Ana Paula chegava para sua terapia, estava abatida com o semblante tristonho, Marta sentiu que tinha algo errado.

— Bom dia Ana. Você está bem?

— Não. – era sucinta –

— Sente-se por favor.

Ana sentou no sofá e abraçou a bolsa olhava para o chão sem esboçar nenhuma reação.

— O que houve, Ana?

Ana suspirou tentando controlar as lágrimas que teimavam em voltar.

— Uma amiga está desaparecida. – uma lágrima escorreu – Lá em Boston.

— Você conhece a moça que foi sequestrada lá nos Estados Unidos? – perguntou surpresa –

— Sim. – olhou para a terapeuta – Você está acompanhando o caso?

— Não acompanhando, mas eu li a respeito, ela é uma amiga intima? – perguntava a terapeuta —

— Posso dizer que sim.

— Ana, você quer falar sobre isso?

Limpou o rosto com um lenço que pegou na mesinha ao lado do sofá, suspirou e encarou a psicóloga.

— Na verdade ela é o amor da minha vida.

— É a sua namorada?

— Não.

— Como vocês se conheceram?

— Longa história.

Marta olhou no relógio. – Temos uma hora inteira pela frente.

Ana Paula se rendeu e relatou toda sua experiência com Adriana, até chegar ao fatídico carnaval que ela disse para a contadora que não a amava e como ela percebeu que estava errada diante da possibilidade de perder a morena para sempre.

— Relato interessante Ana, que bom que você conseguiu se abrir. E o melhor, você conseguiu admitir o amor que você sente por ela. Mas pensa comigo, não é só por que você está vendo a possibilidade de nunca mais encontrar com ela que você abriu a guarda?

— Como assim?

— Vamos lá, quando você estava na frente dela e ela te perguntou se você a amava. Ela estava ali ao seu alcance, por que você não disse a ela que o que você sente é amor?

— Eu não sei.

— Agora que ela está fora do seu alcance, realmente fora, sem ter mais a perspectiva de retorno, por que infelizmente nós não sabemos se ela vai sobreviver. Agora você se deu conta que o que você sente é amor?

— Sim, a possibilidade de não vê-la novamente me despertou.

— Será que isso não foi conveniente? E se ela voltar? Você vai se esconder novamente?

Ana ficou pensando. Não sabia a resposta, naquele momento ela sabia que sentia amor, mas teria coragem para lutar por ele?

— Eu não sei o que eu vou fazer se ela voltar.

— Sua namorada? O que ela pensa sobre isso?

— Ela se sente insegura. Ontem ela me perguntou o que eu sinto por Adriana.

— E você respondeu o que?

— Eu não respondi. Justifiquei minha tristeza com a importância que ela teve na minha vida.

— Entendo. Eu acho que você não quer perder sua namorada, para não ficar sozinha, porque você não sabe se o seu amor vai querer ficar com você caso ela volte.

— Como assim?

— Você não quer perder o certo pelo duvidoso, Adriana pode ou não voltar, e se ela voltar e não aceitar suas desculpas, você não perde a segurança do seu namoro.

— Não é nada disso! – colocou a bolsa no sofá —
— Pense Ana, para não meter os pés pelas mãos quando esse momento chegar.

Ana ficou olhando para o chão, Marta terminava de anotar algumas coisas e terminou a sessão.

— Bom Ana por hoje é só, passamos até um pouco do nosso horário. Te vejo semana que vem?

— Sim.

Ana saiu do consultório pensativa, o que ela faria se Adriana voltasse? Não sabia responder. Queria lutar por esse amor, mas tinha medo de magoar Lívia, a pergunta da terapeuta martelava em sua cabeça : “ … E se ela voltar? Você vai se esconder novamente?”

Ana não queria mais se esconder, mas e se Adriana não aceitar suas desculpas? Ela perderia as duas, Drica e Lívia, o que fazer? Entrou no escritório automaticamente, não estava raciocinando. Esperava encontrar alguma noticia atualizada sobre o caso de Adriana, sentou na frente do computador e esperou o aparelho ligar, impaciente tentava conectar à internet, quando conseguiu procurou por noticias sobre Adriana , não tinha nada de novo.

Cada dia que passava era menos um fio de esperança de encontra-la viva, respirou fundo e começou a trabalhar torcendo para que a morena estivesse bem, onde quer que ela esteja.

O rádio ligado no escritório ditava a melodia do coração de Ana Paula.

