e eu disse que eu devo tudo o que está acontecendo na minha vida hoje a essa chata metida a mãe que é sua esposa.

Ana riu da comparação feita sobre Adriana.

— Você estava me elogiando agora a pouco e de repente me chama de chata? — Drica protestou –

Isadora se juntou ao grupo e depois chegaram Paula e Alessandra.

— O que vocês contam de bom?

— Estávamos só fazendo alguns comentários. – Viviane não quis estender o assunto –

— Vivi, esse jantar estava maravilhoso, um luxo, eu só vou ficar fugindo da sua mãe o resto da vida, eu não sei onde vocês estavam com a cabeça de colocar aquele caracol horrendo no cardápio. – Alessandra reclamava –

— Alessandra, o nome é Escargot, é que os pais de Viviane adoram, e nós resolvemos aceitar a sugestão. – Isadora tentava explicar –

— Poxa, mas é uma armadilha aquilo, o troço escorrega tanto que o que eu peguei foi parar bem no meio do decote da sua mãe. – apontava para Viviane –

As amigas riam de gargalhar, como sempre, Alessandra tinha que fazer das suas.

— Mamãe se acabou de rir Ale, no final ela comeu o escargot que você deu de presente para ela e ficou feliz da vida. – ria da amiga –

— Ai minha ruiva desastrada. – Paula beijou sua testa –

— Tem coisas que nunca vão mudar. – Adriana comentou nostálgica –

— Mudar para que? – Paula ria –
**************
Felipe e Luana tiveram dois meninos gêmeos, o batizado havia terminado e eles comemoravam com um churrasco na casa dos pais de Ana Paula, amigos, familiares, e padrinhos se reuniam em uma festa animada com música, boa comida e piscina.

Adriana segurava André, um dos gêmeos, e agora seu afilhado, Gustavo dormia no carrinho ao lado de Luana. Ana trazia refrigerantes para as duas.

— Aqui meninas, hoje está muito quente, peguem um refrigerante. – entregou os copos –

— Obrigada Ana, está muito abafado mesmo. – Luana abanava o filho com uma fralda –

— Luana, se você quiser tentar fazer o André dormir, vai lá para o meu quarto, eu ligo o ar e você fica com os dois lá, aproveita e descansa um pouco.

— Ai Ana, seria ótimo mesmo, esses dois estão arrancando o meu couro, sabia, eu estou morta.

— Então vamos, assim você fica mais a vontade e descansa um pouco. – Adriana reforçou a proposta –

Depois de acomodar os três no andar de cima, Ana e Adriana voltaram para o gramado, encontraram Felipe fazendo caipirinha.

— Ih, se Alessandra resolver beber hoje, vai dar merda. Ela adora a caipirinha que o Felipe faz. – Adriana observava –

— Mas ela está tão comportada ultimamente. – olhou para a contadora que conversava com Paula e Viviane – Será?

— Nunca duvide de Alessandra, meu amor. – beijou a boca de Ana –

As amigas conversavam animadas, e Felipe chegou no grupo com uma jarra de caipirinha bem feita e cheia de gelo.

— Meninas, vocês querem? – tinha copos nas mãos –

— Ah, mas isso é muita tentação. – Alessandra se animou –

— Ale, lembra só do que eu te falei. – Paula advertiu –

— Ai Paula, só um copinho, vai. Felipe faz uma caipirinha tão gostosa!

— Alessandra, você nunca bebe só um copinho. – cruzou os braços –

— Eu juro. É só um copinho. – beijava os dedos cruzados –

— Eu sabia que ia dar nisso. – Drica comentou – Eu não te falei? – olhou para a esposa –

— Ah Paula, só um copinho, é o batizado dos meus moleques, vamos beber o mijo dos guris. – Felipe colocou um copo para a contadora –

— Alessandra é só esse copo, se você beber algo além disso, eu juro que eu te afogo naquela piscina. – apontou para a piscina –

— Eu prometo. – beijou Paula –

Alessandra bebeu um gole da caipirinha com tanto gosto que Paula até se arrependeu de ter brigado com a esposa.

— Ai, isso aqui sim é um manjar dos Deuses. Prova Paula.

— Não, eu vou ficar só no suco mesmo. Senão, quem dirige para o rio depois?

— Dorme aqui, tem espaço suficiente. – Ana ofereceu –

— Não Ana, não dá ideia para essa doida não. Deixa só uma caipirinha mesmo, e está muito bom.

— Drica, e sua mãe? Como ela está? – Viviane perguntou –

— Ah minha amiga, mamãe já está mais no mundo dela do que no nosso. – prendeu o cabelo com um elástico – Marina contratou uma enfermeira para tomar conta dela, já está com dificuldades de comer, de ir ao banheiro, fica chamando pela minha avó, tem dias que não quer tomar banho, virou uma criança.

