Sinopse:

Carmem Santiago retornou ao Brasil para assumir a empresa do pai que fora internado à pressa devido a uma grave doença súbita. Em completo desespero, vê-se a braços com uma grandiosa dívida contraída por este ao pai da empresária Marcela Alvarez.

Num frente a frente com Marcela, Carmem rapidamente descobre que esta não é uma mulher de fazer concessões e não parece nada disposta a facilitar-lhe a vida.

Surpreendentemente, Marcela aceita negociar a dívida mas impõe-lhe uma condição. Algo que a Carmem em toda a sua vida, nunca imaginou ter de fazer.

Carmem Santiago entrou na fábrica observando tudo com grande tristeza. Antes de deixar o Brasil para estudar fora as coisas ainda tinham vida por ali. Chegou ao primeiro galpão onde eram fabricados os aparelhos eletrônicos em larga escala sentindo um aperto no peito. Aquele lugar estava praticamente abandonado. Seguiu para o segundo galpão onde existiam máquinas ainda em funcionamento. Viu alguns funcionários sentados jogando cartas. Notou as garrafas de cerveja long nek espalhadas sobre duas mesas. Os homens estavam divertindo-se no horário de trabalho a ponto de não perceberem a sua presença. Talvez o rádio ligado no último volume fosse à causa de não a terem visto entrando. Dois dos funcionários estavam dançando. A empresa estava totalmente entregue as moscas, pensou contendo as lágrimas.

Um dos funcionários voltou-se batendo os olhos nela. O rapaz ergueu-se a olhando de cima a baixo dando um sorriso.

– Opa! O que temos aqui? Quem é a belezoca? Veio se divertir com a gente?

Carmem arregalou os olhos ao ouvir as palavras dele.

– Olha aqui pessoal! Temos uma surpresa atraente.

Um deles parou a música aproximando-se dos outros que se voltaram também a examinando sem disfarçar a curiosidade.

– Quem é ela?

Perguntou outro cutucando o que tinha falado com Carmem.

– Não sei, mas é um belo pedaço de carne, não acha?

Pedaço de carne? Carmem perguntou-se intimamente sentindo uma antipatia imediata por aquele homem. 

Ouviram a voz do encarregado que surgiu apressado naquele momento fitando-os aturdido:

– Oh, está já aqui, senhorita Santiago! Estava a sua procura para acompanhá-la.

Rui explicou percebendo Carmem parada observando os funcionários emudecida.

Tentou justificar sem graça o relaxamento dos mesmos apertado.

– Eles estão no prazo agora. Aproveitam para se divertir um pouco, e…

Ela não abriu a boca. Seus olhos passaram pelas garrafas de cervejas espalhas pelas duas mesas atentamente.

– Hoje é aniversário do Cleber e… Compraram meia dúzia de cervejas para…

Carmem encarou-o sem disfarçar a incredulidade no olhar. Estava tudo escrito nos seus olhos e na expressão de descontentamento dela. Como que satisfeita com a explicação, girou nos calcanhares deixando o galpão sem pronunciar uma única palavra. Aquilo era o cúmulo do absurdo.

Entrou na empresa seguindo para a sala que o pai ocupava. Assim que surgiu a secretária ergueu-se a cumprimentando surpresa:

– Senhorita Santiago, seja bem vinda! Recebi seu telegrama informando da sua chegada à semana que vem.

– Como tem passado Solange?

– Estou bem, obrigada!

– Antecipei-me quando recebi informações de que as coisas por aqui andavam péssimas. Pelo que constatei a empresa está às moscas. O único galpão ainda em funcionamento transformou-se em um clube. Fiquei chocada com o que vi lá!

– As coisas realmente não estão correndo bem já faz alguns meses. As máquinas como constatou, apenas algumas ainda funcionam, e os funcionários, sem encomendas de aparelhos para produzir ficam mais matando o tempo para cumprir a carga horária do que trabalhando.

Carmem respirou profundamente perguntando:

– Está falando sério? Os funcionários vêm aqui matar o tempo? Isto é inadmissível!

– Eu também acho, mas é assim mesmo que a banda toca por aqui.

– Está certo, vou me inteirar da situação da empresa. Providencie o relatório dos registros de atividades deste ano, de preferência atualizado, por favor.

– Vou providenciar agora mesmo. Tem notícias do seu pai?

– Passei no hospital antes de vir para cá. O quadro não é bom.

– Eu sinto muito.

– Obrigada! Ah, e marque uma reunião com os encarregados, isto é, com todos! Convoque os que estão aqui passando o tempo e os que nem devem aparecer para trabalhar.

– Tratarei disto imediatamente!

Carmem entrou na sala do pai aproximando da cadeira onde ele costumava sentar-se. Acariciou o encosto por alguns segundos entristecida. Sentou olhando tudo em volta. Viu algumas pastas sobre a mesa passando a ler com atenção. Precisava se informar da situação atual para salvar a empresa. Ou metia as caras ou acabariam fechando as portas. Foi o que fez passando a trabalhar obstinadamente.

Durante aquela primeira semana em que estava de volta saiu apenas com a família para jantar. Também porque era aniversário da mãe e não podia deixar de comemorar com eles. Foram jantar em um restaurante requintado. Tirou da sua reserva pessoal o dinheiro para gastar com a família num ambiente que sabia que os agradaria. Principalmente a mãe que fora acostumada com uma vida de luxo, ao menos quando vivia no Brasil a família tinha muitos recursos. Agora não mais, estavam completamente sem dinheiro. Para piorar tinha descoberto que o pai devia dinheiro para o falecido, Sr Alvarez. Um homem do qual se recordava por ter conhecido há muitos anos quando o pai a levou a sua casa com o irmão e a irmã. O fato do Sr Alvarez ter morrido não os livrou da dívida. Em conversa com o advogado da empresa, foi aconselhada a tratar daquele assunto com a filha, Marcela Alvarez, isto acaso conseguisse chegar até ela. Segundo ele seria mais fácil tratar com os advogados dela. Poderia pedir um prazo para efetuar a quitação da dívida. Decidiu que o faria, não seria pelo pai estar no hospital que deixaria de resolver todas as pendências. A questão é que existiam outras dívidas. Devia investir para colocar as máquinas novamente produzindo. Precisava de dinheiro para adquirir maquinários mais modernos. Teria que arrumar mais clientes para adquirir seus produtos. Existiam os processos trabalhistas que estavam sendo pagos acordados em parcelas. Os pagamentos das parcelas levavam uma boa parte do que a fábrica arrecadava. Num plano geral tudo que a empresa ainda coletava era para pagar os funcionários e as causas trabalhistas. A situação era desesperadora.

Interrompeu aqueles pensamentos voltando a atenção para a mãe e os irmãos. O melhor que tinha a fazer era aproveitar aquele momento com eles. Passou a prestar atenção no que estavam falando. Foi neste instante que seus olhos cruzaram com os olhos de uma mulher sentada há algumas mesas da sua. Não foi só a beleza dela que chamou sua atenção, o olhar penetrante a deixou desconcertada no primeiro momento. Aquilo não era assim uma novidade ser encarada por uma mulher, mas aquela mulher era demais. Imaginou que devia estar esperando por alguém e quando a pessoa chegasse iria se esquecer dela. Só que não foi o que aconteceu, não chegou ninguém e a mulher continuou devorando-a com aqueles olhares profundos.

         Uma semana depois, Marcela Alvarez desceu de banho tomado aceitando o drinque que a tia lhe passou na sala. 

Sentaram e Telma questionou-a:

– Tem certeza que vai voltar amanhã para o Brasil? Você ficou apenas cinco dias. Deveria aproveitar um pouco mais sua estada na Itália. É um país tão bonito.  

– Tenho sim tia. De mais a mais conheço bem boa parte da Itália. Já conclui o negócio do qual vim tratar. Preciso mesmo voltar para o Brasil. A senhora bem sabe que não gosto de cuidar dos negócios à distância. 

– Você nem chegou a sair à noite. Esqueceu-se de como a noite em Florença é deliciosa?

– Eu saí para jantar em Milão.

– Só para jantar? Não entendo porque você não paquera. Não acha que seria gostoso ter uma namorada?

– Namorada? Está falando sério, tia?

– Claro que estou.

– Não, não penso em namorar.

– Não pensa porque não conheceu uma mulher que te faça sentir vontade de correr atrás dela.

– Tem toda razão, não conheci mesmo. Todas as mulheres me parecem à mesma coisa. Olho e não sinto nada. No fundo sei que sou muito possessiva. Nem sei se alguma mulher me aguentaria.

– Hum. Em um relacionamento as pessoas não se aguentam, elas se completam. Na convivência acabamos fazendo concessões. Nem percebemos, mas mudamos muito para agradar, não a nós mesmas, mas a pessoa que passa a fazer parte da nossa vida.

– Não é um assunto em que eu costume pensar com regularidade. A minha vida é tão corrida, a senhora sabe por que tem um relacionamento longo. É justamente por isto que pensa que eu também devo ter um relacionamento. 

– Isso é bastante incomum, Marcela! Na sua idade, assim tão cheia de energia devia estar aproveitando a vida. Nem sei se fiz bem quando te aconselhei a transar com aquela louca que se hospedava na minha casa. Acho que não foi à mulher certa para…

– Ser a minha primeira?

