Três Mundos

Três Mundos – Primeira Parte

Primeira Parte

TRÊS MUNDOS

Hipóteses: Nosso mundo tem três dimensões – comprimento ou profundidade, largura e altura. No entanto, há uma dimensão temporal (tempo) que poderia ser chamada de 4ª dimensão. Seria como um mundo espelho? Se você pegar uma bola, um círculo e for acrescentando outros círculos iguais, permanecendo o mesmo centro (como aquelas bolas de papel crepom de festas) vai ver que temos N direções. Então, como ter certeza de que um Universo imensurável, constantemente em movimento, onde galáxias se chocam e criam novas possibilidades, onde há quasares, buracos negros, massa escura , de que só existem essas dimensões.

Em 1989 Michael Greene e John Schwarz criaram a Teoria do Tudo afirmando que há 10 dimensões.

Em 1995 Edward Witten – Universos Múltiplos – mundo em 11 dimensões.

3ª Dimensão

– Então realmente descarta minha oferta? Não quer sequer um prazo pra pensar?

– Exatamente Senhor Fontes. Tudo foi construído com muito esforço, suor e amor. Com sacrifício mesmo dos meus pais. É a herança da família. Não vou de forma nenhuma me desfazer de tudo isso.

– Família? Seus irmãos nem se interessam pela firma! Talvez …. eles queiram se desfazer da parte deles.

– Não, não querem não. Eles têm suas vidas à parte, mas no que se refere à Metalúrgica Campestre, tudo está sob minha direção. O que decido a respeito dela está decidido, eles não interferem em absolutamente nada.

– Eu sei que depois de você estar tomando conta, a metalúrgica de pequena passou a uma empresa de médio porte. Por isso mesmo estou oferecendo um valor tão alto. Pense bem.

– Senhor Fontes! Quando me pediu para que comparecesse aqui no escritório de seus advogados, vim pensando que seria algo diferente. Tivesse o senhor dito que estava interessado na compra da empresa, já teria recebido a resposta de imediato. Não estamos à venda. Se a única questão desse encontro era essa, não temos mais nada a discutir.

– Bom… já que não quer vender…

– De qualquer forma, obrigada pela oferta. Tenham um bom dia senhores.

Helena levantou-se, apanhou sua pasta e saiu da sala. Enquanto esperava o elevador, passava mentalmente a cena pela cabeça e tentava controlar a irritação com a prepotência do empresário. Sabia que ele tinha o hábito de comprar firmas em desenvolvimento para agregar ao seu crescente império e não deixar aumentar a concorrência, mas não havia pensado que chamara a atenção a esse ponto. Viera pensando em negócio sim, mas nunca em venda.

Seus pais começaram a empresa, antes ainda do casamento. Trabalharam duro e já tinham doze funcionários quando se casaram. Continuaram se esforçando quando veio o primeiro filho Augusto. Sua mãe trabalhara com a papelada, com contatos, até dias antes de a criança nascer. Quando seu irmão tinha quarenta e cinco dias de vida, já vinha com os pais para o trabalho e, quando fez dois anos e meio a mãe engravidara novamente. Nada diferente da primeira vez e quando Marcio atingiu os três anos, a mãe passara a trabalhar meio período na firma, pois já conseguiam ter uma secretaria e vinte funcionários. A criança mais velha que ficava o dia todo na escola passou a ter a companhia do irmão.

Quando os pais conseguiram diminuir o ritmo de trabalho, Augusto já com doze, Marcio chegando aos dez, a família com mais tempo pra se curtir, para surpresa de todos, sua mãe engravidara pela terceira vez. Ela nascera há trinta e quatro anos atrás. Tivera dois adolescentes em seus calcanhares durante toda infância. Fora muito feliz.

Seus irmãos não se interessaram pela fábrica. Um fora para medicina, outro para marinha mercante. Ela, em compensação, desde a adolescência quis saber tudo dali. Foi para a área de química, depois já por dentro do dia a dia da fabrica, fez cursos técnicos de desenho industrial e coisas ligadas à produção da empresa. Acabou tudo gradualmente nas mãos dela, os pais se aposentaram de vez.

O pai falecera por AVC. A mãe vivia agora para os netos, embora não deixasse de ouvir, de conversar com os filhos principalmente com ela já que era a única que vivia sozinha. Enquanto tudo isso passava na sua cabeça Helena havia apanhado o elevador, descido até a garagem e em seu carro já saíra do prédio. Pensou “Que se dane esse prepotente e sua quadrilha”.

Assim que ela saiu da sala o senhor Fontes explodiu.

– Vocês viram que ousadia? Quem ela pensa que  é para recusar tamanha proposta e ainda me virar às costas daquele jeito?

– Ela tem sentimento envolvido com aquela empresa Alfredo. Vai ser difícil…

– Por isso que detesto tratar de negócios com mulheres emotivas. Que merda! Ela acha que pode aguentar a briga? Pois que seja.

– Não vai desistir?

– Olha aqui Morais, eu quero aquela fabriqueta. Ela já cresceu demais pra eu deixar passar. Depois que essazinha aí assumiu, já cresceu uns 40%. Isso em nove anos! Ah, ah! Tenho aqui três advogados muito bem pagos para dar um jeito.

– Não há “jeito” pra isso! Se eles não venderem não há nada que possamos fazer.

– Então vai ser do “meu jeito”. E vocês tratem de estar preparados se vier alguma bucha por ai.

– Cuidado com o que pretende fazer Alfredo!

– Deixa comigo. Eu sempre consegui o que quero.

Dito isso saiu batendo a porta com força, deixando seus advogados preocupados.

4ª Dimensão

– Então o que acha da minha oferta?

– É ótima senhor Fontes, no entanto, a família não tem interesse na venda.

Não quer falar com a família, verificar com seus advogados e só depois me dar a resposta definitiva?

– Tudo bem. Hoje é quinta feira, semana que vem dou-lhe uma resposta definitiva.

– Obrigado senhorita Helena. Tenha um bom fim de semana.

– Obrigada senhor Alfredo. Senhores.

Todos os presentes acenaram com a cabeça e Helena saiu após apanhar sua pasta.

Enquanto esperava o elevador começou a pensar. Seus pais haviam construído a fabrica do nada, mas agora esta tudo nas mãos dela desde os vinte e cinco anos de idade. Já se iam nove anos de muito trabalho. Gostava do que fazia e embora seus irmãos não se interessassem pela empresa, iria consultá-los e à mãe, antes de dar a resposta definitiva. Pensou também que seria bom consultar o escritório de advocacia que trabalhava com sua metalúrgica.

Assim que saiu da sala o senhor Fontes perguntou aos três advogados que ali estavam e trabalhavam para sua empresa.

– Então pessoal, acham que vou conseguir?

– Não sei não Alfredo. É uma fábrica de família. Os funcionários mais velhos começaram com os proprietários e mesmo tendo crescido bastante, a Helena que a tem conduzido nos últimos anos é muito ligada ao que os pais fizeram.