— Minha nossa, essa doença é terrível mesmo, e quem sofre são os familiares, que assistem tudo acontecer sem poder fazer nada. – Paula ponderava –

— É verdade, pelo menos eu consegui viver bem com ela mesmo que por pouco tempo. – Drica se lamentava –

— Mas foi um tempo bem utilizado meu amor. – Ana fez um carinho —

— Foi sim. – sorriu – Mas é isso, ela está bem de modo geral, só o Alzheimer que está acabando com ela.

— Pense Drica, ela tem muita coisa para esquecer, talvez tenha sido melhor assim. – Isadora completou –

— Pode ser que você tenha razão Isa. Foram muitos anos assombrada por lembranças ruins, agora ela terá um descanso, mesmo que seja tão cruel.

— Vai dar tudo certo meu amor. Não se preocupe. – Ana segurou sua mão –
Mais uma etapa concluída, vidas surgindo e outras se perdendo, é o ciclo da vida se impondo e mostrando o seu poder, quem vai e quem fica, não cabe a nós essa decisão. No fim de tudo não importa quão longe você chegou, mas como percorreu o caminho.

***************

–E ai, Ana, como foi o exame? – Adriana preparava um lanche –

— Ai meu amor, foi pauleira. – tirava os tênis na porta do apartamento – Eu não sei se eu vou passar, tinham muitos advogados bons, e com cara de nerd fazendo a prova. Eu fiquei até desanimada. – se jogou no sofá –

— Ei, nem pensa desse jeito. – deixou a bandeja sobre a mesa – Olha para mim. – sentou ao lado da esposa –Você se preparou, estudou muito e eu tenho certeza que você vai passar.

Ana olhou para Drica, aqueles olhos ternos que sempre lhe passaram confiança estavam ali, como sempre, lhe mostrando que ela não estava sozinha.

— Mesmo assim, se você não passar nesse, terão outros, não se preocupe, nem tire conclusões precipitadas, “o jogo só termina quando termina”. Já dizia o meu pai.

— Sei, seu pai é muito sábio. – puxou Drica para cima de si –

— Ai, eu vou cair. – ficou presa nos braços da promotora –

— Só se for de amores por mim. – beijou sua boca –

— Danadinha. – se soltou do abraço da loira – Vem comer, eu preparei um lanche, eu imaginei que você chegaria com fome. – segurou sua mão e a levantou –

As duas sentaram a mesa e conversavam amenidades.

— Meu pai quer que nós passemos o fim de ano com ele lá em Búzios. – comeu um pedaço de bolo –

— E por que não vamos? – pegou suco – A casa dele é tão gostosinha!

— Eu não disse que não vamos, é que já passamos esse ultimo réveillon lá, eu não sabia se você iria querer voltar ou passar com sua família dessa vez.

— Ah meu amor, o que você decidir está feito, eu acho que meus pais vão fazer um cruzeiro esse ano, tipo uma lua de mel sabe — piscou — eles merecem também, então nós estamos livres para escolher o quisermos.

— Então tudo bem, nós decidimos juntas então, e depois eu falo com ele.

— Ah, quase esqueci de te contar, você não sabe o que aconteceu, estava no jornal de ontem, lembra de Gisele?

— A sua Gisele? – pegava leite –

— Minha não, ela nunca foi minha. Mas é essa Gisele mesmo. O marido dela foi investigado e foi preso junto com um bando de militares e políticos corruptos, ele era o mentor de um grupo de extermínio lá em salvador, — levantou da mesa – Cadê o jornal?

— O de ontem estava ali, do lado do home.

Ana foi até o local indicado por Adriana, e achou o jornal ao qual ela se referia. Desfolhava as páginas e encontrou a que ela queria.

— Olha aqui, a foto daquele sem vergonha. Cara sujo. – mostrou a matéria para Adriana – O marido dela é alto escalão militar, e foi pego em uma investigação da polícia federal, envolvido com um escândalo político.

— Caramba, ele estava participando de grupos de extermínio em Salvador? E era braço direito desse político corrupto que mandava em tudo por lá. – Adriana lia o artigo –

— Sim, parece que ele e mais dois militares foram presos em Salvador, um homem está foragido e vários políticos foram detidos também. A promotoria de lá está com prestígio, não é qualquer um que tem coragem de fazer uma operação dessas.

— Pois é.

— Ele está envolvido em vários assassinatos, lavagem de dinheiro, e muitos outros crimes.

— Caramba, e a Gisele? Como será que ela está?

— Eu não quero que você fique chateada comigo, mas eu liguei para ela assim que eu li a notícia. Desculpe.

— Ana, não peça desculpas, você não fez nada demais. – uma pausa – apesar de eu não gostar nem um pouco dela, eu não posso exigir de você algo tão ridículo a ponto de te proibir de falar com alguém, isso não é amor.

— Eu sabia que você não ia se opor. Enfim, ela não teve participação em nada, e está voltando para o Rio, vai ficar na casa da mãe dela, os bens dele foram confiscados e ela teve sorte pois tinha algumas economias guardadas consigo, e o apartamento de Ipanema que está no nome dela.

— Então ela está voltando para cá? – Adriana parecia incomodada –

— Sim, está. Mas Gisele é passado, não precisa se preocupar.

— Mas isso não me preocupa. – folheava o jornal –

— Eu estou vendo que não. – foi sarcástica —

*************

Alessandra e Paula compraram a casa que tanto queriam, conseguiram vender o apartamento em Copacabana e começavam uma nova etapa de vida e de relacionamento.

Queriam fazer uma reforma na casa, mudar algumas paredes de lugar e precisariam contratar um profissional para isso, em uma conversa no escritório, Drica lembrou-se de Mariana e falou pras meninas ligarem para ela.

Mariana aceitou de imediato, e no dia e hora marcados as três se encontraram na casa das meninas.

— Gente, a casa é boa, antiga, mas é de boa qualidade. – Mariana concluía uma rápida análise –

— Eu também achei, e nós queríamos mudar algumas coisas, e fazer uma reforma antes de vir para cá em definitivo. –Paula olhava ao redor –

— Eu vou anotar as mudanças que vocês querem e vou fazer a planta, e depois nós vamos mudar essa decoração para algo mais moderno. Precisa trocar os pisos, aquela pia de alvenaria é horrorosa, nós vamos tirar, você compra móveis modulados e depois colocamos uma pedra de granito. – anotava os itens em uma prancheta – Vai ficar muito bom.

— Eu quero colocar grama no quintal da frente. – Alessandra pedia –

— Dá para fazer sim. – continuava anotando algo na prancheta –

Depois de muitas medidas e anotações, as três amigas foram tomar um café em uma lanchonete próxima do local onde estavam.

— Mas Mari, mudando totalmente de assunto, você e Lívia ainda estão juntas? – Alessandra perguntou –

— Ale, isso é coisa que se pergunte? – Paula ralhou –

— Ué, é só uma pergunta como outra qualquer. – sacudiu os ombros –

— Não se preocupe Paula, é só uma pergunta. – mexia o suco – Eu estou com ela sim gente, nós estamos namorando, e está sendo uma experiência única para mim. Ela é uma ótima pessoa.

— Eu acredito. Ela parece ser boa gente mesmo. – Paula ponderou – Mariana me desculpa te perguntar isso, mas e a Drica, você já se esqueceu dela?

— Paula, a Drica sempre será uma pessoa especial para mim, te dizer que eu já esqueci completamente dela, ainda não, mas já superei a falta do relacionamento. Eu estou bem hoje.

— Que bom, eu fico feliz em saber disso. – comeu um pedaço do pão –

–Nós estamos nos conhecendo, e tem sido muito bom para mim, Ela é atenciosa, carinhosa, inteligente. Eu gosto de conversar com pessoas inteligentes, não é só aquele papinho superficial sobre o tempo ou marca de carro. – pensou um pouco – Ela é mais que isso.

— Eu diria que você já se apaixonou. – Paula observava –

— Talvez, pode ser, mas depois da Drica eu estou em um processo de desprendimento, eu estou tentando ir devagar, nada tão corrido nem avassalador como foi com ela.

— O importante é você ser feliz, isso que é o pulo do gato. – Alessandra levantou para ir ao banheiro –

Paula e Mariana continuaram conversando, e minutos depois de perceber que Alessandra estava demorando muito, ouviram alguns gritos e batidas na porta do banheiro, nos fundos do bar. Paula reconheceu a voz de Alessandra e saiu correndo com Mariana.

Chegando no banheiro, Alessandra estava desesperada, pedindo socorro pois ficara com a porta emperrada.

–SOCORRO! – batidas na porta – Eu estou presa! Alguém me ajuda!

— Alessandra! – Paula chamou pela esposa –

Nesse momento veio um funcionário da lanchonete e explicou que a porta está com defeito e tem que empurrar com força para abrir.

— Gente me tira daqui, eu estou sufocando, eu vou morrer. – batia na porta –

— Ale, deixa de drama, empurra a porta com força.

— Empurra a porta e tira o trinco. – o rapaz ensinava –

Depois de vários minutos, Alessandra conseguiu abrir a porta e saiu do banheiro. Ao encontrar Paula ela a abraçou e chorava feito uma criança.

— Alessandra nem foi para tanto, o banheiro tem janela e tudo. – Paula a abraçava –

— Não fala assim comigo, você sabe que eu sofro com gastrofobia. – lágrimas escorriam –

— Alessandra!

— O que foi?

— Gastrofobia? – Mariana perguntou –

— Alessandra, que raio de fobia é essa? – Paula a afastou e a encarou –

— Essa fobia de lugar fechado.

— Claustrofobia. Essa que você falou não existe, é medo de que? Medo de estômago?

— Medo de dor no estômago. – Mariana ria –

— Vocês entenderam o que eu quis dizer, não gasta o meu tempo por que eu estou traumatizada. – agarrou Paula novamente —

— Agora mais essa. – Paula revirou os olhos –

Paula e Alessandra, feitas uma para a outra, nas loucuras, na tolerância, no amor, na amizade acima de tudo. Companheiras, companhias, almas gêmeas? O amor não precisa de lógica, apenas sinta e viva.