– Exatamente! Tanto tempo se passou e você parece ter desgostado das mulheres.

– Nunca neguei que aquela mulher me assustou um pouco, mas sexualmente foi uma experiência válida. Aprendi muito com ela e senti prazer. Era o que importava, sentir prazer.

– Não sabia que ela era tão louca. Quando começou a trazer outras mulheres para transar em grupo tratei de colocá-la para correr. Foi ultrajante o comportamento dela! Não sei onde que ela estava com a cabeça imaginando que eu deixaria você, tão nova, participar de bacanais.

– Aquilo foi muito estranho, admito! Confesso que me desencantei um pouco. Depois me dediquei mais aos estudos como bem sabe. O tempo passou rápido e comecei a trabalhar. Foi apenas isto. Mas, se quer saber conheci uma mulher antes de vir para Itália.

– Conheceu? Então me conte. Como foi que a conheceu?

– Ela estava jantando com a família, na verdade não chegamos a conversar, nós apenas trocamos olhares. A senhora recorda de Antônio Santiago?

– Aquele que jogava golfe com o seu pai? Claro que recordo. Seu pai costumava emprestar dinheiro a ele. Esteve no enterro e até nos falamos rapidamente.

– Esteve mesmo, eu recordo. É a filha dele, Carmem Santiago.

– Ah, sim! Antônio tem duas meninas e um menino. Há alguns anos, em umas das viagens que fiz para o Brasil, ele apareceu com os filhos. Agora devem estar todos adultos.

– Estão sim, quero dizer, o menino é um adolescente. Deve ter por volta de quinze a dezesseis anos. É o que aparenta.

– Carmem está bonita? Era uma adolescente cheia de espinhas no rosto.

– Naquele rosto não tem nem mais uma espinha. É uma mulher muito bonita. Fiquei completamente deslumbrada.

– Então qual é o problema? Procure por ela logo voltar.

– Claro que não, tia! A senhora mesmo lembrou, o pai dela fez muitos empréstimos com papai. Faz ideia do valor dessa dívida?

– Não, qual é o valor?

Marcela mencionou o valor fazendo a tia dar um assovio surpresa.

– Meu Deus! Tudo isto?

– Papai passou anos emprestando dinheiro para Antônio.

– Foi o seu pai que te contou?

– Não, papai não me contou nada. Eu trabalhava unicamente na área da produção. A administração sempre ficou a cargo de papai. Quando ele faleceu, em reunião com os advogados fui informada sobre a dívida. Dez anos emprestando dinheiro sem receber? Realmente não consigo entender onde papai estava com a cabeça.

– Não sei muita coisa, no entanto, seu pai comentou certa vez que gostava muito do Antônio. Talvez você não compreenda, mas existem pessoas que são muito persuasivas. Sabe, tem uma lábia impressionante de maneira que conseguem convencer as outras a fazerem o que elas querem. Ademais, têm amigos que acabam sendo como irmãos.

– Não se justifica. O que eu sei é que quando se empresta dinheiro para amigo pode-se perder os dois.

– É bem verdade, só não se esqueça do quanto o seu pai era bom.

– Não sei mais se papai era bom ou bobo.

– Não fale assim. Diga-me, você cobrou a dívida?

– Está sendo tratado no departamento jurídico da companhia. Eles ponderam bastante antes de iniciar uma ação judicial. Para agravar a situação Antônio foi hospitalizado. Creio que com isso a coisa anda paralisada. Vou-me informar quando retornar. Ainda assim tenho várias viagens marcadas. Não terei tempo suficiência de me dedicar a essa questão por enquanto. O que fiquei sabendo é que Carmem voltou para o Brasil para cuidar da empresa do pai que segundo sei, está a ponto de fechar as portas.

– Espera aí, ela entende alguma coisa deste ramo de negócio?

– Isto eu já não sei. Pelo menos é formada em administração de empresas. Daí assumir a empresa do pai em queda livre pode ser um grande desastre.

– Como sabe tanto sobre ela?

– A senhora me conhece, mandei logo investigar tudo sobre sua vida.

– Ah, então você ficou realmente interessada.

– Não vou negar que estou bastante motivada.  

– Eu sabia que o dia que conhecesse uma mulher que te chamasse atenção você pensaria em namorar.

– Não precisa ir tão longe tia, eu só estou pensando em levá-la para a cama.

– É só isto que você quer, sexo?

– Sim, sexo! Por que não? Somos duas mulheres solteiras.

– Apenas sexo vai ser algo tão sem sentido, Marcela. Não vai te preencher em nada.

– Não faço questão de ser preenchida, só quero aquela mulher nos meus braços.

– Ela também é lésbica?

– Para a minha sorte é.

– Se ela se interessar por você do mesmo modo acho que deve aproveitar para conhecê-la melhor.

