Três Mundos

Três Mundos – Segunda Parte

Segunda Parte

3ª Dimensão

Concordaram em manter a situação apenas entre elas. Tornara-se impossível não assumir, mas apenas depois dos negócios resolvidos as famílias saberiam do amor relâmpago acontecido, mas pretendido duradouro como o sol.

Estefânia conseguiu marcar uma reunião com os Varellas a respeito da venda. Helena assim que soube foi à noite na sua casa acertar os detalhes da proposta. Ao chegar

– Oi am… Estefânia. Tudo bem?

– Oi querida, tudo sim. Por favor, entre.

– Como foi? Eles aceitaram só a reunião ou você já adiantou algo?

– Calma! Eu apenas me apresentei como advogada que representa a metalúrgica e que tínhamos uma proposta de venda, perguntando se havia interesse em ouvi-la.

– E?

– Meu Deus! E marcaram a reunião para ouvir a proposta. A meu ver, isto quer dizer que estão interessados. Não acha?

– É, acho sim.

Helena estava eufórica, não conseguia permanecer quieta. Olhou em volta, ninguém à vista, veio rápida e abraçou Estefânia.

– Estou com saudade.

– Também estou meu bem. Estou só há algum tempo já, mas nunca antes senti tanta falta de alguém.

– Eu sei que tem sua família, sua filha, mas é muito difícil não estar com você.

– Eu sei querida.

– Tua mãe sabe sobre sua … preferência sexual?

– Preferência sexual? – Riu. – Sabe sim. Afinal ela conhece o pai de Angélica! E você? Tua família tem conhecimento?

– Tem. Tanto que um dos meus irmãos mal fala comigo por isso.

Ouviram um barulho e perceberam que ainda estavam abraçadas. Separaram-se rapidamente. A mãe e a filha de Estefânia adentraram a sala. Após a apresentação sentaram-se para conversar.

– Então é a filha do velho Fabiano! E tua mãe como está?

– Ah vai bem obrigada.

– Vai mesmo vender a firma?

– Não tenho cacife para enfrentar Fontes, então, pra não perder tentarei vender para os Varellas que são muito mais decentes e podem tranquilamente enfrentá-los.

– Tá certo, tomara que consigam.

Helena tentava manter os olhos em dona Marilda, mas era automático olhar para Estefânia. Aceitou o convite para o jantar e acabou ficando até por volta das 22:00 horas.

– Filha.

– Oi mãe!

– O que está acontecendo entre vocês duas?

4ª Dimensão

Helena recostou-se em sua cadeira e não conseguiu mais controlar o choro. Que droga! Por que aquela mulher tinha que ser assim tão medrosa? Não sabia, não sentia que ela era decente? Que ela não é do tipo que apronta com ninguém? Fora uma coisa fulminante, mas era muito intensa pra ser descartada assim. Maldita covardia a daquela mulher com ares de iceberg. Mentalmente começou a preparar-se para novos reencontros. Precisaria estar pronta para não fraquejar. Entre elas então, seria tudo mesmo negócios. Quem sabe depois da venda, não precisasse mais vê-la. Aprenderia a esquecê-la.

Estefânia saiu mortificada. Vira naquele rosto tristeza, dor e mágoa. E ela causara tudo aquilo. Já que não queria se envolver com ninguém e há sete anos estava só, era assim que deveria permanecer, mas o que fazer com aquela dor absurda que sentia por si e por Helena? Vira o brilho ofuscante naquele olhar e vira o desapontamento que ela causara apagando-o. O esforço sobre humano que fazia para que sua mente continuasse a prevalecer, estava exaurindo-a, seu corpo começava a cobrar.

Nunca antes misturara negócios com vida pessoal, por que agora estava tão difícil? Interferências desse tipo poderiam prejudicar o bom desempenho profissional e ela era uma das melhores no ramo e não queria perder o posto.

Paralelo

A secretária bateu na porta perguntando preocupada se tudo estava bem.

– Está sim Amália, por quê?

– Tem papeis espalhados pela sala e..

– Foi .. um acidente. Eu derrubei.

– Ah! Vou juntá-los e deixarei sobre sua mesa.

– Obrigada e até amanhã.

– Já terminou por hoje? (Espantada)

– Já, podem ir.

Helena entrou embaixo do chuveiro. Passando o sabonete pelo corpo percebeu se acariciando, sentindo falta de outros toques. “Que droga! Que aconteceu comigo? Será que isso é … Ahhhh! Nunca acreditei em amor, muito menos à primeira vista! Mais ainda a meia vista. Meu Deus que boca Estefânia. Aaahhhhhh! Devo estar ficando louca. Aquela desaforada ainda me paga. O único amor que sempre tive foi o dinheiro. Ele pode tudo. Eu é que sempre uso, jamais sou usada! Amanhã vou ver a proposta e depois chamá-la para efetuar o negócio, sem misturar. Mais tarde com tudo terminado, desconto o que aconteceu hoje”.

Estefânia recusava-se a pensar no que tinha feito até entrar em seu carro. Segurou a direção com ambas as mãos, olhando pro nada a frente, repetia baixinho “louca, louca, louca”. Gritou. “Mas foi bom demais! Não se mistura essas coisas Estefânia. Está prestando um serviço a um cliente. PARA.” Sentia a textura da pele de Helena nos lábios. Chacoalhou a cabeça, ligou o carro e partiu.

3ª Dimensão

– Hã! Que foi que você disse mãe?

– Eu perguntei o que há entre vocês duas.

– Nada! Ela é uma cliente. Só negócios.

– Sei, sei. Só negócios. E desde quando teus clientes vêm à sua casa, permanecem e … vocês ficam aéreas, tentando disfarçar sem conseguir, parecendo algo bem mais profundo que … negócios?

– Deu mesmo pra perceber algo? Ou só porque você é minha mãe?

– Até cego perceberia, não tem nada a ver o fato de eu ser sua mãe.

– Ah mãe! Eu … nós tentamos não deixar acontecer nada, quer dizer, não forçamos, mas … ah mãe! Eu a amo, pronto falei. Ta brava?

– Ela é filha do velho Fabiano e Dolores, pessoas dignas. E ela também me pareceu assim. Você está brilhando, ta me parecendo feliz e há muito tempo atrás aprendi a aceitar teu jeito de amar. Então por que estaria brava?

– Sei lá mãe! Acho que não estou pensando direito e você me assustou com a pergunta à queima roupa.

– Tá bom. Agora conta o que está acontecendo com .. hummm …. minha nora.

Riram, abraçaram-se e Estefânia contou à mãe o problema da metalúrgica.

4ª Dimensão

A noite custara a passar. Finalmente amanheceu e Estefânia resolveu levantar-se bem mais cedo que o habitual, já que não conseguia mesmo dormir. Passara a noite pensando em como deixar de sentir. Não queria mais nenhum sofrimento. Não confiava nos sentimentos das pessoas. Aliás, desde que Jairo, a quem ela julgava um amigão, colocou droga na bebida dela e a estuprou há onze anos, ela só confiava na mãe. Chegara a odiá-la quando ela não a deixou ir à policia com medo da repercussão e do dinheiro da família dele e por pressioná-la a não interromper a gravidez quando descobriu-se grávida. Com o tempo, deu-se conta que além da falta de provas (tomara banho assim que voltara a si), a posição social de Jairo iria dificultar a vida dela. Três anos depois soube que ele fizera a mesma coisa com uma Patricinha e a família dela fez com que todos soubessem quem ele era. Foi depois disso que apareceram mais duas jovens e o acusaram do mesmo procedimento. Os advogados da família da tal patricinha acabaram por colocá-lo na cadeia, por pouco tempo, mas estava marcado como estuprador.

Nem ele nem a família dele sabiam da criança e ela preferia deixar assim. Dissera à filha que o pai fora um namorado que morreu em um acidente de carro. Envolveu-se por duas vezes com mulheres. Uma era viciada em droga e conseguira a duras penas livrar-se dela ao descobrir. A outra com três meses de namoro havia deixado a “cabeça dela tão pesada” que acabou descobrindo as traições.

Agora depois de tanto tempo com medo do coração, vigiando … surge alguém que lhe atingiu a alma. Deveria ter prestado também atenção à sua tola alma.

Paralelo

Helena chegou em casa e sua filha fazia ainda a lição com a babá.

– Oi filha.

– Boa noite senhora!

Foi cumprimentada pelas duas com certo receio nas vozes.

– Já jantou?

– Hã? Aaaaa ….. não senhora!

A filha estranhou, não se lembrava da mãe chegar assim em casa. Entrava na sala e sequer lhe dirigia o olhar. As únicas pessoas que lhe davam atenção e carinho eram a avó e os empregados quando a mãe estava longe. No entanto, Helena a olhava naquela note como se a reconhecesse.

– Cadê dona Margarete?

– Estava no banho.

– Vou falar com ela, acabe a lição pra jantarmos.

Foi procurar a mãe deixando as duas pasmas. Sua mãe havia acabado o banho e estava prestes a descer para jantar.

– Chegou cedo filha! Algum problema?

– No escritório tudo certo. Mãe, quero te fazer uma pergunta. Eu acho que é uma coisa idiota, mas estou curiosa.

– Sobre o que minha filha? Nunca se interessou por nada “idiota”!

– Bom … é que … eu vi acontecer algo e queria entender.

– Ahhhhh! Agora está claro. Você detesta não entender e deve ser sobre emoções, sentimentos.

– Nossa mãe! Também não é assim!

– Ta bom. Faça a pergunta.

– Você amou o velho?

– Amei sim e como! Pra mim ele sempre foi um bom homem. Sei que deve ter cometido alguns erros na vida pra chegar aonde chegou, mas não fez nada parecido com o que você faz. Isto é coisa da tua avó, mãe dele. Ele tentava não prejudicar os outros.

– Mãe, não pedi sermão e não é sobre mim que estamos falando.

– Conheceu alguém que ama e não está entendendo nada Helena?

– É. A pessoa fica às vezes, quando perto da outra, parecendo retardada. Mistura as coisas, fica babando, não fala o que deve, se desliga, não mantém uma atitude profissional e outras coisas.

– Está prejudicando o trabalho?

– Ainda de todo não, mas vai acabar prejudicando.

– Estou com fome, vamos descendo enquanto conversamos.

– Isso é normal? Essa idiotice toda?

– Quando se ama? Isso é o começo, completamente normal e pequeno diante do que se é capaz por amor. Você já deve ter tido alguém apaixonada por você.

– Não que eu saiba, não acredito em amor assim não.

Chegaram á mesa e Angélica aguardava próxima.

– Oi meu amor, vai jantar conosco?

– Vou vovó, minha mãe convidou.

– Foi? Que bom, sentem-se!

Margarete olhava para Helena e percebeu um olhar “quase carinhoso” que ela dirigia a filha. Sorriu.

– Então você viu? Não tem mesmo nada a ver com você?

3ª Dimensão

A mãe encorajou-a dizendo-lhe que tinham condições, que tinham força para enfrentar a prepotência de Fontes.

Helena e Estefânia se falavam por telefone, por msn, por torpedos, enfim, não conseguiam mais deixar de viver o sentimento que surgira entre as duas. Agora só tinham que resolver a venda e enfrentar a família de Helena.

No dia e horário marcado, as duas almoçaram juntas e depois com toda documentação foram ao encontro dos Varellas.

– Está realmente tudo em ordem, estão crescendo. Então, por que quer vender Helena?

– Vamos ser francas com vocês e se acharem que é uma briga que não podem, ou não queiram comprar entenderemos perfeitamente. Foi-nos oferecida a mesma quantia que propusemos a vocês, mas não queremos vender a quem nos propôs. Ele não dá valor às pessoas, vai querer simplesmente fechar e mandar todo mundo pra rua. Sei que embora estejamos crescendo, não posso competir em igualdade com ele, mas os senhores podem. Ele quer derrubar todo e qualquer concorrente a qualquer custo.

– Nós estamos interessados sim, mas o preço está muito alto.

– Foi o que nos foi oferecido. Por que não fazem uma contra proposta? Já verificaram toda documentação, mas podem conferir e fazer uma contra proposta.

– Vamos fazer exatamente isto, mas caso se decida vender a quem lhe fez a oferta é só nos avisar. Já de antemão posso te adiantar que será … um pouco menor e em pelo menos dois pagamentos.

– Não sendo abaixo do que vale, sem problemas. Só vendo ao proponente em ultimo caso.

– Entendi. Posso saber quem é?

– Alfredo Fontes.

– Ora, ora! Helena dê-nos uns dias para revisar tudo que te apresentaremos um bom negócio. Este é um sujeito que fazemos questão de contrariar.

Estavam eufóricas. Resolveram jantar juntas para comemorar. Estefânia ligou para a mãe que se dispôs a ficar com sua filha, para que ela se distraísse um pouco, já que era raro ela fazer esse tipo de coisa. Às vezes que saía era quase sempre por trabalho, acompanhando clientes em negociações. Fazia já algum tempo que não tinha namoradas e só encontrava os amigos em algumas ocasiões especiais. E sua mãe torcia por elas.

– Pronto! Dona Margarete vai ficar em casa cuidando de Angélica.

– Ótimo! Isso quer dizer que podemos ir dançar um pouco e depois … quem sabe.

– Que safada! Um passo por vez menina!

– Tudo bem. Primeiro o jantar.

E assim foi. Jantar, dançar, amar. Foram para casa de Helena, onde a cama foi pequena, o tesão enorme, os toques incessantes, o atrito de peles constantes, o afagar de lábios estonteantes, os beijos incontáveis, mãos ardentes e os gozos … sublimes. Depois de tantos ir e vir, de ondas lambendo toda a extensão das marés, fixaram ancora naquele mar de felicidade repleto de amor e atracaram, leves, extasiadamente cansadas, sonolentas e sorridentes à espera de um novo amanhã.

4ª Dimensão

Estava difícil se concentrar no trabalho. Tentava ler aqueles papéis com que estava habituada, mas as letras se embaralhavam e se transformavam num rosto lindamente triste, tristeza que ela sabia ser a causadora. Tocava seus lábios suavemente porque não esquecia outros lábios que ali pousara. Via seu rosto refletido em alguma superfície e via quem seus olhos queriam ver. Não estava mais aguentando. Seu corpo se lembrava, ou melhor, não esquecia nenhum detalhe da pele, do toque, do beijo… “Deus! Ia ficar louca. Talvez…. talvez se conversasse”. Sentiu lágrimas descerem, sem que ela pudesse evitar. Apanhou o telefone e ligou.

– Metalúrgica Campestre, bom dia.

– Bom dia. Por favor, senhorita Helena.

– Quem gostaria?

– Estefânia a advogada da firma.

– Aguarde um momento que vou localizá-la.

Passado cerca de três minutos de desespero que parecia uma eternidade, entre desligar e fugir, ou conversar e falar … o que? Não tinha ideia. Quando já a fuga estava vencendo e ia desligar

– Estefânia! Algum problema com a documentação?

– Não … é …. não … é que… – E o choro veio convulsivo. Só conseguiu soluçar um  … – Desculpe.

– Alô! Alooooo. Estefâniaaaa! Marli liga para a advogada, acho que a linha caiu.

Cinco minutos depois uma Helena à beira de um ataque de nervos tem o retorno a seu pedido.

– Já tentei várias vezes. Ninguém atende.

– Se alguém me procurar anota o recado. Se ela ligar novamente da o numero do meu celular.

– Vai sair agora?!

Não veio nenhuma resposta porque Helena nem ouvira a pergunta. Havia saído à velocidade de um foguete. Trinta e cinco minutos mais tarde.

– Oi.

– Bom dia! Posso ajudá-la?

– Vim falar com Estefânia. Sou cliente dela. (E foi avançando para a sala conhecida).

– Espera! Ela ainda não chegou….

– Oi, Estefânia.

– Helena! Pode deixar Magda.

Estefânia abaixara a cabeça e permanecia assim enquanto Helena foi até a porta e trancou-a.

– Pronto. Ninguém vai nos incomodar agora. Pelo amor de Deus fala comigo. Diz o que está acontecendo, pra você ter me ligado é porque queria dizer algo. Olha pra mim!

– Desculpe. Não queria ligar, quer dizer, não queria te incomodar ou preocupar. Foi um impulso.

– Olha pra mim. Não foi impulso.

– Não, não foi. Foi angustia, desespero …. necessidade.

– Não precisava chegar a isso, precisava?

– Não posso deixar acontecer de novo.

– De novo? Nunca aconteceu nada entre nós antes! Nem nos conhecíamos! Por favor, chega de chorar e me diz o que está te angustiando. Antes, tenta se acalmar.

Estefânia respirou fundo, bebeu o copo d’agua oferecido e mesmo sem conseguir parar totalmente de chorar, contou seu medo a Helena. Do pai de Angélica, exatamente como se sentiu. De Aurora o pavor que passou quando o estado dela deixou claro o vício e a dificuldade em conseguir sair daquele relacionamento sem envolver sua família  e escapar limpa. De Sonia, as dores das mentiras, das traições, das concessões sem nenhuma troca, do menosprezo. Helena ouviu tudo, só fazendo algumas perguntas para esclarecer algum ponto.

– Eu não sou nenhuma dessas pessoas. Não sou sequer parecida com nenhuma delas. Eu achava que você tinha algum sentimento por mim e hoje você me deu a certeza. Esse sentimento não vale nada? Eu não mereço uma chance?

– Eu não quero passar mais por essas coisas. Amar dói demais.

– Não precisa ser assim. Amor de verdade pode até ser abnegado, mas não deve ser dolorido. Amor correspondido é o que há de melhor na vida. Não tem como controlar isso. Você querendo ou não, vai levar um bom tempo pra modificar o que sinto por você, se é que vai acontecer. Então, deixa que sem pressa eu mostre a você como é ser amada. Dê-me a chance de ao menos tentar te fazer feliz.

– Eu … tenho medo Helena.

– Será que o que você sente por mim é tão irrisório assim, que não valha um pequeno risco?

– Que risco?

– O de confirmar que sou diferente das pessoas que te fizeram mal? De ser realmente amada? Ou prefere continuar essa profissional excelente e só, que chega a causar certo receio na maioria das pessoas pela frieza que demonstra?

– Não!

– Não o que?

– Meu sentimento por você não é irrisório. É algo que eu desconheço. Não havia sentido nada dessa forma antes, mas é imenso. Essa é a parte que mais me amedronta. Com você, se acontecer algo, eu sinto que não aguentaria. Como hoje que simplesmente não suportei a lembrança da tristeza que havia te causado.

– Pois nos de uma chance para que isso não mais ocorra. Por você sou capaz de enfrentar minha família, ou se for o caso me afastar dela, até que nos respeite.

– Tua família não sabe que você é gay?

– Não. Eu já tentei falar quando namorei uma garota e parecia que a coisa iria longe, mas não deu. Só tive namoricos. A sério só uma que acabou nem sei bem porque e minha mãe já deixou claro que é contra.

– Mais um motivo pra pensarmos bem.

– Minha vida inteira eu pensei, respeitei os outros, nunca impus nada. Mas agora chega. Com você eu quero ser respeitada, não quero pensar, quero sentir, viver. Vou continuar não impondo nada aos outros, mas também não vou mais aceitar imposições. Com você eu quero só ser eu. É pedir muito?

– Não, não é! Mas vou precisar e muito da tua ajuda.

Helena se aproximou até quase encostar o rosto no de Estefânia, segurou-o com as mãos e beijou-o suave, mas profundamente.

Paralelo

– Ooooo mãe! Tá me estranhando? Hoje em dia isso é coisa ultrapassada.

– Sei o que você pensa filha, que amor é coisa para idiotas, mas você está errada. Veja Angélica por exemplo. Você não pode demonstrar seu amor a ela por que?

– Ah mãe, ela tem que aprender a ser forte, não se deixar levar por emoções no mundo dos negócios, senão vão derrubá-la rapidinho.

– Você já ouviu a expressão “mais rápido se apanha mosca com mel ..

– Eu não estou a fim de pegar mosca alguma. As pessoas funcionam melhor com medo. Se você tratar bem um empregado ele vai achar que tem você nas mãos.

– Filha, eles podem depender do trabalho e do salário para sustentar a famílias sim, mas se gostam do patrão produzem mais.

– Eles recebem cursos, são treinados, atualizados e ganham um bom salário. Agora não vou paparicá-los. Trabalham bem ganham bem, trabalham mal, rua. Mais claro impossível.

– Teu pai os tratava decentemente.

– Eu também e vejo que crescemos muito mais depois que assumi.

– Um dia vai descobrir que isso não é tudo. Espero que não seja tarde demais pra você. Você é forte e eu te amei, e continuo te amando.

– Deixa disso, mãe!

– Por falar nisso, qual o nome da pessoa que você gosta?

– Este…!! Não é comigo isso não mãe!

– Não minta pra mim. Eu te conheço desde antes de você nascer. Acha mesmo que acreditei que era alguém que trabalha com você? Acha mesmo que não vou saber quando você mente ou enrola?

– Impossível! Eu a vi duas vezes!

– E acha que só pode amar depois de quanto tempo de conhecimento?

– Como é que vou saber?

– Amor pode nascer num simples olhar de fração de segundo, como pode ser percebido já bem instalado depois de cinco anos de conhecimento. Ele não é lógico, não é matemático, não é estatística e veja só filha, dele você não pode comprar ações, não pode comprar hipoteca, não aceita empréstimos. Você pode comprar companhia, sexo, atenção, mas amor e seus “derivados”, você tem que merecer. Presta atenção na diferença, não é tomar posse, não é invadir, não é conquistar no sentido mais brusco da palavra, não é se impor. É ser e se dar.

3ª Dimensão

Não deixaram mais de se ver enquanto esperavam a resposta dos Varella. Na maioria das vezes se encontravam na casa de Estefânia, que tinha a mãe como cúmplice para conquistar Angélica sem nenhum trauma, porque desta vez não era um namorico. Helena era a primeira a ser apresentada a família como alguém especial.

Na semana seguinte, os Varella entraram em contato afirmando que fechariam o negócio, com um valor pouco menor que o oferecido por Fontes, em duas parcelas.

Tudo parecia perfeito. Um dos advogados de Alfredo Fontes ligou pra saber a resposta e foi-lhe dito que a metalúrgica não seria vendida a ele. Assim que soube da negativa parecia louco. Não tinha o hábito de ouvir “não”. A rejeição fez com que ele ligasse para um conhecido.

4ª Dimensão

O beijo ternamente correspondido foi se tornando arrebatador, quase selvagem. Estefânia pela primeira vez depois de muito tempo, entregou-se ao coração, ao desejo. Seguindo o fluir dos sentimentos descontrolados, quase arrancou as roupas de Helena. Ficou por um momento estática, só os olhos se moviam olhando aquele corpo nu à sua frente. De repente pareceu levar um choque e atirou as suas roupas no chão e praticamente jogou-se em Helena que quase caiu. Esfregava sua pele, beijava e lambi-a com total posse. Ali estava seu mundo, seu refugio, seu amor. Helena tentou segurar seus braços e morder seu pescoço, ela revidava e segurava-a pelos pulsos, e foram girando e “lutando”, ora uma presa à disposição da outra, ora outra se permitindo usufruir do corpo preso. Suas pernas atingiram o sofá onde caíram sem parar aquela “luta”, aumentando o tesão e de repente estavam de joelhos uma em frente a outra. Olhavam-se com fome e sem pedir licença, enquanto seus olhos miravam-se seus dedos entraram simultaneamente e, ambas cavalgaram animais imaginários, até seus corpos se colarem, seus lábios se unirem e o gozo em dueto magistral esticar as cordas em sustenido e vibrar todo o conjunto em uníssono prazer. Desabaram extenuadas, num vazio leve, macio. Lentamente tatearam até as mãos se encontrarem. Respiraram profundamente e se viraram voltando a ficar frente a frente. Sorriram e naquele momento Helena viu que as barreiras de resistência lógica e frias tinham todas sido destruídas.

Paralelo

Helena acordou pela manhã lembrando o que a mãe tinha dito. Aprontou-se para o trabalho e foi para o escritório. Entrou e ficou olhando a mesa. “Aquilo não poderia acontecer novamente, mas que saudade! Credo! Saudade do que? Foi só uma coisa rápida que aconteceu uma única vez e não vai acontecer de novo!” e lá estava aquele sorriso bobo novamente enquanto acariciava a mesa. “Tô ficando gagá. Impossível”. Chamou a secretaria.

– Pois não.

– Amália, por favor, ligue para a doutora Estefânia e diz pra passar aqui amanhã às 18:00 horas, que os papéis estarão prontos e se ela quiser falar comigo estarei ocupada e não vou poder atende-la. Mas só ligue à tarde, agora não.

Pronto! Assim ficaria resolvido, acabamos essa história e se eu quiser mesmo me vingar já não teremos negócio nenhum no meio. No entanto, uma parte sua estava ansiosa demais para a chegada das 18 horas do dia seguinte.

Às 17:30 horas Estefânia chegou.

– Boa tarde.

– Oi! Boa tarde doutora chegou cedo! Vou ver se os papéis estão na sala.

– Helena não está?

– Hããã .. não.

Estefânia sorriu. Então a poderosa resolvera ignorá-la! Já indo para a sala falou com a secretária

– Pode deixar Amália, eu pego os papéis.

– Não! Eu pego.

– Eu já disse que pode deixar.

Abriu a porta. Helena que estava de pé próxima à janela, com um copo d’água na mão, assustou-se. De imediato entendeu a situação vendo a secretária tentando deter Estefânia e gaguejando. Fez um gesto com a mão desocupada, dando a entender que estava tudo bem e que Amália poderia sair. Colocou o copo sobre a mesinha.

– Chegou cedo “doutora”.

Silêncio. Estefania olhava a papelada sobre a mesa à procura dos papéis que lhe interessavam. Cinicamente falou baixo.

– Huumm! Será que não estão prontos? Mas se ela marcou e saiu será que volta a tempo? Não. Deve estar por aqui.

– Não seria mais fácil você me perguntar?

– Tsc! Detesto viagens perdidas, bem que ela já que saiu e sabendo que eu viria, poderia ter deixado pronto.

– Estefania para de me ignorar!

– Bom, vou falar com a secretária para perguntar se sabe quando ela volta.

Dirigiu-se para a porta. Helena puta da vida, rapidamente encostou-se nela, não permitindo que a abrisse.

– Nossa! Que porta pesada. Será que está com defeito?

– Estefânia, deixa de ser ridícula!

Estefânia levantou as mãos como que para colocá-las na porta, mas as colocou pressionando ligeiramente sobre os seios de Helena.

– Huummm, macia essa porta.

Helena não teve reação a não ser interna. Estefânia continuou a passar as mãos nela e fingindo não vê-la. Abriu o cinto, o zíper, a blusa. Encostou a boca no bico de um seio, deu um beijo suave. Helena gemeu. Ela então abocanhou o seio até onde pode, enquanto uma mão manuseava o outro e a mão direita por sobre a calcinha acarinhava às vezes suave, às vezes com força. A boca saiu do seio, a língua lambendo o trajeto até o pescoço e lá chegando mordiscou-o, lambeu, beijou, chupou e chegou à boca. Apossou-se dela e então a mão direta subiu um pouco e se enfiou entre a calcinha e a pele, escorregou, seus dedos descendo, apertando, entrando, saindo, entrando, quase saindo, acelerando e reduzindo, até ouvir um quase grito. A mão saiu, subiu até próximo o rosto de sua dona que a cheirou, sorriu olhando nuns olhos espantados e descontrolados, e então a lambeu devagar.

Helena foi gentilmente empurrada um pouco para o lado, a porta foi aberta e Estefânia saiu.

3ª Dimensão

Alfredo tinha certeza que se não fosse pela advogada, teria conseguido realizar a compra. Agora tudo o que desejava era vingança. A noticia da compra pelos Varellas chegara tarde, já realizada. Quase sem pensar apenas ligou para Hernandes para que investigasse Estefânia. Tinha que saber como atingi-la.

Em vinte e quatro horas recebeu o que queria, afinal, ela não tinha nada a esconder. Só precisava avisar uns conhecidos que já havia utilizado antes e ela veria com quem se metera.

4ª Dimensão

– Helena.

– Oi amor!

– Sabe o que pode fazer comigo?

– Eu sei o que quero fazer com você.

– Pode me contar?

– Claro que posso! Posso contar, demonstrar, quantas vezes você quiser.

– Muito sacana você, mas sabe que estou colocando minha vida em tuas mãos? Que o meu passado doeu demais, mas me fez dura, no entanto, o sentimento com você é forte e diferente, derrubou todas minhas barreiras e se transformou na minha vida?

Naquele momento se deram conta do tamanho da emoção, do amor que nutriam uma pela outra. Uma que tivera a força e a paciência em demonstrar e não julgar os medos da outra. De respeitar esses medos porque aquela pessoa tinha uma importância vital em sua vida e, naquele momento o “poder” que tinha sobre ela.

A outra por ter reconhecido o amor que sentia e por dar-se a chance de vencer os medos. Amava sim e por aquele amor reaprendeu a se dar, e reconhecer e receber o que era dado de bom grado. Reaprendeu a confiar.

Agora se uniram. Resolveriam tudo e enfrentariam tudo, inclusive a família de Helena.

Paralelo

Amália bateu na porta e Helena saiu do prazeroso torpor. Havia escorregado e se sentado no chão. Levantou-se o mais rápido que pode e correu para o banheiro, precisava se recompor. A secretaria esperou que ela voltasse ao escritório.

– Sim, Amália.

– A doutora Estefânia deixou o cartão com os telefones e endereços. Disse que quando a documentação estiver pronta, para mandar entregar e ….. não entendi bem isso, mas que se você quisesse levar ela até lhe pagaria o almoço ou jantar se preferisse.

– O endereço é do escritório dela?

– Do escritório e da residência.

– Pode deixar comigo vejo depois.

– Está aqui.

Amália deixou o cartão e um papel junto com os endereços e saiu. Helena apanhou o cartão e ficou olhando-o, mas não o lia. “Se eu quiser entregar! Ela me pagaria um … filha da puta! O que eu faço com essa mulher? Tô ficando uma banana. E o pior é que … sinto falta dela! Pois eu vou levar os papéis e hoje. Agora! Não, primeiro um banho, uma roupa sexy. É minha vez de desbarrancá-la”.

Foi o que fez. Foi pra casa, tomou um demorado banho, escolheu a roupa com cuidado, um perfume suave, pegou o carro e dirigiu-se pra a casa da advogada. Chegando ao prédio foi direto pro elevador ignorando o porteiro.

– Senhora! Vai visitar alguém?

– Vou sim. Estefânia minha advogada. Ela está a minha espera.