Mariana encontrou alguém por quem se apaixonar, encontrou um motivo para se entregar. Descobriu que existe um caminho, longe ou perto de Adriana, a vida segue e é plena, se soubermos vivê-la, olhar com uma perspectiva diferente é o melhor a se fazer quando nós achamos que a vida nos deu as costas, ela apenas está nos indicando um novo horizonte para se olhar.

Lívia e Mariana podem ser felizes, se permitirem o amor entrar, se abrirem a guarda e o coração para novas emoções e sentimentos, a felicidade baterá à porta delas, juntas descobrirão o que é amar e ser correspondida, descobrirão o que é entrega e enfim tudo fará sentido.

*****************

Ana Paula procurava o seu nome na lista de aprovados no concurso que prestou para se tornar juíza, estava ansiosa, as letras pareciam embaralhar em sua visão, a barriga parecia ser o habitat de inúmeras borboletas.

— Ana Paula, Ana Paula, Ana Paula, porra, quanta Ana Paula! Esse pessoal é mesmo sem criatividade. – resmungava sozinha – Achei, está aqui. – levantou da mesa – Eu passei. Caramba eu passei! – pulava pela sua sala –

Eduarda entrou nesse momento e achou estranho o comportamento da amiga.

— Mas o que está acontecendo aqui? Que loucura é essa?

Ana abraçou a amiga e fez com que ela pulasse junto.

— Minha nossa, o que nós estamos comemorando?

— Eu passei no concurso para o juizado, eu vou ser juíza. – outro pulo –

— Caramba, mas isso é ótimo mesmo! – abraçou a promotora – Teremos uma juíza de caráter para nos ajudar a prender mais bandidos e marginais.

— Sim, eu estou tão feliz, eu tenho que avisar Adriana! – correu para pegar o celular – Ela vai adorar.

— Eu imagino. – disse com desdém – Eu ainda não me conformo de ter perdido você para aquela mulher sem sal. – dizia sedutora –

— Duda, para com isso, mas nem namorando você sossega esse fogo? Drica é maravilhosa e você não perdeu nada para ela, eu já era dela quando você me conheceu. – apertou o botão para fazer a ligação –

— Eu estou em período de experiência, não pode se dizer que é um namoro ainda. – disse casualmente –

— Você nunca vai mudar? – esperava Drica atender –

— Mudar para que? Em time que está ganhando não se mexe.

Ana Paula riu. – Oi Drica, tudo bem? Você pode falar?

— Posso sim, aconteceu alguma coisa?

— Não, quer dizer, aconteceu, mas foi algo muito bom. – sorria –

— O que foi? Eu já estou curiosa.

— Eu passei no concurso, eu passei pra ser juíza!

— Nossa, mas que notícia boa! Meus parabéns! Eu não te falei para você não ficar tão pessimista? Eu sabia que você tinha chances, você se preparou muito para essa prova. Você merece meu amor. Eu te amo.

— Eu também te amo, obrigada por todo o apoio que você me dá, não sabe o quanto isso é importante para mim.

Duda fazia cara de nojo para Ana Paula enquanto ouvia parte da conversa. A loira ria.

— Nós temos que comemorar. Vem pra cá depois que você sair daí, nós vamos jantar fora hoje.

— Eu vou sim, eu passo ai para irmos juntas. Eu te amo.

— Eu também te amo. Beijo.

— Beijo.

Duda continuava olhando para Ana, ao desligar o aparelho encarou o olhar da colega.

— O que foi? – jogou o celular sobre a mesa –

— Nada, eu só estava pensando, no desperdício que é você com essa sem graça, comigo sua comemoração seria muito mais divertida. – piscou – Topa um sexo selvagem e perigoso, aqui e agora, em cima dessa mesa cheia de papéis?

— Você enlouqueceu não é? – Ana olhava incrédula – Primeiro que eu só vou comemorar assim com Adriana, e segundo, isso aqui não é lugar para isso. – pegou uma pasta – Sossega esse fogo Duda, sua namorada não está dando conta do recado não? – ria —

— Pior que não amiga, ela é novinha, eu meio que peguei para criar – deu de ombros – ai já viu, ela não aguenta apagar o meu fogo, é só feijão com arroz.

— Dá todinho para ela crescer então, danoninho, Yakult. – ria –

Eduarda jogou uma borracha na amiga e caiu no riso também.

— Eu vou dar mingau de aveia para ver se encorpa mais rápido. – ria – Mas não é isso só Ana, não encaixou sabe, não rolou aquela química, tipo a que rolou com você. Não foi dessa vez.

— Então termina logo com isso Duda, não vai fazer a garota sofrer, daqui a pouco ela estará apaixonada e será nessa hora que você vai dizer que não quer mais, evita um sofrimento desnecessário.

— É, pior que você tem razão, já que não rolou é melhor deixar a menina seguir o caminho dela, eu sou muito águia para aquela menina. – ficou pensativa – Sabe Ana, eu não sou de ninguém há muito tempo. – pegou um papel e ficou dobrando – Mas eu estou em uma fase que eu estou sentindo falta de um porto, sabe, uma pessoa com quem contar, para quem eu posso ligar e conversar, que vai compartilhar comigo momentos bons ou ruins. Assim como você fez agora. Sei lá, acho que eu estou ficando velha. – riu –

— Onde está a minha amiga? O que você fez com ela? – levantou e foi até Duda, segurou as orelhas da amiga – Abre a boca, deixa eu ver, Duda, você está ai dentro? Sai daí mulher!

— Sai daqui. – gargalhava – Larga minha orelha, eu hein!

— Eu tinha que confirmar se era a mesma pessoa que estava conversando comigo, Eduarda falando de namoro, compartilhar momentos? Irreconhecível. – voltou para a cadeira –

— É sério, eu estou aqui abrindo o meu coração para você e ainda recebo uma senhora zoeira! Eu mereço mesmo. – balançou a cabeça –

— Ai Duda, sabe com é, eu perco a amizade mas não perco a piada.

— Sei.

— Amiga, isso é normal, uma hora você vai acabar sentindo falta disso mesmo, de ter um amor, alguém que te completa, que te faz feliz, um simples toque é suficiente para parecer que você tem o mundo nas mãos, um beijo te leva para outra dimensão, faz o tempo parar. – pensava em Adriana – É isso que falta para você, ouvir os famosos sinos do amor. – riu –

— Eu perdi as esperanças Ana, há muito tempo que eu não escuto esses malditos sinos.

— Já escutou alguma vez? – debruçou sobre a mesa –

— Já, mas não gosto de tocar nesse assunto. – mudou o semblante —

— Falar é bom, por que não tenta? – olhou sobre um papel que segurava –

— Ai, eu não quero ficar me lembrando disso. – levantou –

— Você já fica pensando, senão não teria tanto medo de se apaixonar. – deixou a folha na mesa – Fala o que aconteceu.

— Você sabe ser persuasiva. – olhou para a miga – Foi a minha primeira namorada. – cruzou os braços – Eu tinha quinze anos. Foi uma paixão que eu nunca mais senti, namoramos dois anos escondidas dos nossos pais, eu achava que ficaríamos juntas o resto de nossas vidas. – lembranças vieram em sua mente — Foi meio que sem querer. Tudo foi acontecendo. – uma pausa– No ultimo ano do segundo grau, ela começou a mudar, os pais dela a mudaram de colégio, ela conheceu outras pessoas, e foi se afastando – uma pausa — aos poucos eu a perdi.

— Vocês chegaram a terminar ou ela simplesmente sumiu?

— Terminamos, ela colou com uma turma da pesada, começou a beber, usar drogas, eu cheguei a encontrá-la chapada em um lugar aonde os viciados iam para se drogar, perto do colégio.

— Ai, mas que horror. Ela tinha a mesma idade que você?

— Tinha sim, ela era alguns meses mais velha. Eu fiquei desesperada, eu cheguei a procurar os pais dela para pedir ajuda. Contei para eles o que estava acontecendo. Mas não deu nenhum resultado. – sentou novamente —

— Você disse: “era” no passado.

— Sim, no passado, — seu olhar entristeceu — eu terminei com ela quando eu a encontrei transando com um cara nesse lugar onde ela ia se drogar. Quando eu a confrontei, ela disse que não gostava de homens, mas ele ofereceu cocaína em troca de sexo e ela aceitou. Ela chegou ao fundo do poço.

— Mas o que aconteceu depois?

— Eu ainda ia atrás dela. Tentei de tudo para resgatá-la. Eu a amava demais. – lágrimas brotaram de seus olhos – Eu ainda a amo. No fundo ainda amo.

Ana levantou e foi ao encontro da amiga, a abraçou e beijou sua testa. Percebeu o quanto essa historia do passado de Eduarda mexia com a promotora, aquela imagem de mulher fatal era nada mais do que uma máscara para esconder esse sofrimento.

— Eu não sabia que tinha sido tão traumático para você, desculpe por perguntar.

— Tudo bem, pelo menos alguém está sabendo disso, eu nunca contei para ninguém.

— Quer parar?

— Não, agora eu vou até o fim.

Ana puxou outra cadeira e sentou-se de frente para a amiga. – O que aconteceu com ela?
— Julia morreu de overdose duas semanas depois que eu prestei vestibular para direito, era o nosso sonho, na época que nós duas namorávamos, nossos planos eram entrar para a faculdade juntas, e depois de um tempo, conseguir sair da casa dos nossos pais, alugar um apartamento. – deu de ombros —

Eduarda chorava de forma contida, era uma lembrança dolorida de um amor puro, infantil e cheio de sonhos que foram arrancados de seu peito por causa da fraqueza de uma jovem e seus temores, esconder-se em um mundo só seu foi a fuga que Julia encontrou para exorcizar seus demônios internos e foi um caminho sem volta. A dor de ter perdido seu amor, sua namorada foi tão grande que ela nunca mais quis sentir o mesmo medo, o mesmo pavor, e levou sua vida de forma a não se entregar novamente.