– Eu sei disso, admiro a garra dessa mulher. É competente, tem fibra! Gostaria de conseguir comprar a fabrica e que ela viesse trabalhar comigo. Mais tarde falarei disso com ela.

– O problema maior, acho que difícil venderem, mas a advogada que trabalha com eles é que é u osso duro de roer. É fria, extremamente gananciosa e difícil.

– É das que fazem qualquer coisa por dinheiro?

– Trabalha para os clientes, não é que se venda, mas joga muito duro e às vezes sujo.

– Bom… vamos esperar pra ver.

Paralelo

– Então senhor Alfredo? O senhor já não está ficando mais jovem, seu filho não está nem aí pro seu tipo de negócio. Quer dizer, não tem nem um herdeiro que vá dar continuidade à empresa. Por que não vende logo? Ou está pensando num valor maior?

– Senhorita Helena! Eu vim aqui pensando que queria contratar a metalúrgica para algum trabalho. Aquilo é a minha vida. Não pretendo vender.

– Tá bom! Já que o senhor não vende, vamos ver por quanto tempo se aguenta no mercado com a minha interferência. E em todo caso tem o vagabundo do seu filho. Eu posso esperar e…

– Meu filho não é vagabundo! É um artista. E se não tem mais nada a dizer além de ofensas e ameaças eu me retiro. Tenham um bom dia.

Alfredo saiu ofendido, furioso. Enquanto esperava o elevador pensou que fosse passar mal. Meu Deus! Que mulher horrível. Não parava diante de nada para conseguir o que queria! Como poderia enfrentá-la? Só tinha seu filho que não era alguém indicado pra briga. Trabalhava com musica e teatro, era sensível. Iria falar com sua advogada a procura de conselhos.

3ª Dimensão

Helena chegou à casa da mãe bem mais calma. Precisava apenas conversar um pouco com ela. Tomava as decisões sobre a fábrica, mas gostava de falar com ela sobre as decisões tomadas.

– Então filha o que o “engolidor” queria?

– Queria não, quer comprar a metalúrgica.

– Sério? Cuidado, ele usa qualquer arma pra conseguir o que quer. Que disse pra ele?

– Que não estamos à venda. Estava pensando em procurar o escritório de advocacia, pra ver se não temos nenhuma brecha pra que ele possa invadir. E também para me prevenir contra os ataques que com certeza ele vai fazer.

– Isso é bom mesmo querida. Fala com a doutora Estefânia. Talvez ela possa te dar uma força. E saiba que o que fizer, por nós estará bem feito.

Conversaram mais um pouco. Ligou para a advogada marcando um horário pro dia seguinte ao término do expediente. Resolveu jantar com a mãe antes de ir pra casa.

4ª Dimensão

– Ah filha! Nunca pensamos em vender, mas veja o que é melhor pra você. Conversa com teus irmãos e antes de tomar a decisão final, também acho bom falar com a doutora Estefânia.

Da casa da mãe ligou para a advogada e marcou. Aproveitou e ligou para os irmãos para ver se eles tinham algo a dizer antes dela bater o martelo. Almoçariam no dia seguinte.

Paralelo

– Pois é mãe! Acredita nisso? Aquele velho caquético ta pensando em me peitar!

– Calma filha. Você precisa parar de achar que vai conseguir tudo o que quer da vida. Aposto que teus irmãos não concordariam em usar qualquer meio para conseguir tal compra.

– São uns bundões! Até você mãe? Vai ser bom pra companhia a compra dessa porcaria de fabriqueta familiar. Nunca reclamaram dos lucros, mas ficam cheios de dedos na hora de tomar uma atitude. O imbecil do Marcio então fica todo ressabiado até de chegar perto de mim, só porque tirei aquela sonsa da namorada dele.

– E pra que fez isso filha? Pra descartá-la da mesma forma que as outras? Não sei com quem você aprendeu a ser assim. Acho que a mimamos demais.

– Se vai começar o sermão to indo pra casa. Tchau mãe.

3ª Dimensão

Helena pensava se conversava com os irmãos por causa da proporção do fato. Antes de terminar poderia ter farpas voando e atingi-los. Comentou com a mãe que concordou com ela. Ligou para eles e conseguiu marcar almoço para sábado na casa de Augusto. Na casa de Marcio não poderia ser porque a relação dos dois tinha mudado muito desde que ela se apaixonara pela primeira vez e dissera para a família que era por uma mulher. A mãe levara um tempo, mas acabou por respeitar. Até concordou com a presença de Ana Lucia com quem estivera envolvida por três anos, mas Marcio nunca aceitou o fato de sua irmãzinha ser homo.

Na sexta feira, após o dia de trabalho, foi ao encontro da advogada. Normalmente era sua mãe que ainda mantinha os contatos com ela. A doutora Estefânia havia herdado o escritório e clientes do pai. Trabalhava com o irmão Dario e o ex-sócio do pai que teimava em não se aposentar. No que se referia à metalúrgica era com ela.

– Então você é Helena? Boa noite. Por favor, sente-se. Sua mãe sempre elogiou muito você.

Estava impressionada com a mulher à sua frente. Bonita, charmosa e demonstrava ter uma personalidade bem estruturada. Achou super charmoso o jeito de olhar e adorou o desenho da boca.

– Pois é! Desculpe ter marcado em plena sexta à noite, mas é meio urgente e não tenho muito tempo disponível na semana.

Olhava principalmente aqueles olhos. Que receptividade, que calor que emanava deles. Eram límpidos, francos, ….convidativos. Confiou de imediato. Contou-lhe tudo que acontecera na quinta feira. Queria saber se havia algo que legalmente estivesse errado, atrasado, qualquer pendência com a fábrica.

– Não Helena. (pronunciara o nome num tom mavioso, de encantamento). Está tudo dentro dos conformes, nada pendente. Sua família sempre fez questão de manter tudo em ordem. Legalmente não há como afetar você, ele deve usar outras armas.

– Que outras armas?

– Bom! Ele tem dinheiro e tendo meios pode usar a mídia em benefício próprio. Também pode se utilizar de concorrência desleal.

– Como, por exemplo, manter preços mais baixos com os quais os pequenos não podem aguentar?

– Isso! Essas são coisas que fazem bem a cabeça dele.

– Entendo. É difícil enfrentar esse tipo de gente.

– É sim, mas sempre tem algumas saídas. Mesmo ele, não pode se fixar apenas na sua metalúrgica. O mercado é ágil. Ele sabe que se parar nalgum ponto por alguns dias que seja sempre tem outro pronto pra tomar seu lugar.

– Tsc! Bom. Pelo menos sei que se houver briga, vai ser mais declarada. Obrigada por ouvir e pelas explicações. Mais uma vez, desculpe ter atrasado a sua sexta feira.

– Imagine, não tenho programa hoje não.

– Não acredito! Uma mulher como você se … ops! Desculpe. O maridão deve estar te esperando.