– Qual é o nome? Não posso deixá-la subir sem autorização.

Ficou irritada, mas não teve jeito. Assim que o porteiro interfonou a autorização foi dada. Ao sair do elevador Estefânia esperava-a na porta do apartamento, com um sorriso luminoso.

– Oi Helena, 21:30! Chegou atrasada. Pensei que ia me deixar morrer de fome.

– O que???!!!

3ª Dimensão

Estefânia estava trabalhando quando a mãe ligou desesperada.

– Filha! Eles… eles…

– Calma mãe! Respira. Acalme-se e tenta falar devagar. O que aconteceu?

– Angélica, filha … eles…

– Mãe, calma! O que aconteceu com Angélica? E que eles é esse?

– Eles a levaram filha! Disseram … que depois entram em contato… que não é pra falar com a policia.

Estefânia sentiu um frio vindo de dentro. Por uns segundos ficou vazia, sem pensamentos, mas em seguida acendeu em seu cérebro “Alfredo Fontes”.

– Filha? Estefânia, minha filha, você está aí?

– Estou sim, mãe. Quantos eram?

– Dois a pegaram e falaram comigo e um ficou num carro pra onde a levaram. Foi na saída da escola.

– Mãe vem pra cá que é melhor conversar aqui.

– Você não vai chamar a policia vai? Podem estar vigiando.

– Não vou chamar a policia mãe. Vou chamar a família

– Quem?? ..

– Mãe, vem pra cá. Preciso telefonar.

Quando a mãe chegou ao escritório Jairo já estava lá. Cumprimentou-o e já ia contar os acontecimentos, mas foi interrompida.

– Dona Margarete, não fala nada ainda. Estamos esperando meu tio. Assim que ele chegar a senhora conta tudo de uma só vez.

– Seu tio? Por que?

– É, meu tio que é tio-avô de Angélica e da policia federal.

– Policia? Mas eles disseram que …

– Não se preocupe mãe. Eu tenho quase certeza de quem mandou fazer isso. Ele deve ter investigado a minha vida, quer atingir a mim, mas não investigou a vida do pai da minha filha. Ele mexeu num vespeiro.

– Como assim?

– Minha família conhece bem nossa filha dona Margarete e a adora. Tenho dois primos investigadores da policia civil, meu pai é delegado aposentado da federal, esse tio que está vindo e é o irmão mais novo do meu pai é da policia federal e ainda tenho uma irmã que trabalha com um juiz criminal no fórum e eu trabalho no Ministério Publico. Já avisei o promotor com quem trabalho e me prometeu todo o apoio. Ele também tem filhos.

4ª Dimensão

O negócio foi fechado com tranquilidade. O senhor Alfredo propôs à Helena que viesse trabalhar com ele e ela resolveu pensar.

O amor entre Helena e Estefânia florescia. Ambas aprendiam aos poucos sobre suas limitações, seus sonhos, suas preferências. Agora que concretizaram os sentimentos, acabara a pressa. O único problema a encarar no momento, era a família sabidamente preconceituosa que com certeza não aceitaria a relação.

Paralelo

Tudo que Helena tinha antes na cabeça, sobre vingança, evaporou. Olhava Estefânia ali parada, sem levar em conta o comentário. Não sabia se era bela, mas os olhos que não sabia a cor, a forma que a olhavam lhe queimavam. As mãos que não sabia o tamanho a enlouqueciam. Da boca conhecia o sabor e a enlevava. A língua, aquele músculo diferente, ela queria invadindo-a. O corpo, que não poderia precisar as medidas exatas, desejava. E agora havia aquele sentimento desconhecido, insidioso, que estava aprendendo a aceitar, a gostar e, aquele sentimento a fazia acreditar que só havia (pra ela) uma única mulher no mundo. Por essa mulher, naquele instante, resolveu mudar.

3ª Dimensão

Duas horas depois do sequestro, sem nenhum contato por parte dos criminosos, a parte da família que de forma alguma iria se sujeitar e ficar de braços cruzados estava reunida. Helena assim que soube do fato, juntou-se aos demais. Ideias borbulhavam. Concordaram que deveria ter sido obra de Alfredo Fontes e juraram que desta vez ele não escaparia pela tangente, ou brechas nas leis, devido à astúcia e falta de escrúpulos de seus advogados. Investigariam tudo a fundo e com calma e só dariam o bote na certeza.

Helena se sentia culpada e todos a dissuadiram, deixando claro que a culpa é de quem manda, paga ou faz algo errado, seja lá qual for a desculpa que use.

O primeiro passo foi entrar em contato com a escola, pedir sigilo e pegar a fita da hora da saída das crianças. Perguntas discretas e à noite já tinham as placas do carro utilizado e as “caras” dos sequestradores. Utilizando a máquina que tinham disponível, pela manhã já sabiam nomes,  endereços, fichas criminais, e que nas vezes que haviam sido presos, haviam sido colocados em liberdade pelos advogados de … Alfredo Fontes.

Na sua prepotência Alfredo Fontes se achava intocável. Já fora mandante de outros crimes e nunca fora apanhado. Tinha certeza que Estefânia estaria aflita, apavorada e pronta para fazer o que ele quisesse. Afinal, era sozinha com a filha e só tinha um irmão e a mãe como família. “O que pediria como resgate?” ria ao pensar assim e imaginava coisas terríveis, mas resolveu pedir o valor da negociação. Assim estaria vingado com as duas, já que tiraria o dinheiro de Helena (“Como é idiota, vai emprestar o dinheiro para a advogada”). Depois poderia acabar com a carreira de Estefânia. Quanto à criança o que fazer? Talvez a descartasse para que a mãe nunca o esquecesse.

4ª Dimensão

Helena resolveu oferecer um jantar de “comemoração” à família e durante a comemoração, jogaria a “bomba” de seu relacionamento. Ao conversar com a mãe sobre o jantar, esta se prontificou a ajudá-la e que o fizessem em sua casa, por ser mais espaçosa e as crianças poderem se distrair sem preocupações com os vizinhos de baixo ou dos lados em apartamentos. Helena concordou.

Estefânia se preocupava com aquele jantar, pois Helena estaria sozinha, sem defesa e sem apoio. Tentou convencê-la a deixar a família à parte e fazer como a maioria faz. Iriam vivendo, não diriam nada e se eles viessem a desconfiar, não iriam perguntar por medo da confirmação. Helena não quis. Desta vez não queria disfarçar, estava cheia disso. Queria tudo às claras e se a família inteira não a respeitasse quando soubesse, seria porque o amor por ela era pequeno sujeito às aparências e satisfação aos outros. Isso ela não aceitava mais. Passaria a viver de verdade, sem se sentir uma mentirosa.

Helena e a mãe acharam melhor encomendar o jantar a preparar tudo para os irmãos, esposas e cinco sobrinhos. Seria menos trabalhoso. Escolheu com esmero da entrada à sobremesa e as bebidas. Seria mais fácil falar e ser ouvida com todos de bom humor e bem alimentados.

Acabado o jantar as crianças foram ver TV e as mães vigiá-los por sentir que eles queriam conversar sobre algo. Helena achou que aquele seria o momento.

Paralelo

Entrou. Sentia-se, de repente, leve.

Observou a sala e nem quis pensar sobre a decoração, porque tudo que Estefânia fazia ou gostava, parecia ser bom pra ela, então tirou qualquer tipo de julgamento dos pensamentos. Estefânia conduziu-a à cozinha, onde havia uma espécie de balcão dividindo um espaço com mesa e cadeiras da cozinha propriamente dita.

E a mesa estava simples, mas belamente arrumada para duas pessoas. Sorriu.

– Então, estava mesmo à minha espera!

– Há séculos.

– Séculos? Não me parece tão velha. É alguma bruxa, ou feiticeira por acaso, ou uma princesa enfeitiçada?