— Eu sinto muito querida. – Ana segurou suas mãos –

— Eu também, sabe Ana, eu já tive muitas mulheres, mas eu nunca quis me envolver, o medo de amar novamente e perder como eu perdi é tão grande, é tão presente que eu não me entrego, e hoje eu sinto que eu estou perdendo muito tempo por causa desse medo.

— Duda, o medo é normal, ele só não pode tomar conta de tudo o que você faz.

— Eu sei, mas eu estava confortável assim. Não estava me incomodando. – deu de ombros –

— E agora não está mais tão confortável não é?

— Não está. Eu ainda fico imaginando se estaríamos juntas, se nossos planos teriam dado certo, eu ainda vivo pelo “se”.

— Você ainda tem contato com os pais dela?

— Não, depois que ela morreu eles se mudaram daqui, eu nunca mais soube deles. Eu recebi minha aprovação no curso de direito da UFRJ na manhã do dia que ela foi enterrada. Eu não sabia que sentimentos ter naquela hora. – uma pausa – Era algo surreal que eu estava vivendo, eu ia para a faculdade que eu queria, fazer o curso que eu sempre sonhei, mas sem o amor da minha vida.

— Você era muito nova Duda. Não pensou que teria muito ainda para viver?

— Na verdade não. Eu não queria ir para a faculdade, quando eu voltei do cemitério, eu me tranquei no meu quarto, abracei um casaco que ela tinha me dado de aniversário, ainda tinha o cheiro dela. – lágrimas sentidas escorriam pelo seu rosto – E eu desejei tanto morrer junto com Julia, eu desejei com todas as minhas forças. Eu só queria estar com ela.

Ana ouvia atentamente a amiga em silencio, respeitando o seu momento de relembrar tamanha dor.

— Eu esperei todo mundo dormir, e fui ao quarto da minha mãe, eu sabia que ela tomava calmantes para dormir, eu peguei uma das caixas que ela tinha guardado e tomei todos os comprimidos, um a um, remoendo tudo o que eu estava sentindo.

— Você nunca falou nada disso para ninguém?

— Não, eu escrevi uma carta de despedida e na mesinha mesmo eu desmaiei. – limpou o rosto com uma das mãos –

Ana levantou e pegou uma caixa de lenços na gaveta e entregou à amiga.

— Obrigada. – limpou o rosto – Eu não sei se foi minha sorte, mas meu pai levantou para ir ao banheiro de madrugada e viu o meu quarto aceso, ele foi falar comigo e me viu deitada na mesa, ele achou que eu estava dormindo de cansaço, mas quando ele foi me chamar, viu que eu estava gelada e com a caixa de remédios ao meu lado. Ficou desesperado.

— Imagino.

— Eles me levaram para o hospital e foi aquele bafafá todo. Lavagem estomacal, soro, esporro e depois alívio.

— Nessa ordem. – riu –

Duda riu também. – Nessa ordem. Foi quando eu contei para minha família que eu era lésbica, e eles me aceitaram como eu sou. Isso me deu um sopro de esperança sabe. Eu resolvi fazer a faculdade, e seguir com os meus sonhos – uma pausa – com os nossos sonhos, eu devia isso a Julia. Eu prometi que chegaria ao lugar que nós sempre planejamos.

— Ainda bem, já pensou quanto você teria perdido se tivesse conseguido se matar? Olha as coisas lindas e maravilhosas que você construiu.

— Eu só destruí tudo o que eu toquei. – balançou a cabeça – Eu magoei muitas mulheres com esse jeito de cafajeste, destruí lares de mulheres casadas, que eu seduzi e depois larguei, eu não sou uma pessoa boa Ana, eu já fiz muito mal.

— Sempre há tempo para se redimir Duda, você já tem consciência disso, e está sentindo necessidade de mudar, mas você precisa se permitir. Está na hora daquela Eduarda de vinte anos atrás sair daí de dentro e se entregar de novo. – apontou para o coração da amiga –

— É fácil de falar, mas não é nada fácil de fazer.
— Eu sei disso, mas também não é impossível. Pense nisso. – olhava para Duda – Não está mais leve agora?

— Pior que eu estou mesmo. Eu me sinto melhor, aliviada, é como se eu carregasse esse peso por todos esses anos e hoje foi tudo ao chão.

— Você dividiu o seu peso comigo, isso faz bem, não se deve guardar essas mágoas, rancores, é necessário que você supere para sua evolução. Para que você possa ser feliz amiga.

— Obrigada Ana, foi muito bom mesmo conversar com você. Mas está na hora de voltar para a realidade e esquecer o passado, ou deixá-lo de novo no cantinho dele. Eu preciso trabalhar. – levantou da cadeira –

— Duda, pode ter certeza que de onde ela estiver, ela deve sentir muito orgulho de você, pois você concretizou os sonhos que eram de vocês duas, teve força para se recuperar e seguiu em frente.