– Não! (ria). Só minha filha que minha mãe está cuidando até que eu vá buscá-la. Depois o que tem uma mulher como eu?

Helena corou. Falara instintivamente e não esperava a pergunta.

– Bom … é que…. você é … jovem….bonita.

– Isso quer dizer que você tem compromisso e está com pressa?

– Eu? Não! Vou para casa tomar um banho relaxante, jantar algo leve e relaxar. Talvez ver um bom filme.

– Não gosta de sair?

– Moderadamente. Gosto de sair às vezes, não em local muito barulhento. Ter conversas legais, teatro, cinema. Mas adoro o aconchego de casa.

– Mora só?

– Moro.

– Então teu apê deve ter sido feito sob encomenda.

– Sob encomenda eu não diria, mas o deixei de um jeito que eu gosto. Tem a minha cara.

– Imagino!

Falavam ser desviar o olhar a não ser para observar os movimentos das bocas, os sorrisos velados e os risos soltos.

– Quem sabe um dia você o visite? Vou deixar que você vá buscar a sua filha. Brigadão mesmo!

– Tudo bem. Já tem o numero dos meus telefones e sabe onde me encontrar. Vou esperar o convite.

– Tá bom. Boa noite então.

– Pra você também. Bom descanso.

Aproximaram-se, trocaram beijos no rosto. Os movimentos eram lentos. Propositadamente lentos. Demasiadamente lentos.

4ª Dimensão

Helena entrou no escritório e intimidou-se com o ambiente. Não sabia se era pelas cores fortes ou a decoração, mas algo ali fazia com que não se sentisse muito bem. Fazia-a sentir-se um pouco oprimida. Ao ser recebida pela advogada, esta pareceu-lhe um tanto fria. Muito bonita, muito elegante, totalmente profissional, olhar seco. Entendeu então o ambiente.

– Sente-se, por favor, senhorita Helena.

Agradeceu e sentou-se. Explicou o assunto que a trouxera ali.

– Bom, como o senhor Alfredo Fontes é alguém esperto, um empresário progressista, se ofereceu tal quantia pelo seu negócio é que está prevendo grandes lucros e rápido. Podemos fazê-lo rastejar, aumentar a oferta, ou ao invés de vender, unir-se a ele. Quem sabe fazendo parte de seu conglomerado com meios facilitados, até onde você pode chegar?

– Eu … eu … não havia pensado por este ângulo. A firma é da família, construída com muitos sacrifícios. Eu sequer pensava em vendê-la, mas quis verificar com você as circunstancia, as possibilidades. Enfim, saber se tem um conselho.

– Acredito que vindo de quem veio a oferta é porque são grandes as chances de lucro. Então, nada melhor que uma união.

– Mas uma união poderá também prejudicar os empregados, a automação que provavelmente se faria acarretaria demissões. Não sei se…

– Olha Helena. Vamos ser francas. Se você vender é o que vai acontecer, se não vender ele vai conseguir uma outra pequena fabrica parecida com a sua e a concorrência acabará por te tirar do mercado. Por que não fazer algo que te trará lucro?

– Não sei doutora, nem tudo é só lucro.

– Honestamente, neste caso ou é lucro, ou provável perda total. É só escolher.

A forma de aquela mulher pensar a assustava, mas ao mesmo tempo provocava uma admiração estranha. Era como se olhasse uma plataforma de gelo que, no entanto, apesar do frio, da sensação do silêncio e solidão, produzisse com a luz da aurora boreal, nuances distintas.

– Vou conversar com a família e volto a falar contigo. Não quero tomar nenhuma decisão precipitada ou impensada.

– Não é você quem toma as decisões na firma?

– É sim, mas gosto de ouvir a família. Pesar todos os pontos sabe?

– Ta bom, mas não demore muito, senão ele pode mudar a direção.

– Obrigada. Vou tentar tomar uma decisão o mais breve possível. Sinto muito ter estragado o inicio do teu final de semana.

– Não por isso. Vou ter que aguentar minha filha um pouco mais tarde.

– Ahhh você tem uma filha? Seu marido deve estar irritado cuidando dela até você chegar!

– Ela tem babá e quanto ao pai, espero que tenha morrido aquele verme. Não tenho muita paciência com crianças.

– Mas…mas .. por que a teve?

– Porque quando engravidei, mesmo sendo da forma que foi, minha mãe carola me infernizou para eu não abortar.

– Mas ….mas.. é … que…. o pai?

– Esse não vem ao caso agora. Aguardo teu próximo contato.

Estendeu a mão com os olhos fixos em Helena que se levantou de imediato. Não houvera nenhum contato na chegada, estranhou a mão estendida, mas aceitou-a. Os olhos pareciam perfurar os seus. Achava que era a frieza dela, no entanto, ao tocar a mão sentiu como aquela mulher podia ser quente e suave.

Paralelo

– Seja bem vindo, senhor Alfredo. Por favor, sente-se.

– Bom que você seguiu os passos de seu pai, Estefânia! Meu filho não está interessado em nada de sua herança patrimonial. Diz que não corre negócios nas suas veias artísticas. Mas o que me traz aqui é a oferta, ou melhor, a ameaça de Helena Siqueira Borges.

– Nossa senhor Alfredo! Tá atingindo o topo hein?

– Que nada minha filha. Veja só o que aconteceu.

Explicou toda a situação a Estefânia.

– Uma coisa que podemos fazer, já que seu filho não se interessa pela fábrica, é tentar receber um valor que dê pra o senhor e sua esposa viverem confortavelmente e ao mesmo tempo incorporar a fábrica com todos os funcionários. Seria assim … hum …vamos dizer uma meia venda. Ou uma venda com acordo.

– Não sei se aquela mulher aceitaria isso não.

– O senhor a conheceu pessoalmente, deve ter uma ideia melhor a respeito dela do que eu que só sei por ter lido ou ouvido falar. Tudo lucrativo, mas nada bom.

– Ah é bem ela! Parece que não tem família, amigos, ninguém de quem goste pra tratar as pessoas como trata.

– Vamos fazer o seguinte. O senhor conversa com quem acha que deva a respeito do que eu falei e depois me dá a resposta. Seja  qual for eu vou falar com ela e ver o que a gente consegue.

– Ta ótimo então minha filha. Semana que vem te aviso. Estou propenso a aceitar tua ideia. Bom, tenha um bom fim de semana.

– Obrigada. O senhor também, até mais.

Estefania ainda permaneceu um pouco no escritório, pesquisando tudo sobre Helena S. Borges. Apenas triunfos materiais. Não encontrou nada no pessoal (além de uma filha de 10 anos que resolvera ter por inseminação artificial), 34 anos, formada em Administração de Empresa, ambiciosa, um verdadeiro trator em descartar a concorrência. Não ia ser fácil lidar com ela, concluiu.