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Don’t Wanna Lose You (Gloria Estefan)

Sometimes it’s hard to make things clear
Or know when to face the truth
And I know that the moment is here
I’ll open my heart and show you inside
My love has no pride

I feel with you I’ve got nothing to hide
So open your eyes and see who I am
And not who you want for me to be
I am only myself, myself

I don’t wanna lose you now
We’re gonna get through somehow
I don’t wanna lose you now or ever

Baby I’ve finally found
The Courage to stand my ground
But if you want me
I’ll be around, forever

We all make mistakes, we all lose our way
But we stood the test of time and I hope
That’s the way it will stay
It’s all up to you, to tell me to go
‘Cause it won’t be me to walk away
When you’re all that I know
And I know that

I don’t wanna lose you now
We’re gonna get through somehow
I don’t wanna lose you now or ever and ever
Baby I’ve finally found
The courage to stand my ground

But if you want me
I’ll be around, forever, forever, yeah , yeah

Don’t wanna lose you , lose you now
We’re gonna get through somehow
Don’t wanna lose you now
Don’t wanna lose you
Dont’ wanna lose you

Não quero perder você

Às vezes é difícil Tornar as coisas claras
E saber quando enfrentar a verdade
E eu sei, que o momento é este aqui
Eu abrirei o meu coração e mostrarei o meu interior
Meu amor não tem orgulho

Sinto que contigo não tenho nada a esconder
Então abra seus olhos e veja quem sou
E não quem você gostaria que eu fosse
Eu sou apenas eu mesma, eu mesma

Eu não quero perder você, agora
Nós vamos superar isto de qualquer modo
Eu não quero perder você agora ou sempre

Amor, eu finalmente encontrei
A coragem para erguer minhas estruturas
Mas se você me quer
Eu estarei por perto, para sempre

Todos nós cometemos erros, todos nós desviamos nossos caminhos
Mas nós resistimos às provas do tempo, e eu acredito
que é assim que vai ficar
Tudo depende de você, ao mandar-me ir embora
Porque não serei eu quem vai embora
Quando você é tudo aquilo que conheço …
e eu sei disso!

Eu não quero perder você, agora
Nós vamos superar isto de qualquer modo
Eu não quero perder você agora ou sempre e sempre
Amor, eu finalmente encontrei
A coragem para erguer minhas estruturas

Mas se você me quer
Eu estarei por perto, para sempre, para sempre

Não quero perder você, perder você, agora
Nós vamos superar isto de qualquer modo
Eu não quero perder você agora
Eu não quero perder você
Eu não quero perder você

*************
Felipe já estava em Harvard ha quase uma semana, e as investigações chegaram ao irmão de Bryan, ex militar estava de licença por estresse pós-traumático, estava de volta em solo americano desde o inicio do ano, exatamente quando começaram os ataques às meninas. A placa do carro que encontraram no local do rapto de Adriana foi crucial para chegar ao rapaz.

Ele estava confiante, já que conseguiram um ótimo avanço nas investigações, tinham policiais vigiando os locais que ele costuma frequentar e mandados de prisão expedidos para o rapaz.

Ele mandava noticias para as meninas no Brasil, atualizando as informações e como estavam as buscas. Conversava com Paula pelo Skype.

— Felipe, como estão as coisas por ai?

— Nossa, isso aqui é frio viu. Bem que Adriana reclama toda vez que conversamos. – ele riu – E olha que eles estão entrando no verão.

— Eu imagino, e ela? Tem alguma notícia?

— Olha, os investigadores chegaram a um irmão de um tal de Bryan Taylor, um dos garotos que estão presos.

Viviane chegava na sala e ouviu o nome do ex namorado. Puxou a cadeira e se juntou a Paula.

— Oi Felipe, o Bryan é o cara que comandou tudo, eu estava saindo com ele na época.

— Oi Vivi, então, no dia que Drica foi sequestrada o FBI encontrou a placa de um carro nos arredores de Harvard perto do Ipod dela, foi o que ajudou a chegar nesse rapaz, mas não encontraram ele em casa e ele abandonou o emprego.

— Então pelo menos estão atrás de alguém, meu medo era das meninas sumirem do mapa sem saber a quem procurar. – Paula dizia –

— Não, eles já têm uma pista, estão muito perto de encontrar as garotas, tomara que Adriana esteja bem. Eu morro de medo de encontrarem minha irmã morta ou machucada. – ficou nervoso –

— Não pense nisso, ela estará bem, quando a encontrarem tenta trazer Drica pra casa. – Paula pedia –

— Eu vou tentar, mas aquela ali é teimosa feito um burro empacado.

— Eu que o diga! – disse Viviane revirando os olhos –

— Então é isso, eu aviso se tiver algo novo.

— Tudo bem, Felipe, obrigada. Até mais.

Ele acenou e desligou a tela da conversa. Tomou um banho e deitou para tentar descansar.

Paula e Viviane conversavam na sala.

— Tomara que eles encontrem a Dri logo. Eu estou preocupada com ela.

— Eu também, não saber o que está acontecendo é terrível. Se ela está comendo, se está aquecida.

— Ai, nem gosto de pensar, e se ele a torturou? Ou estuprou? Ai nem quero pensar. – sacudiu a cabeça como se limpasse o pensamento –

— Não pensa nisso, ela está bem, eu estou rezando todo dia para Deus a proteger, ela vai ser encontrada.

— Minha vontade é de pegar um avião e ir para Harvard me oferecer em troca da Dri. É a mim que ele quer.

— Nem pensar, senão serão duas que teremos perdido, nada disso, você fica. A polícia vai encontra-la.

Paula a abraçou e Viviane se deixou consolar pela amiga. Estava extremamente preocupada, já tinham seis dias que sua amiga estava desaparecida e ainda não encontraram nada.

***************

Lívia chegava na casa de Ana Paula para ficar com a namorada, Ana estava conversando com Camila na cozinha.

— Mila, sua amiga deu alguma notícia do irmão de Adriana? – fazia um sanduíche –

— Não. Felipe ainda está em Boston, parece que tinham um suspeito, mas eu não sei se é concreto ainda. – comia uma lasanha –

Dona Joana estava no quintal, levando o lixo para fora quando Lívia chegou, a senhora deixou a namorada de Ana entrar avisando que as meninas estavam na cozinha.

Lívia se dirigia para o cômodo e ouviu parte da conversa das duas, caminhou devagar para ouvir melhor.

— Eles têm que encontra-la Mila, eu não vou conseguir ficar tranquila enquanto não souber que ela está bem.

— Ana, eu sei que isso é difícil, mas deixa a garota, você já falou na cara dela que não a ama, o que você espera dela? – cortava outro pedaço da lasanha –

— Eu não sei Camila, não é que eu espere algo, mas eu sinto que tem alguma coisa mal resolvida entre a gente. – pegava suco na geladeira —

Lívia ouviu isso e sentiu uma pontada no peito, além de ser confundida com a morena em sua cama, agora confirmou que Ana tem dúvidas sobre o relacionamento delas.

— E a terapia Ana, está ajudando? – olhava para a irmã –

— Sim, bastante. Eu acho que tem muita coisa para acontecer ainda, mas já deu para entender alguns pontos. – começou a comer o sanduiche —

Lívia se sentiu mal, Ana não tinha falado que estava fazendo terapia, quando a loira iria confiar na professora novamente? Entrou na cozinha cortando o assunto rispidamente.

— Quando você ia me contar da terapia? – cruzou os braços –

— Boa noite pra você também. – dizia Ana nervosa –

Camila só observava a batalha que as duas travavam apenas com o olhar. Bebeu um gole do refrigerante e continuou comendo sua lasanha.

— Você vai me responder ou vai continuar fazendo piadinhas?

— Eu vou te responder, mas você pode pelo menos cumprimentar minha irmã que não tem nada haver com os nossos problemas?

— Desculpe Camila, boa noite. – Lívia disse sem graça –

Camila olhou desconfiada mas devolveu o cumprimento. — Boa noite.

— Vamos pro meu quarto. – Ana pegou o sanduiche e o copo de suco e saiu da cozinha — Vou subir Camila, depois a gente conversa.

— Vai lá. – Camila já sabia que isso não ia dar certo –

Lívia seguiu Ana Paula pelas escadas até chegar ao quarto da loira, entraram e a professora fechou a porta atrás de si. Jogou a bolsa que recolheu da sala sobre a poltrona de Ana e permaneceu em pé. Ana colocou o copo com o suco sobre o criado e sentou na cama para terminar de comer. Não falou mais nada e a professora começou a ficar irritada.

— Então Ana Paula, quando você ia me contar sobre fazer terapia? – voltou a cruzar os braços –

— Quando eu sentisse que eu não ia abandonar as sessões, para você não ficar reclamando que eu não continuo nada o que eu começo.

— Isso não é desculpa Ana, você não confia em mim. Poxa eu não acredito que você não me falou sobre isso.

— Lívia você esta exagerando, não significa que eu não confio em você, eu só queria ter certeza que teria sequencia antes de sair por ai dizendo que eu estou indo a um psicólogo.