— É o que eu penso para continuar levantando da cama todos os dias. – surgiu um sorriso tímido –

Ana foi até a amiga e a abraçou, confortou aquele coração amargurado e angustiado que Eduarda carregava. Muitos anos de sofrimento recolhido, finalmente Duda conseguiu se abrir. Ana estava ali para lhe escutar e proporcionar uma renovação na alma da amiga.

— Obrigada Ana, desculpe por todas as piadas e insinuações sobre sua mulher, ela tem muita sorte em ter você.

— Eu que tenho sorte de poder estar ao lado dela, ela é uma mulher de fibra e força, assim como você é Duda, só precisa exercitar mais os seus sentimentos, e você ficará quase perfeita.

— Quase perfeita? – riu –

— Isso, eu não posso dizer que você vai ficar perfeita, senão ninguém segura o ego da excelentíssima promotora Eduarda.

Eduarda riu alto. – Você é uma figura. Vai trabalhar, vai. Eu já tomei o seu tempo demais. – beijou o rosto de Ana – E parabéns pelo concurso.

— Obrigada amiga. Espero poder ajudar nossos promotores a realizar o trabalho com justiça.

— Isso ai, esse é o discurso de uma boa juíza.

Duda foi até a porta rindo, já recuperada da emoção de reviver os momentos dolorosos do passado. Abriu e saiu deixando Ana pensativa.

A loira não imaginava que a amiga tinha um passado tão doloroso e ainda não superado. Duda é uma mulher muito decidida e intensa, mas sempre a percebeu distante, tentando mostrar um lado que não é o seu verdadeiro, mas tentava se esconder atrás da face de mulher fatal e desprendida.

Pensou em si mesma, quantos relacionamentos perdeu por medo de amar? Quantas pessoas maravilhosas passaram pela sua vida e ela deixou irem embora por medo de se entregar e amar de verdade? Quase perdeu Adriana pelo mesmo motivo.

Sentou de volta em sua mesa e voltou para os seus processos, ficou imaginando como seria sua vida dali para frente, juíza. Poucas vagas, e muita gente concorrendo, ela mal acreditava que conseguira chegar tão longe.

***********
Ana e Adriana caminhavam pelo calçadão da praia de Icaraí, a noite estava quente, o céu limpo mostrava uma lua cheia e estrelas brilhantes, uma noite perfeita para celebrar a vida e a felicidade.

As duas tinham as mãos dadas, conversavam amenidades, trabalho, planos para o futuro, família.

Resolveram sentar em um quiosque e beber alguma coisa.

— Ana e quando você começa a atuar como juíza?

— Ainda não sei, tem que esperar o cargo ser publicado no Diário Oficial, ai sim, eu serei oficialmente juíza.

— Sabe, eu fico pensando as vezes, parece que eu vivi mais nesses últimos cinco anos do que em toda a minha vida. – bebeu um gole de cerveja –

— Eu imagino. Às vezes eu também tenho essa sensação. – completou os copos –

— Foi tudo tão intenso, sabe. Eu me apaixonei por você no primeiro momento que eu te vi naquela boate. Foi instantâneo. E depois como tudo foi acontecendo, foi quase surreal.

— É, eu também me pego relembrando o passado em alguns momentos. Tanta burrada que eu fiz, eu te fiz sofrer tanto. – segurou uma das mãos da morena sobre a mesa – Eu faria tudo diferente Drica.

— Não Ana. – riu – nós faríamos tudo igual. Tudo o que aconteceu foi importante e necessário para o nosso crescimento. Tudo que nós passamos só serviu para fortalecer ainda mais o nosso laço. Hoje você pensa assim exatamente porque fez tudo o que você fez.

— Ai Drica, você é sensacional. Sempre tira o melhor de tudo. Sempre tem uma visão positiva dos fatos. Se fosse outra pessoa poderia reclamar de tudo para o resto da vida.

— De que adiantaria? Reclamar não vai tirar a barra de titânio que está na minha perna, não vai tirar o meu diploma de Harvard, que eu só fui porque eu queria fugir de você, e isso me rendeu uma especialização e um mestrado. Quer coisa melhor? – bebeu mais cerveja –

— Pois é, olhando por esse ângulo, isso foi muito bom para você mesmo. Mas também teve o seu sequestro que quase me desesperou. Isso foi algo muito ruim.

— Eu sei, tiveram alguns momentos que eu achei que não sairia de lá viva. – uma pausa – Eu ainda lembro do fogo, o rapaz caindo no meio da sala junto com o teto. Isso ainda me assombra.

— Ei, não foi culpa sua. Era a lei da sobrevivência ali, você não podia salvar todo mundo. E ele procurou por isso, ele já tinha matado outras moças, ou você saía de lá ou ele te mataria também.

— É eu sei. Mas é ruim pensar nisso, eu estava lá presa, e só conseguia pensar em você. Em te encontrar novamente, em viver todo esse amor que eu sentia e achava que nunca iria ter a oportunidade de viver. Naquele momento eu não tinha nenhuma perspectiva de viver.