3ª Dimensão

Helena falou com sua mãe. Deixou claro os riscos que poderiam correr, mas não estava  disposta a vender, a menos que a família achasse o contrário, já que era herança de todos. A mãe já tinha sua aposentadoria garantida. Como os irmãos também tinham suas vidas sem contato com a empresa, acharam que a única a ser afetada seria ela mesmo. Que tomasse então a decisão, não importando qual fosse, teria o total apoio deles.

No domingo ao acordar, tinha plena certeza que iria à luta. Pensou então que teria um motivo para conversar com Estefania e rever aqueles olhos acolhedores. Ahhhh……. que olhos!

4ª Dimensão

Domingo, 9:00 horas da manhã Helena espreguiça-se antes de se levantar e o cérebro começa a se lembrar do que discutira com a família. Haviam concordado que o melhor seria acatar a ideia da advogada, mas que Helena é quem decidiria, porque era a vida dela que se tratava. Advogada … mão … quente …calor ….suavidade. Por que teria ela aqueles olhos tão duros, tão secos? Não era da sua conta, mas é tão bonita! O que teria acontecido com ela e o pai da criança? Será que já foi casada? Heleeenaaa…para com isso mulher! O que tua família diria se soubesse? Seus namoros até agora foram com pessoas de fora do conhecimento deles. Colégio, faculdade. Conhecidas ao acaso, ninguém que a família pudesse ter contato. A única vez que tentara conversar com a mãe, dizendo se  tratar sobre “uma amiga”, a mãe não quis nem terminar de ouvir. Não tinha nada contra desde que não atingisse a família, que não envolvesse a família. Mandou que ela cortasse ligação com a “tal amiga”. Ah! Vamos cuidar da vida.

Paralelo

Alfredo conversou com a mulher e o filho no sábado. Dagoberto fez questão de frisar que o pai não deveria se preocupar com ele, que fizesse o que achasse melhor e pronto. Tinha conversado bastante com Rosa e decidiram deixar a advogada tentar aquela venda pela metade. Iria  avisá-la na segunda feira.

3ª Dimensão

Helena ligou para Estefânia avisando-a que tomara a decisão, convidando-a para jantar na segunda a fim de “discutirem estratégias”. Estefânia não poderia ir jantar por não ter com quem deixar a filha à noite. Para ver “aqueles olhos” e como gostava de criança, convidou-a também.

Por volta das 20h00 horas as duas chegaram ao apartamento. A criança, Angélica, era encantadora. Embora vivaz, era bem educada, inteligente, curiosa e esperta, fez amizade rápido e fácil com Helena, mas por hábito, devido ao adiantado da hora, logo depois de jantar acabou por dormir recostada no sofá.

Obviamente, para conforto das convidadas, Helena insistiu que ela fosse colocada na cama.

– Então está mesmo disposta a enfrentar a fera?

– Estou sim. Não queria por em risco os trabalhadores da firma, mas não vai ter jeito. Não posso e nem quero vender para aquele crápula. Desculpe, mas e o pai de Angélica?

– Bom! (sorria sem graça). Éramos amigos e pra provar uma coisa… depois de um pouco… de álcool … acabamos …. tentando…..transamos uma vez. E é isso. Numa única vez acabei grávida. Assumimos, ela nasceu e cuidamos dela. Eu, o pai dela e o marido dele a amamos de paixão.

– Não acredito! Ele é gay? Vocês quiseram provar que os dois … desculpe. Que ele talvez se interessasse por mulher?

– Pode dizer, você tem razão. Que nós dois poderíamos nos interessar pelo sexo oposto. Comemorando o aniversario dele, bebemos um pouco, vimos filmes eróticos, começamos a falar sobre possibilidades e probabilidades e acabou acontecendo.

– E?

– Hã, hã! Foi só aquela vez meeesssmo. Nenhum dos dois gostou. Só veio o susto pela gravidez, mas até agora nos saímos bem.

– Há quanto tempo aconteceu isso?

– Já se foram 11 anos. Angélica está com 10 agora.

– Arrependimento?

– Não. Ela vale muito à pena.

– Atrapalhou algum relacionamento já? Pergunto porque me parece que está solteira.

– Ah, mas não é por causa dela não. É a vida mesmo. Mas não foi por isso que vim aqui hoje, pra ser “interrogada”. Já está tarde e não resolvemos quase nada.

– Não tem importância. Há sempre o amanhã.

– Então deixemos mesmo pra outro dia, porque amanhã é terça, dia de batente e muito trabalho nos aguarda não é?

– É sim, infelizmente.

Helena perdia-se naqueles olhos. Queria que as horas não corressem tanto. Pela primeira vez na vida, gostaria de ser uma irresponsável, capaz de ignorar as obrigações que a aguardavam no dia seguinte.

Estefânia sentada no sofá de frente Helena queria se atirar naquela boca, mas sabia que tinha que pegar a filha e ir embora. Envolver-se com cliente não é nada bom.

– Bom. Outro dia a gente marca e conversa. Agora se me dá licença, vou pegar minha filha.

– Eu te ajudo.

Foram até o quarto. Estefânia pegou a criança no colo. Helena pegou a bolsa pra ela e foi abrindo as portas até deixá-las no interior do carro.

Permaneceu com um sorriso estampado no rosto, olhando na direção que o veículo desaparecera, até bem depois dele ter sumido.

4ª Dimensão

Pensou em conversar com Estefânia sobre o melhor jeito de se fazer a união das empresas. Pegou o telefone e começou a discar…colocou-o de volta no gancho. Deixou pra mais tarde. Dali a meia hora de novo… não, ainda está cedo. É domingo, ela deve descansar até mais tarde. E tem a criança que não deve acordar cedo. Depois de várias tentativas, já perto das 11:00 horas completou-se a ligação.

– Alô!

– Hã … oi. É da casa de Estefânia?

– É sim

– E ela está?

– Manheeeeee. Tem uma mulher querendo falar com voceeee.

Enquanto esperava Helena agradeceu aos Céus pela criança ter atendido, pois assim teve mais um tempinho para pensar no que dizer.

– Pois não! (a voz soou fria do outro lado).

– Bom … bom dia. Desculpe por te incomodar em pleno domingo, em casa…, mas só queria marcar um horário que lhe seja apropriado durante a semana, pra discutirmos as possibilidades sobre a junção das empresas (falara rapidamente, pela frieza tinha receio de ouvir alguma … grosseria).

– Helena?!

– Ah sim! Desculpe. Você não tinha como saber não é?

– Tudo bem. Bom dia. Não tem problema me ligar aqui, se tivesse não teria te dado o numero.

– Ahhh! .. é… ótimo. Posso passar no escritório amanhã à noite?

– deixa eu dar uma conferida na agenda, um minuto só (passado um tempinho). Amanhã vou estar lá até tarde mesmo, se puder entre 19:30 e 20:00 horas seria perfeito, porque antes já tenho compromissos.

– OK! Estarei lá então.