– Apenas uma mulher à procura de um amor há muito tempo.

– Eu nunca o procurei, sequer acreditava nele.

Sentaram-se à mesa.

– Deve ter amado alguém na vida.

– Minha mãe. E depois que te conheci, comecei a pensar em minha filha como uma criança que precisa do que nunca lhe dei.

– Há tempo. Só não parou pra pensar no amor. Me parece que você, por não confiar nas pessoas, não se deu e tampouco aos outros, chance de amar e ser amada.

– Talvez. Isso está mudando.

– Você acha? O que a faz pensar assim?

– Sim eu acho. Você me faz pensar assim. Já fiz sexo com muitas pessoas antes pra saber que o que aconteceu entre a gente, não foi só isso.

– Eu espero sinceramente que não. Quando a vi com toda sua prepotência aflorada, me instigou. Comecei a perceber que há algo oculto em você. Talvez nem você saiba o que seja isso. Em mim isso foi despertando um sentimento forte. A principio pensei ser desafio, depois de te ouvir. Então, teu cheiro, tua beleza, tua pele assanhou minha libido. Pensei ser só tesão, mas ao dar vazão a isso e te tocar, a tua reação ao meu tocar me mostrou uma outra Helena. Vi o vislumbre do teu oculto e gostei demais dela.

– Acha que o que aconteceu entre a gente é amor?

– Acho sim. Por isso achava que você viria hoje.

– Achava? Pelo que estou vendo tinha certeza!

– Poderia dizer que sabia, mas na realidade mais sentia que sabia. Por falar nisso, pelo amor de Deus, vamos jantar antes que eu desmaie de fome.

– Ta bom, esfomeada!

3ª Dimensão

Com os dados em mãos, o grupo deduziu que Angélica estaria na casa de um dos sequestradores. O único dos três que tinha família e filhos e uma criança não chamaria atenção. Nenhum deles havia cometido aquele tipo de delito antes, nisso eram inexperientes. Vigiaram e esperaram os filhos dele estarem na escola. Os dois primos de Jairo, Roberto e Aristides bateram na porta da casa. A mulher atendeu.

– Pois não!

– E aí, dona. Ta tudo tranquilo na família?

– O que vocês querem?

– Cadê a besta do teu marido? O Barrica.

– Vocês conhecem meu marido?

– Conhecemo tudo mundo pur aqui e tamo sabeno que o jegue fez cagada que num ta acustumado a faze e que tem uma minina na casa. E é pur isso que tamo aqui. O Betão num gosto do que ele fez não. Vai trazê us gambé, us tira, tudo mundo pra cá e isso atrapalha us negócios. Deu pra entedê?

– Mas … mas a criança que está aqui é prima do João! Ela só não está acostumada com a gente e anda meio chorosa. A mãe precisou de ajuda e chamou meu marido pra ajudar.

– Prima? O tu é uma mintirosa de prima, o o Barrica ti engano legal.

– Como é?

– Ele pego a piveta prum serviço prum bacana aí. Nóis já tamô sabeno. Ele tem até a noite pra resovê essa parada, senão a gente dá um jeito. Viemo agora em respeito aos teu pivete e à senhora, mas depois vai sê sem dó.

– Afinal quem são vocês? Que Betão é esse? É o cara do tráfico?

– Bom, a gente prefere dizê que ele é o patrão que cuida do pessoal da cumunidade, desde que ninguém pisa na bola. Aí ele perde a calma e pode fica irritado, ta sabeno?

– Olha eu não sabia nada disso não. O João deu uma saída pra encontrar uns amigos, mas deve voltar logo, daí vocês falam com ele.

– Já demo o recado. Si num tivé tudo certo a noite, a gente volta. Té mais dona.

Maria das Dores sabia que o marido não prestava, mas nunca tinha chegado a sequestro antes. Ficou desesperada pelo medo por ela e seus filhos. Ligou para o marido que desconversou, mas percebeu que ele ficou nervoso. Não podia confiar nele. Sabia o que acontecia quando alguém fazia algo que os traficantes não gostassem. Precisava fazer alguma coisa e urgente.

Enquanto ela se desesperava, cinco outros investigadores amigos de Roberto e Aristides, com mascaras ninjas, invadiram a casa de Rogério (um dos sequestradores) que estava reunido com João e Matias. Apresentaram-se como comparsas do tal Betão e como não tinham nada que os identificassem os três acreditaram.

– Tamo quereno sabê quem é o grãfino que ta bancano a jogada que póde trazê a federal pra cima da gente. Ces são tudu otário de levá a pivete pro nosso pedaço. Quem sabe a gente também pega teus muleque e tua minina na saída da escola.

Os cinco riram e João que apesar de tudo, à seu modo, gostava dos filhos, resolveu se abrir.

4ª Dimensão

– O jantar estava ótimo, maninha. Diz aí o que você pretende fazer agora. Vai abrir um negócio?

– O senhor Alfredo convidou-me para trabalhar com ele, continuaria a gerenciar a metalúrgica e talvez algo mais. Disse que admira minha competência e que o filho não tem interesse na firma, embora vá herdar um conglomerado de peso. Acho que será tudo administrado pelos advogados.

– Isso seria bom pra você. De repente ele deixa você no comando.

– Palhaço! Nem em um milhão de anos. Precisamos ver a divisão do dinheiro da venda. Se vão querer aplicar, se vão querer comprar algo, imóvel.

– Por mim, você faz o que quiser com ele. O valor alcançado foi graças ao trabalho dos velhos e muito do seu.

– Por mim também, Leninha. Minha vida ta bem economicamente, justamente pela força dos proventos da metalúrgica. Esses anos todos nos manteve e a partir do momento que começamos a andar com  as próprias pernas, foi nosso suporte. E só você se dedicou a mantê-la e fazê-la prosperar.

– É isso, filha. Confiamos em você. Eu não preciso de mais nada e sei que meus filhos não me abandonariam.

– Claro que não, mãe! Bom, já que esta parte está resolvida, quero falar mais uma coisa com vocês.

– Pode falar, filha. Estamos ouvindo.

Helena respirou profundamente.

– Bom, mãe, uma vez eu comentei com a senhora que tinha uma amiga … hummm … gay. Na verdade …

– O que isso tem a ver conosco, filha? Duvido que na época eu tenha querido saber algo a respeito e continuo pensando da mesma forma.

– É que … tem algo a ver sim, mãe. – Helena explicou. – Isso é radicalismo, preconceito. Quem a pessoa ame não a torna melhor ou pior. Se ela ama alguém é porque tem a capacidade de amar, que importa se é do mesmo sexo que ela?

– Isso é pecado, é errado!

– Quem disse?

– Está na Bíblia e o pastor..

– Metade do que está na Bíblia é história. E não há um livro escrito considerado sagrado, que não contenha a opinião de quem escreveu, influências da época. Um ser humano com defeitos, preconceitos, crenças. Acreditava no que escrevia, mas não tinham o respeito pelas diferenças. Baseados em coisas assim já se cometeu crimes em demasia, por cor da pele, por crenças diferentes e continua acontecendo.

– Eu posso saber o por que dessa discussão estúpida?

– É que Marcio depois que começou a frequentar a Igreja dele, não tem pensamentos próprios.

– Vamos parar com isso. Você disse que tinha algo a falar, então fale sem trazer imoralidades à mesa, pra minha casa.

– Mãe, manera! Não seja tão radical!

– É isso que você pensa, mãe? – Helena indaga. – Eu tive que esconder a minha vida toda minhas emoções, namorar às escondidas pra não te magoar. Agora que encontrei alguém que faz tudo valer a pena, quero compartilhar minha felicidade com minha família e minha mãe me diz que sou imoral e meu irmão que sou uma pecadora?

– O que você está dizendo?