— Eu fiquei louca aqui, procurando notícias suas, mas eu fui covarde e não segui o conselho de Isadora, ela me mandou pegar um avião e ir atrás de você, mas eu não fui. – seu olhar entristeceu – Foi nesse período que eu percebi o quanto eu te amava e não enxerguei antes.

— Imagino. Foi uma surpresa para mim encontrar Mariana lá quando eu acordei. Ela foi um anjo, mas no fundo eu queria que tivesse sido você. – sorriu –

— Eu me arrependo disso todos os dias, de não estar lá quando você precisou. Perdoa.

— Não se martirize por isso, o que passou, passou. E o que interessa é o nosso presente e o nosso futuro.

— Eu quero viver tudo o que tiver que viver com você. Meu amor, minha amiga, minha companheira, meu par. Você não sabe o quanto eu te amo Adriana.

— Eu também te amo demais Ana, minha mulher, meu porto seguro. – sorria –

Duas mulheres que aprenderam o que é cumplicidade, o que é companheirismo, amizade, relacionamento.

Duas vidas que se encontraram em um belo acaso, mas nada na vida é por acaso, duas personalidades, com seus problemas e defeitos, mas também suas qualidades, errando enquanto tentavam acertar, relacionamentos não são fáceis, mas o amor é o que dirige essas vidas em direção ao desconhecido, ao belo desconhecido.

O que seria de nós se não fosse o amor? Um amor puro, dedicado, sem cobranças, um amor que acontece.

Dois corações unidos pelo mesmo amor, um amor que simplesmente aconteceu.https://www.youtube.com/embed/ivFYVAntpw0?feature=oembed&wmode=transparent

 
I Remember You (Skid Row)
Woke up to the sound of pouring rain
The wind would whisper and I’d think of you
And all the tears you cried
That called my name
And when you needed me I came through

I paint a picture of the days gone by
When love went blind and you would make me see
I’d stare a lifetime into your eyes
So that I knew that you were there for me
Time after time, you were there for me

Remember yesterday, walking hand in hand
Love letters in the sand, I remember you
Through the sleepless nights, through every endless day
I’d wanna hear you say, I remember you

We spent the summer with the top rolled down
Wished ever after would be like this
You said “I love you babe, ” without a sound
I said I’d give up my life for just one kiss
I’d live for your smile, and die for your kiss

Remember yesterday, walking hand in hand
Love letters in the sand, I remember you
Through the sleepless nights, through every endless day
I’d wanna hear you say, I remember you

We’ve had our share of hard times
But that’s the price we paid
And through it all, we kept the promise that we made
I swear you’ll never be lonely

Woke up to the sound of pouring rain
Washed away a dream of you
But nothing else could ever take you away
’cause you’ll always be my dream come true
Oh my darling, I love you!

Remember yesterday, walking hand in hand
Love letters in the sand, I remember you
Through the sleepless nights, through every endless day
I’d wanna hear you say, I remember you

Remember yesterday, walking hand in hand
Love letters in the sand, I remember you
Through all the sleepless nights, through every endless day
I’d wanna hear you say
I remember, I remember you
Ohh uhh yeah!

Eu me lembro de você

Acordei para o som da chuva torrencial
O vento sussurraria e eu pensaria em você
E em todas as lágrimas que chorou
Que chamavam meu nome
E quando você precisou de mim, eu correspondi
Eu desenho um quadro dos dias passados
Quando o amor ficou cego e você me fazia ver
Eu ficaria uma vida inteira em seus olhos
De forma que eu sabia que você estava lá para mim
Vez após vez, você estava lá para mim
Lembra de ontem – caminhando de mãos dadas
Cartas de amor na areia – eu lembro de você
Através das noites sem dormir e cada dia interminável
Eu queria ouvir você dizer – eu lembro de você
Nós passamos o verão com a camisa abaixada
Queria que depois fosse sempre deste jeito
Você disse “eu te amo, babe” sem um som
Eu disse que daria minha vida por apenas um beijo
Eu viveria por seu sorriso e morreria por seu beijo
Lembra de ontem – caminhando de mãos dadas
Cartas de amor na areia – eu lembro de você
Através das noites sem dormir e cada dia interminável
Eu queria ouvir você dizer – eu lembro de você
Nós tivemos nossa porção de momentos difíceis
Mas esse é o preço que pagamos
E com disso tudo nós mantivemos a promessa que fizemos
Eu juro que você nunca estará solitária
Acordei para o som da chuva torrencial
Que levou um sonho sobre você
Porém nada mais poderia te afastar
Pois você sempre será meu sonho realizado
Minha querida, eu amo você
Lembra de ontem – caminhando de mãos dadas
Cartas de amor na areia – eu lembro de você
Através das noites sem dormir e cada dia interminável
Eu queria ouvir você dizer – eu lembro de você
Lembra de ontem – caminhando de mãos dadas
Cartas de amor na areia – eu lembro de você
Através das noites sem dormir e cada dia interminável
Eu queria ouvir você dizer
Eu lembro, eu lembro de você
Oh uh yeah!



Notas:



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