A segunda passou com muito trabalho e para completar, com alguma ansiedade pra voltar a ver Estefânia. Tinha vontade de saber mais sobre ela. Apesar da frieza Helena sentia algo indefinido. Às 19:20 horas chegou ao escritório. Sem saber o porquê levou comida chinesa.

– Boa noite!

– Boa noite Helena. Por favor, sente-se.

– Obrigada. Bom … espero que goste da cozinha chinesa. Como estou te atrasando pro jantar e também não comi ainda, trouxe algo pra gente comer enquanto acertamos os detalhes. Espero que não se incomode.

– Gosto sim, obrigada. O único incômodo seria eu ficar te devendo um jantar.

– Imagina! (Helena sentiu-se constrangida) Só estou retribuindo o favor de me atender e me desculpando por te incomodar no domingo.

– Você se preocupa com essa palavra “incomodar” demais. Você não me incomodou ontem e com certeza não é nenhum “incômodo” jantar em sua companhia. Olha, eu sou uma boa advogada, mas nas questões sociais sou uma negação. Portanto, já peço desculpas antecipadas a você se algo soar … hã .. meio … não muito educado.

– Que alívio ouvir isso! Pensei pelo que tinha dito que estava te aborrecendo.

– Muita gente me aborrece, mas pode acreditar que você está longe de ser uma delas.

Agora sim Helena relaxou e sorriu, mostrando os belos dentes. Dividiram as caixinhas e começaram a comer.

– A babá da tua filha mora com vocês?

– Não. Ela saiu às 17:00 horas, trabalha das 9:00 às 17:00. Antes das 9:00 e depois das 17:00 horas minha mãe fica com ela.

Helena tentou ficar calada, era claro que Estefânia não gostava de falar sobre si mesma, mas tinha que saber.

– Desculpe Estefânia, mas por que não gosta de pessoas?

– Pessoas mentem sempre. Estão sempre planejando, às vezes até inconscientemente, como se dar bem. Estamos aqui agora pra verificar o melhor pra você e, consequentemente para mim. Está vendo? Estamos sempre, como os cães, correndo atrás do próprio rabo. Não somos confiáveis.

– Meu Deus! De onde vem tanta amargura? Parece que não há nenhum amor em você menina! E eu não costumo mentir.

Helena estava com vontade chorar. Ver e ouvir Estefânia naquele momento lhe doía demais. Queria abraçá-la e expulsar todo seu sofrimento. Agora sabia, vira. A dureza, a frieza, eram causadas por algum sofrimento profundo.

– Ah! O amor! Besteira. Eu pensei que isso existisse um dia. Há muito tempo atrás, em outra vida que deixou de existir.

Ficaram caladas por uns minutos, cada uma centrada em seus pensamentos. Uma tentando achar algo que mostrasse que uma pessoa é bem capaz de bons sentimentos. A outra tentando esvaziar a mente do passado que estava teimando em vir à tona, sem que soubesse o porquê.

Helena foi a primeira a reagir.

– Desculpe! Não quis me intrometer na sua vida … não … mentira. Queria sim, mas não fazer você se sentir assim. Olha, eu quero fazer essa venda, essa junção.. sei lá o nome, porque vai ser o melhor pra muita gente. Não é exclusivamente por mim. Eu não sou a ambição em pessoa. Estou pensando nos funcionários e nas suas famílias. E nem tinha imaginado até agora, que você vai ganhar sua parte nisso. Pensei apenas que seria bom pra mais gente dessa forma, do que não vender por orgulho bobo e prejudicar várias pessoas, como você mesma deixou bem claro.

– Então temos alguém aqui que nunca vai ser uma grande empresária, porque pensa nos outros.

– Não tenho essa ambição. Eu gosto de trabalhar e gosto do contato com pessoas. Nem todas, é óbvio.

– E o que gosta em mim?

– Eu? … hã!… Quem disse que gosto? (tentou sorrir).

– Imagino que não queira se intrometer na vida de quem você não goste. Então, por que na minha?

– Eu sinceramente não sei (respondeu olhando-a nos olhos depois de um momento de silêncio).

Houve um ameaço de sorriso por parte de Estefânia e como se aquela conversa não tivesse existido, voltou ao assunto que as reunira.

Paralelo

Na segunda feira de manhã Estefânia ligou para o escritório de Helena. Falou com a secretária para marcar um horário. A secretária ficou de retornar a ligação depois de falar com a chefe, por não saber em que pé estava aquele assunto específico. Por volta das 11:30 horas, ligou de volta dizendo que Helena a esperava às 19:00 horas do mesmo dia. Estranhou a pressa, mas com certeza iria.

Às 19:00 h. em ponto estava na frente da secretária.

– Boa noite, sou Estefânia. Foi com você que eu falei?

– Foi sim. Boa noite doutora, por favor, sente-se. Vou informar que já está aqui.

– Pensei que fosse outra secretária pela hora.

– Ah não! Aqui todo mundo trabalha muito. Só temos mesmo horário de entrada. Enquanto ela trabalha, toda a administração trabalha.

Três minutos depois entrou no escritório imponente. Sentiu-se examinada como se fosse um objeto em exposição.

– Então? Trouxe a documentação de venda?

– E o que te leva a crer que vamos simplesmente vender?

– O fato de não ter cacife pra me enfrentar.

– Hummm! Posso me sentar?

– Claro, à vontade. Se não é sobre a venda por que então ligou?

– Pra falar sobre a venda, não para já efetuar a venda.

– Estão querendo um valor maior que o oferecido? Saiba que é o preço justo de mercado.

– Nem todo mundo é escravo do dinheiro senhorita Helena. Há pessoas com princípios ainda, que vêm mais na sua frente que cifrões.

– Uhum! Uma humanista? Estranho na tua profissão!

– Minha profissão como todas as outras tem todo tipo de profissional. A diferença é que a podridão aparece mais, para cobrir a podridão de alguns “clientes”. Supõe-se que grandes empresários já não precisem, agir como mafiosos para se manter, no entanto, temos descoberto que para não perder um centavo, alguns chegam a cometer todo tipo de crime, não é?

– Alguém sem medo de dizer o que pensa! Admirável!

– Todos temos um ponto fraco. Até você tem uma filha!

– Minha filha? Ora, ela não é meu ponto fraco, ela é apenas a continuidade. Com os bundões dos irmãos que tenho, alguém tem que estar pronto para assumir depois de mim. Foi pra isso que escolhi bem o doador do esperma.

– Você deve estar brincando! Você teve uma filha para assegurar tua hereditariedade?

Estefânia estava irritadíssima. Helena olhava-a entre divertida e … caçadora.

– Pra que mais as pessoas têm filhos? Não é pra perpetuar o amor e sim seus genes, seus nomes. Se fosse por amor, não os colocaria nesse mundo louco, competitivo, esfomeado, violento.

– Não julgue as pessoas por você. Eu nunca quis filhos, mas apenas porque não quero pra mim a responsabilidade de outra vida que não a minha.

– Egoísta você não?