– Meu Deus, você é uma … uma …

– Por favor gente, as crianças estão na sala. Não grite, Helena e Márcio, nossa irmã é gay, ou homo se preferir. Viu? Eu falei e mão morri nem queimou minha língua.

Augusto olhou para sua mulher e sua cunhada que estavam na porta devido os gritos ouvidos.

– Vocês duas, por favor, fiquem com as crianças e não as deixem vir pra cá.

– Que vergonha!

– Eu não vou admitir isso! Você vai fazer um tratamento e achar um homem decente.

– Não há homem neste mundo que me faça feliz, mãe! Pela primeira vez na vida, estou realmente feliz e vou lutar pra continuar assim.

– Pois enquanto continuar com essa sandice esqueça que tem mãe!

– E irmão.

– Um irmão só, porque eu ela continua tendo. Ela sempre foi assim e se vocês não perceberam, foi porque não prestaram atenção a ela, ou não quiseram ver. Desde pequena, na adolescência, com quantos namorados vocês a viram? Quantas festinhas dos amigos ela ia? Pelo amor de Deus! É nossa Heleninha de sempre.

– Não é mesmo! Como vou encarar as pessoas, o que vou dizer aos meus filhos?

– Você não tem que dizer nada a ninguém, muito menos se preocupar com os outros. – Helena afirma. – É a minha vida não a tua. Tenho pena do teu pequeno Deus e seu amor condicionado.

– Já te disse, enquanto pensar assim me esqueça.

– Tudo bem. Assim que o dinheiro da venda for depositado, faço a transferência em partes iguais pras suas contas e devolverei as procurações. Obrigada pelo apoio, Augusto, – riu sarcástica -, mas parece que a imoral e pecadora aqui só serve pra cuidar dos interesses monetários dos dois.

Levantou-se, abraçou e beijou Augusto e saiu.

Paralelo

Jantaram conversando calmamente. Helena percebeu-se solta como nunca estivera, sorrindo com vontade de sorrir e não para manter aparências. Parecia ser uma outra pessoa até então desconhecida e estava adorando ser essa pessoa. Será que isso era uma das facetas do amor?

Não olhava nem se preocupava com as horas, não queria sair dali. Nunca permaneceu tão perto, tão terna, trocando carinhos enquanto conversava com alguém. Quando conversava com amigos era conversa vazia, regada a bebidas, ou negócios. Com quem trabalhava era estritamente profissional. A única pessoa que se permitia um carinho era a mãe. De repente veio-lhe a lembrança da filha.

– Posso falar uma coisa com você?

– Claro! Não precisa pedir permissão pra falar sobre nada, comigo pode falar sobre o que quiser.

– Obrigada! É uma pergunta. Essa forma de contato, eu não estou acostumada a afagos e carinhos, mas estou adorando e tenho certeza que vou sentir falta. E de repente percebi que é sobre isso que minha mãe não se cansa de falar a respeito, de como tratar minha filha. Você acha que sou um monstro pela forma que a trato? Há tempo de mudar?

– Ahhh que lindinha! Que bom que provoco essas coisas em você! Acho que aquele “lado oculto” que falei, está ficando bem evidente. Amor sempre há tempo para demonstrar. Você não é um monstro, apenas tinha umas ideias meio diferentes a respeito de como tornar forte uma pessoa. E se você quiser e me permitir, posso te ajudar nessa mudança.

– Eu agradeço.

– Que tal a partir de agora?

– Agora?

– É, afinal não conheceu meu quarto ainda. Que tal começar a “demonstrar” já o que anda sentindo por mim.

Pela primeira vez Helena beijou alguém daquela forma. Acariciou o rosto, os olhos acompanhando o deslizar das mãos querendo gravar cada detalhe. Aproximando a boca devagar, beijou suave e carinhosamente os lábios de Estefânia algumas vezes. Foi aprofundando o beijo, línguas acariciando-se com emoção, separando-se, voltando e se enroscar, ficando mais agressivas e descaradas, saindo da boca para percorrer peles.

Levantaram-se e frente a frente foram caminhando para o quarto, despindo-se pelo caminho, olhando-se com tara. Na cama, também pela primeira vez, Helena pode desfrutar de cada detalhe, cada toque, cada beijo trocado. Escorregava pelo corpo de Estefânia, beijando-o inteiro, apertando-o, amando-o. Tudo era a primeira vez para elas. O toque de Helena entre as pernas de Estefânia, fez as duas gemerem.

Helena olhou o rosto de Estefânia e o que viu quase a fez gozar. Desceu o rosto até onde estava a mão. Olhava, abria com as mãos e examinava tudo com prazer. Viu encharcada, pulsante, inchada, desejada e desejosa. Abocanhou tudo o que sua boca permitia. Sugou, lambeu, passando todo o rosto, se lambuzando. Entrou com dois dedos e os gemidos aumentaram.

Quando sentiu o orgasmo chegando Estefânia tirou os dedos de Helena e virou, ficando na posição perfeita para o “69”. Colocou o clitóris na boca, virou a mão e colocou o polegar em Helena. Os dedos de Helena voltaram onde estavam antes e o orgasmo mútuo não demorou a chegar.

3ª Dimensão

– Foi a primeira vez que tu fez um trampo pra esse cara?

– Não. A gente sempre faz umas coisas pra ele.

– Qualé o nome do Mane?

– É Alfredo Fontes.

– Tão sempre pegano gente pra ele é?

– Não, às vezes a gente rouba alguma coisa, ameaça alguém, dá umas surras, coisas assim.

– É bom você deixar claro se for pego que isso é coisa de fora, quem é o cabeça e que num temo nada a vê com a coisa. Sinão a gente apaga vocês e família, sacou?

– Ta claro sim.

Os cinco saíram deixando os três preocupados. Cerca de dez minutos depois, quando ainda discutiam o que fazer, o pessoal da federal entrou com tudo.

– Todo mundo quieto. Armas no chão agora.

Os três, de imediato, seguiram o procedimento pelo qual já haviam passado algumas vezes. Conduzidos para interrogatório, abriram o bico, dando datas, como e contra quem haviam cometido delitos a mando de Alfredo Fontes. Com todos os dados começaram a montar o dossiê. Iriam atrás das vitimas e juntariam todos os depoimentos e provas possíveis antes de prender o empresário.

Os detidos nem cogitaram chamar os advogados. Além do tipo do crime que tinham cometido, já haviam dedurado o chefe e havia “os traficantes”.

A mulher de João, depois de falar com ele e confirmar que a criança não era parente coisa nenhuma, resolveu fazer algo radical pra “livrar” os filhos. Apanhou Angélica e saiu.

– Eu vou deixar você num lugar, você entra, diz seu nome pra quem estiver lá e explica que ta perdida. Eles vão te levar pra casa, ta bom?

Angélica concordou rapidamente. Estava com medo que o homem voltasse. Não temia a mulher, mas o homem a amedrontava.

A mulher deixou-a na calçada em frente a delegacia, indicou-lhe a entrada e se afastou quase correndo de volta pra casa.

Angélica já ia entrar na delegacia quando ouviu alguém chamá-la.

– Tio Roberto! Tio Aristide!

Correu para abraçá-los. Os dois haviam seguido-as desde a casa, onde estavam vigiando e esperando a ação da mulher a fim de isentá-la ou não.

– Vem com a gente, filhota, vamos te levar pra mamãe e pro papai.

Ligaram pelo celular para Jairo, avisando-o que tudo estava bem e que Angélica estava a caminho.

Alfredo Fontes não conseguiu falar com os comparsas e ao invés de procurá-los ou tentar se salvaguardar, pensou que estivessem escondidos com medo e que quando precisassem de dinheiro voltariam. Uma semana depois foi preso, após denúncia da promotoria, por agressões, roubos, formação de quadrilha e sequestro. Desta vez seria muito difícil conseguir se safar, uma vez que as vitimas se sentiram seguras com as prisões dos criminosos e fizeram as queixas, expondo completamente o empresário.