— Eu estou exagerando? Ana eu tenho sido muito condescendente, você apareceu na minha casa dizendo que não sentia nada por Adriana, e faz uma semana que você fica ai chorando pelos cantos por causa dela, você não transa comigo no meu quarto porque você só enxerga que o quarto é dela, me esconde as coisas, eu juro que eu não estou aguentando essa pressão dessa vez. – andava pelo quarto —

— Lívia por favor, eu já te pedi para ter paciência comigo, eu estou preocupada com ela sim, a garota está desaparecida, ela foi importante pra mim. Nós tivemos um envolvimento muito forte.

— Mas você disse que passou, seu sentimento ainda não se definiu não é?

— Não é nada disso Lívia, por favor, eu estou vendo uma terapeuta por causa do problema dos meus pais. – mentiu –

Lívia olhava desconfiada, estava insegura, na primeira vez em que namoraram ela não tinha esse sentimento de perder Ana Paula a qualquer momento, dessa vez essa era quase uma certeza, ela estava apenas esperando o momento que seria abandonada.

— Você tem certeza?

— Sim, Lívia. Por favor não torne as coisas mais complicadas do que já são. Você está exagerando. – levantou e foi até a namorada –

— Ana, eu estou muito insegura. Eu não gostei de ver você chorando por outra mulher. Eu não quero te perder de novo. – lágrimas brotaram de seus olhos –

— Eu estou aqui com você, eu não vou a lugar nenhum, tudo bem?

Lívia a abraçou e Ana a embalou em seus braços, a professora estava cansada de se sentir assim, amedrontada, não é a vida que ela escolheu, mas ela queria tentar e lutar para reconquistar novamente Ana Paula, ela sentia que a loira ainda estava balançada pela morena dona do apartamento que ela mora, o sentimento de Ana Paula ainda estava dividido, e ela queria fazer com que a loira voltasse a ser somente sua.

Elas se beijaram, Ana ainda sentia o peso de carregar suas indecisões, de continuar sentindo medo de se entregar e viver plenamente um grande amor. Mas no fundo ela sabia que esse amor só seria de uma pessoa: Adriana. Se ela tivesse mais uma chance. O seu pensamento era de não desperdiçar se recebesse essa dádiva, ter Adriana em seus braços novamente.
**************

O pai de Adriana ligava para Felipe para saber sobre as investigações e sua mãe só se preocupava em não vazar a noticia que sua filha era namorada de uma mulher, sua posição social parecia importar mais do que o bem estar da garota, o que deixava Felipe furioso. Ele não conseguia entender o motivo da aversão que sua mãe sentia da própria filha, era quase surreal o comportamento de sua mãe.

************************

Renata tentava manter a sua rotina normalmente, ia às aulas, estudava como podia, já que a maior parte do tempo era distraída pensando onde a morena poderia estar, uma semana desaparecida e sem avanços nas buscas pelo irmão de Bryan.

Encontrava com Felipe todos os dias para tentar informações com os investigadores, a garota se mostrou muito forte para os amigos, mas quando chegava no quarto e ficava sozinha, desabava a chorar, estranhava as vezes aquela reação, conhecia Adriana a tão pouco tempo, a morena conseguiu conquistar sua amizade mais verdadeira. Adriana tinha esse efeito nas pessoas.

A proximidade com Felipe estava mexendo com seus sentimentos, se percebeu interessada pelo rapaz, Felipe é um homem bonito, alto, pele clara, os cabelos lisos como os de Adriana, cortados em estilo asa delta, um físico atlético, as feições eram muito parecidas com as da irmã. Renata estava completamente atraída pelo charme do rapaz.

— Oi Felipe, tudo bem? – ligava para ele –

— Oi, tudo bem e você?

— Eu estou bem.

Um silencio incomodo surgiu na ligação, Renata estava sozinha no quarto, pensando em Felipe, quando se deu conta já tinha discado o número do rapaz, não tinha motivo nenhum para aquele contato.

Felipe por sua vez, também se sentia atraído pela menina despojada que ele conhecera na chegada à Harvard, em um primeiro momento ele não deu muita atenção a isso, estava muito preocupado em achar Adriana, mas agora que ele já estava calculando que a policia a encontraria mais cedo ou mais tarde, ele começou a prestar atenção em Renata.

Completamente diferente das mulheres que ele já namorou, talvez por isso esteja chamando tanto a sua atenção. O jeito meigo de menina inocente estava deixando ele louco.

— Diga, aconteceu alguma coisa?

— Não, não aconteceu nada, é que eu estou sozinha, e queria conversar. – batia com a palma da mão na testa —

— Entendi. — tinha vontade de encontrar com a moça – Você já comeu alguma coisa?

— Ainda não.

— Nem eu, não quer me encontrar em algum lugar para comer? Podemos conversar, eu também me sinto muito sozinho aqui nesse hotel.

— Claro, onde você quer ir? – saltitava de emoção –

— Aqui não tem muita opção, que tal um lanche ai no campus? Você não precisa sair de Harvard.

— Ah pode ser então. – seu sorriso era enorme –

— Daqui a uma hora então? – Felipe estava ansioso—

— Sim, eu te encontro por lá. Na cafeteria.

— Eu estarei lá.

Desligaram e Renata saiu pulando dentro do quarto, se conteve ao olhar a cama da amiga vazia, caramba, ela estava flertando com o irmão de Adriana, será que a morena vai ficar zangada? Ah, deixou para pensar nisso depois, por hora foi se trocar para ir até a cafeteria.

Chegando no local, ela avistou Felipe sentado em uma mesa olhando o cardápio, completamente distraído. Renata caminhou até ele, vestia um jeans saruel, blusa gola polo branca e all star nos pés, o casaco de couro fechava o visual. Os cabelos molhados do banho recém tomado. Ao chegar na mesa, Felipe percebeu sua aproximação e desviou o olhar para a moça.

Aquele estilo solto, despojado o encantava de uma maneira que nem ele conseguia explicar.

— Oi. – ela disse sem graça –

— Oi, senta ai.

— Eu demorei muito?

— Não, eu acabei de chegar. O taxi demorou.

— Alguma novidade sobre Adriana? – tentava um assunto em comum –

— Nada diferente, parece que estão rastreando um celular que acham que é desse cara, vamos ver, quem sabe Adriana volta pra casa essa semana.

— Quando ela voltar, você vai embora? – sentiu medo –

— Sim, eu vou voltar pra casa.

— Que pena, eu gostei muito de ter conhecido você. – dizia com sinceridade –

— Eu também gostei de te conhecer. – sorriu sem graça –

— Você tem alguém te esperando lá no rio?

— Como assim? – estava intrigado –

— Namorada? – não acredito que eu perguntei isso – pensava se recriminando.

— Ah, sim, eu tenho sim. – não poderia mentir, não era do seu caráter –

Renata recebeu um balde de água congelada, percebeu que não teria chances com aquele Deus Grego que é o irmão de sua colega de quarto.

— E você, tem namorado?

— Não. Eu estou solteira.

— É melhor pedir, o que você quer comer?

Felipe desviou o assunto, depois de lancharem, conversaram ainda sobre várias situações, a maioria sobre Adriana, Felipe contava triunfante todas as travessuras que os dois fizeram juntos.

Já estavam caminhando de volta para o alojamento, ele insistiu em acompanhá-la até a portaria do prédio, fazia frio à noite.

Na porta do prédio, os dois pararam de andar. Parecia que ninguém queria sair dali, nenhum dos dois queria voltar para a solidão d o seu quarto. Felipe olhava para Renata que disfarçava e olhava ao redor.

— Você é muito ligado a Adriana não é? –Renata perguntava –

— Sim, nós somos muito ligados, eu sou apaixonado por ela, é minha irmã caçula, linda e meiga que só me dá alegria, sabe.

— Não sei, eu sou filha única. – deu de ombros –

— Eu não vejo a hora de ela voltar e eu poder abraça-la novamente.

— E seus pais? Como eles estão?

— Eu não sei, meu pai que me liga as vezes, mas minha mãe está mais preocupada com a imagem da família do que em achar Adriana, isso me irritou demais.

— Sério? Eu não poderia imaginar isso.

–É, minha mãe é muito fútil, ela não está falando com Drica porque ela disse que é lésbica, minha mãe quase teve um treco.

— Nossa, e pra você essa escolha de vida dela não fez diferença?

— Claro que não, minha irmã é inteligente, dedicada, tem um caráter invejado, entrou em Harvard através de prova e foi convidada para voltar e fazer mestrado. É isso que me importa, ela continua sendo minha pequena. – seus olhos se encheram de lágrimas novamente –

Renata comovida elevou sua mão, secando uma gota que escorria em seu rosto, ficando bem próxima do rapaz, Felipe a encarava, quando estavam se aproximando para o que seria um beijo, o segurança do Campus passou chamando a atenção dos dois, dizendo que ele não poderia estar ali àquela hora.

Frustrados e sem graça, os dois trataram de se despedir para seguir os seus caminhos de volta à solidão do quarto que os abrigava.

****************

Adriana já estava naquele confinamento ha mais de uma semana, não aguentava mais dormir no chão e comer mal. Não entendia o propósito do cárcere, já que o rapaz não fazia nada com ela nem com as meninas. Seu desespero já estava se materializando, andava em círculos tentando conseguir um jeito de se soltar.

Tentava interagir com o seu sequestrador mas ele não deu mais brechas para um novo diálogo.

O nome dele é Ryan, era madrugada quando o rapaz subiu no sótão e levou uma das meninas, a garota gritava, Adriana que estava dormindo acordou assustada com o barulho alto das correntes e os gritos de Cindy, ela se apavorou com a forma brutal que ele a tratou. Depois de alguns momentos de terror, o silencio se fez dentro da casa, Adriana já imaginou que outra menina estava morta, ouviu o barulho do carro arrancando do lado de fora.

Adriana ficou apavorada e a outra menina chorava. Adriana começou a olhar em sua volta tentando encontrar uma maneira de escapar. Especialmente naquele dia ela enxergou uma rachadura na barra de ferro que servia de base para sua corrente e se animou, percebeu que o ferro não era maciço, era oco. Pegou a corrente e enrolou nas mãos, começou a bater com a corrente contra aquela rachadura, tentando terminar de quebrar o ferro e ficar livre, pelo menos poderia se locomover pelo sótão. Puxava a corrente com força já estava sentindo dores nas mãos e nada da rachadura nem se mexer.

— O que você esta fazendo?

— Tentando me soltar. – dizia ofegante –

— Como? Você não vai conseguir.

— Eu vou sim. – batia com a corrente –

Depois de quase meia hora tentando e muitas dores nos pulsos e nas palmas das mãos, Adriana sentou derrotada, chorando alto de desespero, estava perdendo sua vida trancada dentro de um lugar sujo, sem luz, frio, sem comer direito, emagrecera vários quilos, estava suja e cansada.

O rapaz voltou e entrou no local para reacender a luminária encheu de querosene e olhou o estado de Adriana que ainda chorava. Não disse nada. Adriana em um ataque de fúria enfrentou seu sequestrador novamente.

— Ei, você, o que você quer? Vai nos trancar aqui a vida inteira? Qual é a sua hein? Me mata de uma vez, e acaba logo com isso!

— Quando chegar o momento certo eu atendo o seu pedido. – ele dizia friamente —

Ela forçava as correntes mas era em vão.

— Que merda! Você não tem noção do que está fazendo, deixa a gente ir embora, ninguém vai dizer que foi você, caramba.

–Nem pensar, vocês são o passaporte do meu irmão pra liberdade.

— O seu irmão é um marginal, um estuprador. Ele é um merda que está no lugar que ele merece.

Enfurecido o rapaz deu outro tapa em Adriana, que fraca, caiu ao chão chorando.

— Você não sabe o que está falando, ele vai sair de lá, e você vai me ajudar. – ele apontava o dedo indicador para ela —

Saiu deixando a morena caída com as mãos no rosto. Adriana olhava as chamas da lamparina e por um momento teve uma ideia. Levantou e tentou alcançar a lamparina que estava sobre uma mesinha quebrada perto dela. Se esticava inteira e não conseguia alcançar a mesa, resolveu sentar no chão e com os pés arrastava a mesinha com o cuidado de não derrubar a lamparina. Conseguiu trazer o móvel até si.

Pegou a lamparina e retirou a proteção de vidro, colocou as chamas na direção do ferro que estava rachado tentando deixa-lo frágil para então conseguir quebrar o objeto. Quando viu que o ferro já estava vermelho de tão aquecido, ela voltou a bater com a corrente contra a rachadura e para sua surpresa o ferro estava sendo moldado por ela.

Conseguiu mover um pouco a rachadura, mas suas mãos estavam muito doloridas para continuar, colocou mais uma vez as chamas na direção do ferro e esperou mais um pouco, mais uma vez ela forçava as correntes contra o ferro e depois de muito esforço, conseguiu quebrar sua prisão. A força que fazia a jogou longe quando o ferro se soltou, ainda estava acorrentada mas conseguia andar livre pelo local. O sangue escorria pelos seus braços, os pulsos foram totalmente machucados, as mãos estavam inchadas, os braços pesavam uma tonelada cada um.

Estava tonta, não comia direito, estava com frio, e cansada sem dormir bem. Quando caiu ficou zonza, tentava se levantar, apoiava as mãos no chão, e olhava ao seu redor. Levantou e foi ao encontro da outra menina, que se assustou com Adriana.

— Caramba, como você conseguiu sair?

— Longa historia. Tenta fazer aqui também.

Pegou a lamparina e fez o mesmo no ferro onde a outra menina estava presa, e explicou como tinha feito para sair. A garota tentava mas parecia que ela estava presa em algo mais resistente. O ferro só entortou e não quebrou. Adriana resolveu então esperar o próximo momento que ele entraria para levar mais comida e daria o bote. Combinou um plano com a menina e esperou.
****************************

Outro corpo foi encontrado nos arredores de Harvard. Outra mulher morta pelo irmão de Bryan. A notícia apavorou os estudantes, Renata saiu correndo da aula atrás de notícias, queria ter certeza de que não era Adriana, a imprensa não divulgou o nome da quarta vítima.

Ninguém no campus sabia dizer quem era a moça encontrada. No desespero ela ligou para Felipe.

— Alo.

— Felipe, onde você está?

— Eu estou chegando na delegacia.

— Você já sabe quem é a menina que foi morta?

— Não, é isso que eu estou indo saber. Eu vi a notícia no jornal hoje .

— Assim que você descobrir me avisa.

— Pode deixar.

Desligaram o telefone e Renata estava desesperada, o medo de ser a sua colega de quarto estava consumindo suas energias. Voltou para a sala e tentou prestar atenção em alguma coisa, mas foi em vão, meia hora se passou e recebeu uma mensagem de Felipe, não era Adriana. Sentiu um alívio imenso em saber que ela ainda poderia estar viva. Voltou a prestar atenção nas suas atividades, esperando por mais noticias.

*********

Felipe ligou para Paula para atualizar a amiga.

— Paula.

— Oi Felipe, como estão as coisas ai?

— Encontraram outra menina morta, Paula, Graças a Deus não foi Adriana. Mas já foram quatro garotas.

— Minha nossa. – colocava a mão na boca –

Viviane e Alessandra que estavam perto da amiga pararam suas atividades no escritório para ouvir a conversa.

— Foi do mesmo jeito das outras meninas?

— Foi.

— O que foi Paula? – Alessandra perguntava –

Ela tapou o fone e esclareceu às amigas. – Acharam outra moça morta.
— Adriana? – Viviane logo se desesperou –

— Não, não é ela.

O alivio foi total. Paula ainda conversou mais um tempo com Felipe e finalmente desligaram o telefone.

Paula ligou para Mariana mas o celular da índia estava na caixa postal, não sabia onde tinha colocado o telefone do escritório de arquitetura, então mandou uma mensagem avisando que se ela visse alguma noticia com relação ao corpo encontrado, para não se preocupar pois não é Adriana.

*************
No cativeiro Adriana estava escondida atrás da porta, Emily continuava presa, ela não conseguiu se soltar como a contadora. Os raios da manhã já entravam pela janela. Elas ouviram os passos de Ryan subindo as escadas, elas se prepararam para tentar uma investida sobre ele. Era a única oportunidade de escapar.

Ao abrir a porta e entrar, ele percebeu que Adriana não estava mais presa, avistou o ferro retorcido e se assustou. Não imaginava que a morena teria forças para isso. Ele olhou para a outra menina e ela fingia estar dormindo. Quando ele menos esperava, Adriana surgia de trás da porta envolvendo o pescoço de Ryan com as correntes que a prendiam pelas mãos, o rapaz tentava segurar o objeto afastando de sua garganta enquanto cambaleava com Adriana pendurada em suas costas.

A morena envolveu suas pernas na cintura do ex militar e fazia força puxando a corrente, ele cambaleava tentando tirar a morena de cima de si, se jogou para trás e bateu com as costas da contadora na parede, Adriana sentiu a dor provocada pela pancada. Estava fraca, e os braços doloridos pelo esforço ao se soltar, machucados pelas correntes quase falhavam. Ela tentava manter a pressão sobre a garganta de Ryan e ele quase se soltou.

Adriana conseguiu dar outra volta com a corrente em seu pescoço e apoiou o braço em uma gravata. Ryan lutava, tentava soltar as pernas da morena que estavam enganchadas em um triangulo, um golpe conhecido nas artes marciais, Adriana já treinou há anos atrás, tinha alguma habilidade para se defender. Mais uma vez, Ryan se jogava contra a parede e Adriana quase afrouxou o pescoço do rapaz, ela já estava ficando sem forças.

Emily que estava vendo a briga, tentando ajudar colocou o pé na frente de Ryan que tropeçou e caiu com Adriana agarrada nele sobre os móveis perto de onde ela estava presa, na queda ele esbarrou na lamparina derrubando o recipiente que se espatifou no chão de madeira velha.

O querosene que espalhou no chão, logo ficou em chamas, o fogo se alastrou rápido, pois a madeira velha já estava seca, tinham muitos jornais e papelão, o que ajudou a espalhar as chamas.

Adriana estava tonta, na queda bateu a cabeça no chão, Ryan estava desacordado, desmaiou ao ser sufocado. Emily gritava por Adriana, estava presa e não poderia escapar do fogo. Drica levantou meio zonza ainda, sentia o peso dos braços por todo o esforço feito até aquele momento sua perna doía, olhou a sua volta e não conseguia enxergar nada que pudesse usar para libertar a garota, viu as correntes que prendiam a outra moça que ele levou e resolveu prender Ryan para que ele não acordasse livre para lhes atacar. O sangue começou a escorrer em seu rosto, na queda abriu o supercílio direito. Com o sangue quente nem estava sentindo mais nada.

Saiu pela casa à procura de algo que pudesse quebrar as correntes da menina que gritava desesperada. No andar de baixo, Adriana viu sangue fresco no meio do que era uma sala, a poça deveria ser da menina que ele matou durante a madrugada, seus olhos se encheram de lágrimas. Caminhava com dificuldades pelo cansaço e por estar presa ainda.

Dentro da casa não tinha nada que ela pudesse usar, revirou um amontoado de escombros mas não tinha nada, lembrou-se do carro de Ryan, ele deveria ter uma caixa de ferramentas. Saiu da casa, podia ouvir os gritos de Emily no segundo andar. Se locomovia com dificuldade, a fumaça já tomava conta do céu nublado de Boston, percebeu que estavam em um lugar afastado os vizinhos que existiam estavam a pelo menos um quilômetro. As chamas já podiam ser vistas fora da casa, preocupada com a garota ela correu para encontrar algo que pudesse as libertar.

Por sorte o carro estava aberto, na mala ela encontrou uma caixa cheia de ferramentas, pegou um alicate grande e usou para cortar suas correntes, ela conseguiu, estava livre, saiu correndo para libertar Emily, o teto da cozinha estava em chamas, era o chão onde o querosene caiu e pegou fogo. A fumaça já tomava conta da casa inteira. Ao chegar ao segundo andar, ela já encontrou dificuldades para entrar no sótão novamente, tinha muita fumaça e um calor imenso.

— EMILY! — gritou pela moça –

— Aqui. – ela tossia –

O fogo já consumia alguns móveis que estavam perto da garota, Adriana teve que retirar alguns objetos do caminho, a fumaça era muito intensa, o cômodo só tinha a pequena janela quebrada para expelir a fumaça e esse pequeno orifício não estava dando conta desse trabalho.

O telhado já começava a desabar, e Adriana corria contra o tempo para não morrerem as duas ali dentro depois de tanto esforço. Tentava limpar o sangue que escorria sem parar, atrapalhando sua visão.

Conseguiu chegar até a moça, muita fumaça, e o chão também começou a desabar, Adriana tremia, conseguiu cortar as correntes que prendiam Emily e arrastou a menina para a porta, olhou Ryan deitado no chão, inconsciente, resolveu que voltaria depois para retirar o rapaz. Ela não aguentaria com os dois ao mesmo tempo.

Desceu com Emily apoiada em seus ombros, nem Adriana estava aguentando tanta fumaça, estava perdendo os sentidos. Ao descer as escadas, uma parte do teto da sala desabou, com o susto ela caiu sentada na escada com Emily, apoiada nos degraus ela viu o corpo de Ryan caindo ao chão em meio às madeiras em chamas. Ela chorava e rezava, pedia a Deus para lhe dar forças para continuar.

— Senhor, me ajuda. Eu preciso sair daqui. – lágrimas escorriam em seu rosto —

A essa altura Emily já estava desacordada, e Adriana carregava todo o seu peso nas escadas. Colocou a garota em suas costas e desceu até o hall. O fogo consumia a casa inteira e a morena caiu novamente, se arrastava pelo chão junto com a outra estudante. Adriana se sentia minada, tirava forças de um filme que passava pela sua memória, sua vida em sessenta segundos. Puxava Emily pelos braços, o corpo desfalecido da garota parecia pesar uma tonelada.

Quando conseguiu atingir a porta, já estava sem forças, achou que não conseguiria sair de dentro da casa, com muito sacrifício, ela chegou ao quintal, se arrastou para o mais longe que conseguiu, antes de desmaiar ainda pôde ouvir as sirenes dos bombeiros. A fumaça chamou atenção dos poucos vizinhos e eles chamaram a brigada de incêndio.

Os vultos dos caminhões vermelhos estacionando foram as últimas imagens que Adriana viu antes de fechar os olhos ao lado de Emily sobre a grama.



Notas:



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