– Não é egoísmo não. É responsabilidade. Sei que minha vida não me dá muito tempo pra dedicar a uma criança. Acredito que se duas pessoas se amam e resolvam ter filhos, tudo bem, contanto que se dediquem a esses filhos com toda capacidade. Ou que sempre desejou um filho, tenha condições e maturidade e resolva fazer o que você fez, ou adote um. Mas com consciência. Eu já não tenho “talento” pra criança e acho que no meu caso, se tivesse alguém comigo, seria complicado para a criança, explicar pros amiguinhos, nesse mundo cheio de preconceitos e radicalismo, o porque de duas mães.

– Ora, ora! Quer dizer que o velho não é preconceituoso? Não imaginei que alguém como ele aceitaria uma advogada homo pra ..

– Ele nem sabe disso, nem precisa. Não apregoo ao mundo minha vida. Sou uma profissional competente e é o que basta nesse caso.

– E seu eu contasse esse fato a ele?

– Quer o numero do telefone?

– Não obrigada! (Helena ria descaradamente … e extremamente surpresa).

– Bom, podemos voltar a falar de negócios?

– Claro. Sou toda ouvidos.

3ª Dimensão

Estefânia chegou em casa, conseguiu fazer a filha se mexer o suficiente para descerem e ela trancar o carro. Pegou-a no colo e carregou-a pelo elevador e corredores até chegar ao apartamento e colocá-la na cama. Olhou as horas. Quase 23:00 horas já! Começou a trocar de roupa e o telefone tocou. Atendeu

– Alô!

– Desculpe estar ligando a essa hora, mas … só .. bom, fiquei um pouco preocupada. Liguei só pra saber se tinham chegado e se estavam bem … e … é isso.

– Obrigada pelo interesse! Estamos bem sim. Liga amanhã no escritório, à tarde, pra marcarmos nova reunião para apresentarmos logo a proposta, ou para discutir alguma ideia que surja.

– Ligarei sim, boa noite.

Helena desligou com um sorriso distante e fixo, e o olhar sonhador, enquanto Estefânia levou um tempo a mais para perceber que acabara aquele som gostoso, baixo e penetrante e que estava ouvindo o agudo som do aparelho.

No dia seguinte marcaram um jantar pra sexta, só que desta vez só as duas e em local público.

Na sexta, depois de se encontrarem, dos cumprimentos e constrangimento mútuo pelo clima entre as duas, pediram o jantar.

– Andei pensando muito e gostaria da tua ajuda pra fazer uma coisa. Conhece os Varellas?

– Conheço claro. Todo advogado que trabalha no campo comercial e administrativo conhece. Aplicam seu dinheiro em várias áreas.

– Pois é! Há uns doze anos atrás haviam feito uma proposta de compra pro meu pai. Só não foi levada a efeito pelo meu interesse na metalúrgica, mas agora pensei em contatá-los, contar tudo claramente e fazer a eles uma proposta. O mesmo valor que aquele sacana está oferecendo, afinal é o de mercado e está bom, desde que eles não saiam despedindo os funcionários, que acha?

– Fantástico! Você teve uma ótima ideia. Posso entrar em contato com eles, assim que tivermos colocado tudo no papel.

– Tem mais uma coisa.

– Pode falar.

– Bom …. é que …. você ….eu

Estefania olhava sorrindo e Helena não conseguia fazer sair as palavras.

– É que eu …. bom … eu gostaria … é…

– Você gostaria que nosso contato não terminasse depois dessa negociação?

– Isso!!

– Pois eu também não. Há algo em você que me encanta.

4ª Dimensão

– Vou tentar então marcar a reunião com o senhor Fontes dentro de … hummm … três dias? Dá tempo de tua contabilidade e RH me apresentarem a situação atual e detalhada para a proposta?

– Dá sim. Estefania.

– Que foi?

– Você me entristece.

– Eu? Por quê?

– Essa tua mascara de frieza, de dureza, quando eu sinto que há alguém fabuloso atrás dela.

– Acha que sou uma mentira?

– Não! Só acho que deve haver algo que te deixe melhor com o mundo. Você detesta tua filha?

– Não!! Eu posso não ter paciência com crianças, isso não quer dizer que eu as deteste. E a minha filha não tem culpa do que aconteceu. Eu amo minha criança, ela me toca profundamente.

– Achei que a amasse. O que confirma meu sentir.

– Você é uma pessoa sensível?

– Sensível sim, molona não. Mas com certeza eu…

– Você o que?

– Gostaria … de ser mais uma pessoa a te tocar. Muita pretensão da minha parte?

Estefânia respirou fundo e devagar

– Não. Apenas arriscado para você.

– Por quê?

– Você pode estar vendo em mim, coisas que não tenho. Posso vir a te magoar.

– Eu acho que não. Acho que você tem medo de se envolver com alguém, tem muita raiva em você. Por favor, diz pra mim quem te machucou tanto. Diz pra mim o que te feriu tanto que causou tanta amargura, tanta frieza com as pessoas. Eu … preciso saber.

Paralelo

– Meu cliente até aceita a aposentadoria, desde que seja a um preço razoável e uma promessa sua … hã, escrita claro.

– Nossa! Vocês duvidam de mim?

– Digamos que temos conhecimento do valor que você dá ao dinheiro e ao poder.

– Isso todo mundo faz, só que alguns gostam de disfarçar e mentem.

– Você está enganada, as pessoas não são todas iguais.

– Todas têm seu preço, o que difere é a forma de pagamento.

– Sabe que eu te acho asquerosa?

Helena se levantou devagar e com um sorriso sarcástico se aproximou de Estefânia.

– Quão asquerosa? A ponto de não fazer negócio comigo?

– Eu represento um cliente. Um homem digno, decente que você resolveu derrubar. O negócio é com ele não comigo.

– Você está brava, e uma gracinha!!

– Não acredito! Será que existe alguém ou algo que você respeite?

De repente Helena se curvou sobre Estefânia, segurou-lhe os braços e beijou-lhe a boca. Com o susto ela abriu os lábios tentando sugar o ar e a língua de Helena invadiu-a. A surpresa a congelou por alguns segundos. Sentiu o calor começar a tomar conta dela, então, de imediato reagiu tentando desvencilhar-se. Helena soltou-a e ela se pôs de pé.

– Você é louca?

– Ahhhhh! Que pena! Achei que iria gostar.

– Por que eu gostaria? Do que eu gostaria? Da tua pretensão? Da tua arrogância? Da tua falta de respeito?

– Eu respeito você. Não se intimida facilmente. Defende seu cliente, é corajosa. Só queria saber que mais te atinge.

– E a tua arrogância não permitiu perguntar? Tinha que me agredir?

– Um beijo não é uma agressão!

– Não é desde que as duas pessoas queiram. Qualquer  invasão ao espaço alheio sem a devida permissão, sem aprovação, é agressão.

– Vai me processar?

Estefania respirou fundo.

– Podemos nos ater ao assunto da reunião?