Helena tinha tempo, sem culpas, pra ver o que faria no campo profissional depois de merecida férias, coisa que há muito não tinha. No momento, apenas queria curtir a felicidade e aprender a cativar uma criança linda.

Finalmente encontraram a quem esperaram até então. Tinham a vida toda pela frente pra dividir a elas e à filha a tranquilidade e a felicidade que o amor pode trazer.

4ª Dimensão

Augusto tentou segurá-la, mas não conseguiu. Olhou para a mãe e o irmão com desgosto, com mágoa. Chamou a mulher e os filhos, recolheram suas coisas e também foram embora. Achava que mesmo amando e agradecendo à mãe imensamente, demoraria a voltar àquela casa depois do ocorrido. Sentiu a dor da irmã e a certeza que sempre estaria do seu lado;

Helena sentia como se tivesse uma bola crescendo no lugar do estômago, espremendo todos os órgãos. Sabia que a mãe tinha o preconceito, mas não esperava tanto radicalismo contra a própria filha. Esperava sim um mínimo de compreensão, de respeito. Ainda bem que Augusto estava lá, mas agora a caminho do portão, sentia as lágrimas chegarem, as pernas falharem, a cabeça pesar demasiado. Deus! Como precisava de Estefânia naquele momento. Havia deixado-a esperando em seu apartamento. Abriu o portão e saiu. No bairro tranquilo, deixara seu carro na frente da casa.

Assim que saiu a porta do carro abriu. Ela parou

– Amor!

Correu e se jogou nos braços de Estefânia, então o choro saiu de vez. Foi conduzida ao carro assim que se recuperou um pouco. Recebeu afagos e beijos carinhosos, sem ouvir “eu não disse?” e nem viu Augusto sair com a família.

Estefânia ficara preocupada. Pegou a cópia da chave do carro, apanhou um táxi e há uma hora estava sentada no interior do veículo esperando-a. Torcia pra que saísse tudo bem, mas não confiava nisso.

No caminho pra casa contou o acontecido a Estefânia que apenas ouviu-a entristecida enquanto dirigia, acariciando-a sempre que possível.

Chegando em casa, deitaram-se. Helena soltou-se no ombro de Estefânia que a mantinha abraçada, até que acabou por relaxar e dormir.

Estefânia a manteve ali. Lembrou-se do tempo perdido pelo seu medo em dar chance ao amor, em confiar novamente. Embora fosse contra a atitude de Helena em contar para a família sobre elas, aquela era a maior prova que aquele relacionamento era pra valer. Que o amor era real e que aquela que ali estava era sua mulher, que pertencia a ela tanto quanto ela lhe pertencia.

Dias depois Helena foi ao encontro de Alfredo para conversar a respeito do trabalho.

– Então, Helena, está disposta a trabalhar muito e ajudar a tocar o barco?

– Gosto de trabalhar, senhor Alfredo, isso será um prazer, mas diante de um fato recentemente ocorrido, antes que o senhor me contrate, devo deixar claro que sou gay e vivo com uma mulher a quem amo muito.

– É mesmo? Isso quer dizer que não preciso me preocupar com envolvimentos emocionais com ninguém, nem com afastamentos por gravidez?

– Não mesmo! – Riu.

– Ótimo! Já vou te mostrar tudo que quero que se encarregue e pode começar amanhã.

Com a chegada do final de ano, Augusto convidou-as para passar as festas com ele e a família. Agradeceram comovidas, mas seria seu primeiro Natal e Ano Novo juntas. Ficaram com Angélica e dona Margarete. E o Réveillon passariam em uma boite gay pra cair na farra.

Dona Dolores passaria só, já que Marcio e a sua religião não comemora tais datas e Augusto não a desculpara.

Quem sabe um dia visse a felicidade da filha e a respeitasse como pessoa, mas até lá havia muita coisa que precisava ainda aprender e respeitar ….. se quisesse e se dispusesse a fazer.

Paralelo

Helena sentia-se nas nuvens. Então isso era fazer amor? Isso era sentir amor? Estava maravilhada. O dia chegou, ela acordada, exultante. Precisava ir para o trabalho dali a pouco, mas ali estava tão bom.

– Estefânia.

– Oi!

– Hoje é sexta feira e infelizmente tenho que ir para o trabalho, mas posso te ver amanhã?

– Claro! Já tem meu endereço.

– Não é aqui. Quero que conheça as outras mulheres da minha vida.

– O queeee? Muito descaramento da sua parte!

– Espera amor, estouh falando da minha mãe e minha filha.

– Eu sei boba. (Ria com vontade)

– Você me pegou agora, pensei que fosse verdade essa cara de brava.

Abraçaram-se e logo depois a responsabilidade as obrigou a irem para o trabalho. Helena pela primeira vez prestou atenção na musica que já ouvira mil vezes e não tinha lhe dito nada. Havia achado bobeira, exagero. E no radio Orlando Morais cantava “Meu amor onde está você? Te liguei só pra te dizer, que a noite foi boa demais. Acordei e nem quis ……

“Acordei? Nem dormi, mas estou elétrica. Nossa! Isso é ser feliz!”

O dia correu tranquilo, se falaram diversas vezes. À noite dormiram sonhando com a noite passada. E o sábado chegou … e com ele Estefânia.

– Sabe que não imaginei que você morasse com sua mãe!

– Eu não moro com ela. Tenho minha própria casa, só que fico muito por aqui e Angélica adora a avó.

– Sei, sei.

Estefânia foi apresentada a dona Dolores.

– Angélica, venha cá. Esta é Estefânia, a mulher que provavelmente, em breve, venha viver com a gente.

– Oi tia!

– Oi querida! Mas você é linda!

– Brigada, você também é. Você gosta de filmes tia?

– Gosto sim, por que?

– Ah eu estava pensando em ver um e gosto que alguém veja comigo. Vovó esta cheia de ver.

– Ah é? Que tal tua mãe e eu vermos com você?

– Minha mãe? Ela não gosta desse tipo de filme não.

– Que é isso? Nem sempre a gente vê um filme por gostar dele, a companhia importa e muito. Amor vem. Vamos ver …. que filme nós vamos ver?

– Narnia 2.

– Isso! Narnia 2.

– Mas eu não vi o 1! – Responde Helena.

– Depois a gente vê. – Estefânia fala. – Se a gente não entender algo, Angélica nos explica, né?

– Explico, sim, tia. – Confirma Angélica.

Foram para a sala onde ficava o H T e Angélica colocou o filme. Sentou-se ao lado de Estefânia. Dona Dolores sorriu e se afastou. Sentia que aquela mulher era tudo que sua filha precisava para aprender a dar importância às pessoas que importavam em sua vida. Helena olhou-as e entendendo o olhar de sua mulher sentou-se ao lado de Angélica que ficou entre as duas.

Angélica foi chegando mais perto. Respondendo às perguntas de Estefânia foi aos poucos colocando a mão próxima a da mãe. Helena fingiu não perceber a intenção e “distraidamente” segurou a mão da filha.

A mulher se dando muito bem com a criança que agora segurava com orgulho a mão da mãe fez Helena observar e sorrir. Aquela era a primeira de muitas outras vezes que isso aconteceria, tinha certeza. Todas estavam felizes. E era tão simples. Ao pensar nisso Helena se surpreendeu.
Depois de acreditar por tanto tempo que o poder e o dinheiro a faziam feliz, o que via ali era a simplicidade. Nada de tão caro, nada refinado, nada importado. Só o amor reinando livre e a simplicidade. Simplicidade no dar e receber, nas atitudes, no ouvir, no observar, no respeitar o outro.
A mãozinha dentro da sua lhe dava uma baita segurança. A certeza de que ali estava tudo o que necessitava a fez, pela primeira vez AGRADECER.

FIM.



Notas:



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