– Ela ficou atraída por mim, vi os olhares que me lançou. Aposto que se não estivesse com a família naquela noite teria ido para um motel comigo.

– Tanto assim? Só pelos olhares acredita que a teria seduzido a tal ponto?

– Teria sim.

– Está explicado porque quer voltar para o Brasil.

– Também. Ela já deve estar ciente da dívida do pai e vai tomar alguma atitude.

– Tem certeza que não vai mandar seus advogados para cima dela?

Marcela sorriu gostosamente pensando sobre aquilo.

– Não, não vou mandar. O pai está no hospital e pode acreditar, ele está falido. O que eu sei é que a dívida terá que ser paga de um jeito ou de outro.

– Como assim de um jeito ou de outro?

Marcela refletiu que não deveria contar aquela parte para a tia. Ela não aprovaria seus métodos. Desejou levar Carmem para a cama naquela noite, agora desejava muito mais. Durante toda aquela semana não a tirou do pensamento. Não queria saber como iria conseguir transar com ela, só sabia que ira transar de qualquer jeito.

– Bem, não compreendi exatamente o que quis dizer, só acho que você deve ser maleável porque Carmem não tem culpa das dívidas contraídas pelo pai. Ainda mais um montantes destes.

– Eu é que não tenho culpa!

– Marcela não se esqueça de que você é humana!

– Sou humana, mas desde quando tenho que me vestir de Santo Agostinho? Deixe me ver, como é mesmo aquela frase dele que a senhora vive me falando?

– Não se lembra? Eu sempre falei tantas…

– Sim, espera, ah, lembrei: “Quando fores orar, começa perdoando.”

– Viu como as coisas boas que te ensinei ficaram gravadas?

– Sim, mas pensa que vou perdoar uma dívida destas? É claro que não vou!

– “O supérfluo dos ricos é propriedade dos pobres.”

– Tia? Eu não sou assim, a senhora me conhece, não sou um poço de bondade e não perdoo dívidas. Quem deve tem que pagar. Pago minhas contas, meus empregados, minhas compras, meus luxos, meus…

– Não estou falando que você está errada em querer receber. Estou te falando que você pode ser menos dura com Carmem. Quando se está lidando com homens é uma coisa, com mulheres é completamente diferente. Lide com uma mulher como se estivesse tocando em flores.

– Não faço distinção em negócios, tia! Homens, mulheres, são todos iguais.

– Não são iguais. Marcela, por favor, não me decepcione. Eu não te criei como criei para ouvir estes absurdos que está me falando agora.

– Desculpe tia, não sou um banco.

– Quando o seu coração se encher de amor, essas palavras perderão todo o sentido.

– Pois que venha o futuro. Eu não faço a menor ideia do que seja amar alguém.

Continuaram bebendo e conversando sobre assuntos variados. Após o jantar se recolheram. Assim que Marcela deitou, achou engraçado lembrar-se de mais uma das frases de Santo Agostinho que a tia falava:

“Já li, Sócrates, Platão e Aristóteles, mas em nenhum deles li: Vinde a mim, todos os cansados e oprimidos que eu vos aliviarei.”

Não era a mãe da benevolência. A bondade não tinha sido inventada por ela. Não fazia questão de ser condescendente com ninguém. Queria Carmem porque passou a sentir um desejo que nunca sentiu. Seu corpo queimava só de pensar nela. Se tivesse que se aproveitar daquela dívida para levá-la para a cama o faria sem sentir a menor culpa. Por que sentiria culpa? Ela também a desejava, ou desejou àquela noite. O que era a vida se não desfrutar dos prazeres?

Foram, entretanto, muitas semanas depois que Carmem conseguiu marcar uma hora para falar com Marcela Alvarez. Mal conseguia esconder seu eto enquanto seguia pelas dependências da gigantesca companhia. Ouvira falar do poder da família Alvarez, mas não supôs que fosse tamanho. O prédio tinha vinte andares. Uma infinidade de funcionários transitava de um lado para o outro. Parada diante do elevador observava tudo abismada. Sabia que o pai negociava com o velho Sr. Alvarez. Com a sua morte, todo o controle passou automaticamente para as mãos de sua filha. Ouvira falar muitas coisas sobre Marcela Alvarez. Diziam coisas assustadoras sobre ela. Contavam que era uma criatura fria, dura e implacável. Outras histórias davam conta de sua vida reclusa no casarão dos Alvarez e que nem um iceberg era tão gelado quanto ela. Sua fama de não perdoar e punir o menor erro era famosa.

Seu corpo estremeceu quando o elevador parou e a porta se abriu levando-a até o último andar. Ali encontraria a mulher que poderia devolver sua paz ou destruí-la de vez.

Continua…



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