Helena mudou de atitude imediatamente. Voltou a ser o “freezer” dos negócios.

– Qual é a “promessa”, além do dinheiro?

– Ele apenas gostaria que os funcionários não fossem despedidos. Quer que a metalúrgica seja, digamos, englobada e os funcionários mantivessem um emprego, afinal se cresceram foi pelos bons serviços que eles prestaram.

– Benevolente o velho! Eu o acho um tolo. Pensei que fosse querer mais dinheiro.

– Não! Nem todas as pessoas são como você. Ele quer o preço justo, nada mais nada menos.

– Quando pode me trazer tudo no papel?

– Envio na próxima semana.

– Não. Quero que você traga pessoalmente. Verifico e o que não concordar já definimos na hora.

– Tudo bem. Terça feira da próxima semana então.

– Deixe-me ver. Hummm … às 16:00 horas.

– Boa noite e até lá.

– Boa noite senhorita dignidade.

3ª Dimensão

Olhavam-se profundamente. Com enlevo Estefânia estendeu a mão até a mão de Helena e acariciou-a de leve.

– Não sei se devemos permitir isso Helena.

– Permitir? Só estamos deixando fluir algo que estamos sentindo. Pode não dar em nada além de uma bela amizade. Ninguém está pedindo ninguém em casamento.

– Eu não sou assim Helena. Eu sei que se deixar vou me envolver seriamente. Não gostaria de sofrer de novo.

– Eu também não. Não somos mais crianças Estefânia. E te juro que desde que a conheci ando com vontade de mergulhar no teu olhar.

– Olha, não vamos nos precipitar tá bom? Não vou fazer nada para impedir, mas também não vou forçar a barra para acontecer. Vamos trabalhando na venda da metalúrgica e deixar o que tiver que ser, sem pressa. Pode ser?

– Claro! Vamos primeiro resolver o negócio e se der vontade de ligar a gente liga, se der vontade de ser ver, a gente informa.

Terminaram o jantar, despediram-se sem vontade e foram pra suas casas pensando intensamente uma na outra.

4ª Dimensão

Enquanto falava sem perceber se aproximara de Estefânia. Estendeu a mão tocando-lhe a face e foi aproximando o rosto, com os olhos fixos na boca dela, até encostar os seus que pareciam febris. O calor que Estefânia sentiu, fez com se levantasse e colasse seu corpo junto ao de Helena. O beijo foi longo e possessivo. Bocas desceram se alternando pelos pescoços, tocando orelhas, queimando peles. De uma, botões abertos com frenesi para libertar seus seios rígidos e carentes. Da outra blusa arrancada, barrando por uns segundos a vontade dos braços e mãos para em seguida encostar a pele quente e macia dos seus seios nos já libertados. Entre o contorcer frenético daqueles corpos, peças caindo e, ignorando os móveis naquela sala, despidos e sem pudores, acabaram no chão, lambidos, beijados, mordidos, apertados, numa dança sensual. Ambas penetrantes e penetradas jorrando o gozo do mútuo prazer.

Ali ficaram abraçadas até começarem a sentir o frio do chão. Levantaram-se, recolheram as roupas e se olharam estáticas até Helena falar.

– Não diz que o que sinto você não sente também.

– Não sei o que você sente!

– Depois do que acabou de acontecer aqui você me diz que não sabe? Acha que faço amor com qualquer mulher sem que haja algum sentimento? E que sou incapaz de perceber uma recíproca no teu olhar, no teu corpo?

Helena se vestira enquanto falava.

– Não, não acho. E sinto sim o que você sente. Apenas tenho medo do que vai dar isso. Principalmente pela nossa relação.

– Não vejo porque não podemos ter outro tipo de relação além da profissional. Vou deixar você se decidir, mas sabendo que quero muito. Aceitaria de bom grado tua filha, tua mãe e o que mais for necessário.

Aproximou-se, amparou delicadamente com as mãos os seios de Estefânia, beijou o mamilo de um, depois do outro e se despediu saindo e fechando a porta.

Paralelo

Estefânia saiu quase dominada pela raiva. Ao chegar ao elevador, estava xingando Helena de nomes que nem sabia que conhecia.

“Como pode essa cretina vir me beijar? O que ela estava pensando? Que ódio!!! E que lábios! Para. Nem em um milhão de anos. Eu ainda desbarranco essa esnobe de uma figa. Tudo bem que é sarada a filha da puta, mas pra cima de mim NÃO!”

Helena perdeu o sorriso cínico assim que Estefânia deixou a sala. Estava abismada.

“Meu Deus! o que aconteceu com você mulher? Você não mistura trabalho com prazer. NUNCA. Só falta ela me processar por assédio. Nossa! O que tem essa advogada pra me deixar assim? E que vontade besta é essa de beijá-la?”

Dormiram mal naquela noite. Cada uma pensando em como apagar as sensações que sentiam e o rosto que teimava em bailar em suas mentes.

3ª Dimensão

No domingo pela manhã, por volta das 10:00 horas, Estefânia ouve o som da campainha do interfone quando estava olhando na geladeira pensando o que faria pro almoço. Não esperava ninguém. Fala com o porteiro e autoriza que a pessoa suba. Abre a porta e espera o elevador. Quando ele abre aparece Helena com uma rosa branca e uma vermelha na mão.

– Bom dia!

– Bom dia Helena, que surpresa boa!

Entram. Fecha a porta.

– É… eu sei. Desculpe ter vindo. Desculpe por não ter ligado antes. Pra você (entrega as rosas).

– Sabe o que significam essas rosas juntas?

– Promessa de amor, de paixão, eterna.

Estefânia sorri olhando para as rosas. Helena continua.

– Eu sei que disse que esperaria, que não pressionaria, mas pra isso você tem que sair da minha cabeça, do meu coração, da minha saudade.

De repente Estefânia vai até um móvel, coloca as flores sobre ele, se volta para Helena, agarra-a e beija-a com paixão plenamente retribuída.

Separam os rostos, olhos que se queimam, mãos que apertam e, de repente um frenesi acontece. Corpos se separam milímetros em segundos necessários para arrancar os tecidos e expor as peles que clamam urgência. Botões extirpados, panos rasgados, costas lanhadas, seios mordiscados, cada poro tocado. Clitóris beijados, lambidos, acariciados e sugados. Cavernas adentradas, com auxilio do liquido minado a principio, escorrido no fim.

– Estefânia! … tua .. filha..

– Não está.

– Graças a Deus!

Riram.

– Agradeço também a ele o fato de você não acatar acordos.

– Como assim?

– Não tínhamos concordado em ir devagar? E olha onde estamos! Num sofá que nem sei como viemos parar nele.

– Deve ter sido andando uai! Esta perto da entrada. Eu pretendia seguir o acordo, mas a vontade de te ver estava me matando. E nem fazia ideia que tua filha não estaria aqui. Foi você quem me atacou!

