Uma Mulher Misteriosa

Capítulo 12.

Às três e meia da madrugada, Carmem estava completamente esgotada fisicamente. Marcela abraçou-a perguntando em seu ouvido.

– Perdeu as forças?

– Só tenho forças para comer.

– Ah, então vou até a cozinha buscar alguma coisa.

– Não, eu vou com você. Se ficar te esperando vou acabar adormecendo.

– Tudo bem, então venha comigo.

Vestiram um robe seguindo para a cozinha. Quando entraram, Marcela comentou com ela:

– Sente-se! Vou preparar um lanche para nós.

– Você vai fazer? Pensei que eu que iria…

– Pensou errado, oh, Carmem, que ideia! Relaxa que eu gosto de fazer isso.

– Olha, disto eu não sabia.

– Tenho certeza que pensou que sou uma nulidade na cozinha. Não tenho cara de quem sabe colocar fiambre em fatias de pão de forma. Isto é uma coisa que qualquer criança sabe fazer, não acha?

– Realmente.

Marcela foi até o armário onde pegou um pacote de batatinhas. Abriu-o virando dentro de uma vasilha. Pegou suco de laranja servindo dois copos.

– Tome, vai se animando com as batatinhas enquanto preparo o pão.

– Amo essas batatas “Ruffles.”

– São boas, não são?

– São sim. Não escolho hora para comer.

Marcela abriu um pano de prato sobre a bancada, colocando seis fatias de pão de forma.

– Quando estou com fome à noite, até biscoito de maizena me salva.  

– Se quiser alguma fruta. Tem maçã, laranja, pera, banana. Posso pegar uvas na geladeira. Quer?

– Só um cachinho pequeno, por favor!

– Como você quiser.

Marcela pegou os frios levando para a bancada. Depois com uma tesoura cortou algumas uvas de um dos cachos, lavando-as na pia. Colocou em um prato entregando a ela.

– A coisa está ficando boa.

Carmem comentou animada passando a devorar as uvas.

– Gastamos muita energia. É bom nos alimentarmos bem.

– Concordo.

– Você estava uma delícia na cama. Acho-te sempre deliciosa, mas hoje se soltou muito mais.

– Me soltei sim, também depois daquele telefonema, virei uma caldeira.

– Foi bom não foi?

– Muito bom.

Carmem respondeu desviando os olhos dela. Dedicou sua atenção a vê-la preparando as fatias de pão. Marcela passou manteiga em uma por uma colocando em um tabuleiro. Depois adicionou fatias de presunto e por cima fatias de mussarela. Ligou o micro-ondas colocando o tabuleiro dentro, comentando:

– Só mais alguns minutos e já comemos.

Carmem continuou comendo as batatas, até que Marcela avisou:

– Ficou pronto, vou pegar para nós. Quer sentar-se à mesa comigo?

– Sim.

Carmem respondeu descendo do banquinho, passando a batata e os copos de suco para a mesa, puxando uma cadeira para sentar.

Marcela veio com as fatias de pão percebendo os olhos de Carmem brilhando.

– Hum, mas isto parece estar um sonho!

– Vou pegar os pratos. Quer talheres ou só guardanapo?

– Os dois, obrigada!

Marcela retornou servindo para Carmem depois para si mesma.

– