DESVENTURAS EM SÉRIE

DESVENTURAS EM SÉRIE

Por Naty Souza

 

Já falei sobre meu intercâmbio em outro texto. O de hoje relata mais uma entre as minhas noitadas na capital lusitana.

Logo que cheguei à cidade, fiquei no albergue da juventude. Depois me mudei para uma pensão, próxima à faculdade em que iria estudar. Só não prestei atenção ao fato de que não existia um ônibus ou metrô que fizesse a linha. Eu tinha que pegar duas conduções para chegar lá, e demorar uma hora, ou ir a pé em quinze/vinte minutos. Inverno com 0°C de sensação térmica e chuva? Miséria pouca era bobagem!

A pensão feminina era num apartamento gigante, com 10 quartos, um banheiro, uma pequena cozinha e uma área de serviços.  Na verdade, eram dois apartamentos espelhados, que se ligavam pela área de serviços, cada qual tão grande quanto o outro. Do nosso lado, moravam brasileiras e africanas. Do outro, só portuguesas. A única exceção era Cristina, que dividia o quarto comigo. Entre as brasileiras, gente de São Paulo, Mato Grosso, Pernambuco, Goiás, entre outros estados. A maioria era de mulheres solteiras, trabalhando em subempregos para mandar dinheiro para a família no Brasil.

Para comemorar minha chegada, resolveram me levar, já na primeira semana, a uma “Ladies night”. Isso significava que não pagaríamos para entrar e beberíamos de graça. E para completar, era a noite do Clube das Mulheres, o que descobri já na porta do recinto. Ninguém sabia que eu era lésbica e eu não queria contar. Já tinha passado por tantos preconceitos no Brasil, que queria sentir a “vibe” antes de contar. Já era ruim o suficiente estar sozinha em outro país.

Bem, bebida de graça, música, uns caras tirando a roupa. O que poderia dar errado? Nada! Só que não! Concordei com aquele absurdo e entrei. Deixei o sobretudo na chapelaria, ganhei um copo de acrílico e me dirigi ao bar. Para minha surpresa, o refrigerante servido com a vodca era de maçã, bem docinho. A solução? Surrupiar um copo de uma moça desavisada, lavar com vodca pura e pegar um chope e uma vodca maçã. Teria que ser bêbada, pra aguentar aquela noite.

Papo vai, papo vem, o tal show começou. A trilha sonora era pavorosa! Eu nunca vi tantos parentes do Toni Ramos de sunga na minha vida! Que coisa HORROROSA! Argh! Tenho arrepios de lembrar da cena!

Resolvi ir para um lugar afastado do palco, para ver se algo melhor acontecia. Vi umas meninas bonitas, tentei olhar, puxar assunto, e nada. Um rapaz me pediu isqueiro e eu disse que não tinha. Quando ele notou que eu era brasileira, já deu um sorriso cafajeste e me encantuou. Foi bem trabalhoso me livrar dele e do seu discurso machista sobre as mulheres de nosso país.

Meio atordoada, saí a procura das minhas colegas, e não as achei. Ainda não tinha comprado um celular, então a comunicação era só à moda antiga. Bebi mais alguns chopes e cheguei a conclusão que já era hora de ir. Deviam ser umas 4h da madrugada, pensei. Peguei meu casaco e quando abriram a porta, o sol raiava bem forte. Olhei no relógio e quase tive um troço: 8h da manhã!

Bem, eu tinha que ir embora mesmo! Olhei ao longe e vi uma estação de trem. Resolvi ir caminhando até lá. O Rio Tejo, à minha direita, trazia uma brisa fria ali no Cais de Alcântara, mesmo com o sol brilhando no céu. Caminhei por um bom tempo, e me senti naqueles jogos do Atari, que a casinha da montanha nunca chega, apesar de dezenas de fases passarem.

Quando, enfim, cheguei, me lembrei que não tinha nem ideia de para onde eu tinha que ir. Demorei um tempo procurando a faculdade no mapa. Não conseguia me lembrar do nome do bairro ou sequer da rua da nova morada. Decidi me dirigir para a estação central e tentar ajuda lá. Um tempo considerável se passou até que alguém entendesse a minha explicação. Acreditem: o português de Portugal é outra língua!

Enfim, consegui embarcar rumo à minha casa. Desci na estação mais próxima, e consegui me lembrar de como ir, à medida em que andava pelas ruas, já movimentadas.

Na praça, em frente ao prédio, a primeira boa notícia: uma padaria. Eu estava faminta! Havia mais de 12 horas que eu estava fora de casa. Após tentar entender que produtos eram aqueles, vi no canto do expositor aquele pãozinho meio branquelo, redondo, com um ar conhecido. Era pão de queijo! Que delícia! Só que não! De posse de um e uma Coca-Cola, me sentei em um dos bancos do jardim, quase dormindo.

Por pouco, não morri de susto quando uma pessoa tentou tirar o refrigerante de minhas mãos. Era uma das colegas, que já estava uniformizada indo para o trabalho da tarde. Ao perceber o traje negro e a maquiagem borrada, perguntou:

– Que horas você chegou?

– Estou chegando agora. – Respondi

– Agora? Menina, onde você se enfiou? Te procuramos por todos os lados na boate! – Ela, exasperada, me disse.

– Uai, eu tava lá! Fiquei até o fim, e depois foi meio complicado chegar aqui – reclamei.

– Você não sabia voltar? Você não anotou o endereço? Você é louca? – Perguntou no meio de uma crise de riso nervoso.

– Ah, sei lá! Muitas perguntas. – Tentei encerrar. Queria comer meu pão, tomar o refrigerante e dormir.

Ela se despediu, ainda rindo. Subi as infinitas escadas até chegar ao apartamento. Só animei de tomar um banho porque a faxineira tinha acabado de limpar. Era um banheiro para, mais ou menos, 20 mulheres, que não tinham necessariamente os mesmos hábitos de higiene que eu. Nunca tinha reparado em quanto vale um banheiro limpinho com cheiro de desinfetante, até aquele momento. E mesmo com o vento entrando pelas frestas da janela de madeira velha, eu curti aquele banho como há muito não fazia. Precisava tirar de mim aquela sequência de acontecimentos que mais pareciam de uma comédia de humor negro. Essa foi uma recepção à altura de tudo que viria a acontecer durante aquele ano que mudou a minha vida.

Fim!

 

 

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2 Responses to DESVENTURAS EM SÉRIE

    • Oi, Carla, boa noite. Obrigada pelo comentário.
      Pois é! O importante é aprender com os erros, sem deixar de viver!
      Abraços e boa semana.

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