– Não é que você tem razão! (Ria) Angélica só retorna lá pelas 19:00 horas. Almoça comigo?

– Almoço, lancho, janto, tomo o café da manhã.

– Devagar mocinha.

Voltaram a se beijar. Estefânia levantou-se e puxou Helena pro quarto, afinal… estava cedo pro almoço.

4ª Dimensão

Para evitar o risco Estefânia depois de marcar a reunião com o senhor Fontes, num prazo maior que o desejado, resolveu ir buscar a documentação na fábrica. Já haviam se passado três dias e não haviam mais se visto. Ansiava e temia o reencontro. Helena havia tentado por quatro vezes falar com ela, mas depois de desculpas e não ser atendida, ela não insistiu mais. Helena está em algum lugar da metalúrgica. Estefânia entrou no escritório e pediu para não avisá-la, ficaria esperando. Quando Helena retorna

– Boa tarde.

– Estefânia! Nossa que surpresa! Tudo bem? Por favor, sente-se.

– Ah estava sentada, mas acho que fiquei um pouco ansiosa e acabei ficando em pé.

– O que aconteceu?

– Vim buscar a documentação para apresentar ao senhor Fontes.

– Ahhhh …conseguiu marcar (desapontada).

– Será na segunda feira, às 15:00 horas. Você vai querer ir junto?

– Não sei. O que você acha?

– Acho que poderia ir sim, fica mais fácil resolver algum problema e sanar dúvidas.

– Hoje ainda é sexta, porque você não me avisou, eu levaria.

– Bom… achei melhor aqui  que no meu escritório.

– Não acredito! Esta com medo que aconteça algo?

– Não, acho que … estou apavorada.

Helena abriu uma gaveta e retirou uma pasta.

– Pronto! Está tudo aí. Registros, numero de empregados, declarações de impostos, lucro, gastos, enfim tudo. A gente se encontra no escritório do senhor Fontes às … 14:45 horas? Pode ser? Até lá dá tempo de você verificar a papelada.

Fez-se um silêncio indigesto por uns minutos.

– Posso fazer algo mais por você?

– Por que está me tratando assim?

– Porque é assim que estou sentindo ser tratada. Porque estou magoada e quero que você saia logo, porque não quero  chorar na sua frente.

– Desculpe!

– Hum hum.

Estefânia pegou a pasta e saiu.

Paralelo

Com todos os documentos em mãos Estefânia entrou na sala de Helena que dispensou a secretária depois de perguntar à advogada se queria algo, uma água, um café. Estefânia declinou e agradeceu.

Encararam-se desafiadoramente. Ambas capazes, mulheres fortes, bonitas, elegantemente vestidas. Fora uma semana de martírio para elas. Embora tivesse sido breve o encostar das bocas, a maciez, a textura se fixara na mente e nos lábios. Embora tenha sido curto o encontro, fora intenso. Emoção, atração, não precisa mais que um micro segundo para se instalar.

– Boa tarde senhorita Helena.

– Oooo! Boa tarde doutora. Como passou a semana?

– Trabalhando. Eu gosto de educação, mas detesto sarcasmo.

– Nossa, é mesmo?

– É mesmo.

– E cinismo pode?

Estefânia deu um suspiro profundo.

– Aqui estão os papéis de acordo.

– Ótimo, vou submetê-los aos meus advogados.

– Não disse que era pra eu trazer que aí já resolvíamos alguma dúvida?

– Disse é?

– É! Disse sim.

– Era pra te ver de novo marrudinha.

– O respeito… bom, já viu. Os papéis estão contigo e eu vou indo.

– Nossa que falta de humor! Aceita um café?

Estefânia levantou-se, foi pra porta de saída, colocou a mão na maçaneta, hesitou, suspirou, olhou a chave na fechadura e … trancou-a, voltando até Helena, jogando sua bolsa na cadeira. Deu a volta na mesa, virou a cadeira de Helena pra ela e com uma lentidão enlouquecedora, abaixou-se e suavemente beijou Helena com uma calma de quem fazia isso todos os dias. Helena correspondeu, continuando na mesma posição.

Afastaram o rosto e Estefânia acariciou a face de Helena, doce, com as pontas dos dedos. Desce pelo decote, com quase ternura, desabotoa e abre a blusa. Continua a brincar com as pontas dos dedos pela pele, afasta um pouco as costas de Helena da cadeira, tira-lhe a blusa e segue o passeio. Segura as mão de Helena fazendo pressão, dando a entender que a quer de pé. Tira-lhe a saia e as pontas dos dedos continuam, dando voltas por toda a extensão da pele.

Helena está totalmente arrepiada. O jeito daquele suave toque em seu corpo inteiro estava-lhe revelando muitos novos pontos de excitação. Sua calcinha foi jogada em sua cadeira majestosa e quando na trajetória de sua retirada, sentiu as pontas dos dedos uma a uma passar pelo clitóris, vagina, ânus, dando-lhe a certeza do quanto estava molhada. Uma gentil pressão no peito fez com que ela se sentasse na mesa e inclinasse um pouco para trás. Estefânia empurrou-a um pouco colocou-lhe os pés sobre a mesa e apoiando-se com um braço, enquanto o outro fazia a mão continuar aquele carinho torturante, desceu a boca quente, muito quente. A língua acariciou os grandes lábios, beijou o monte e infiltrou-se pelo clitóris, amassando, espremendo para cima, circulando. Quando Helena gemia a língua descia e se esgueirava pra dentro dela. Novos gemidos e a língua ia novamente mais acima. Os braços de Helena deixaram de sustentá-la e ela acabou por deitar-se. Os joelhos penderam totalmente para os lados sem qualquer sustentação. Ela era excitação, tesão. Dois dedos a adentraram preenchendo seu vazio. Mexiam lentos e foram acelerando até se tornarem muito rápidos. De repente saiam sem nenhum impedimento, sem nenhuma autorização e a boca voltava. Depois de isso acontecer algumas vezes, os movimentos se uniram. Enquanto uma mão acariciava, a outra usava os dedos entrando e quase saindo e a boca fazia seus malabarismos no clitóris. Helena gozou tantas vezes e tão intensamente que não poderia ser precisa. Só sabia que nunca antes tinha assim acontecido.

Estefânia foi para o banheiro, lavou mão e boca, retornou à sala, apanhou toda a roupa de Helena que permanecia em estado quase catatônico, colocou-a ao seu lado, deu-lhe um beijo leve nos lábios e disse-lhe no ouvido.

– Quando tiver resolvido me liga. Tchau.

Enquanto saía, Helena voltou a si. Deu-se conta do que acontecera, apanhou sua roupa e correu para o banheiro no exato momento que sua secretária entrava. Olhou-se espantada no espelho. Não se reconhecia. Queria esbravejar, xingar porque achava que seria o lógico a fazer, no entanto, tinha um sorriso idiota no rosto e uma sensação pelo corpo e internamente que não sabia descrever ou decifrar. Resolveu tomar um banho.



Notas:



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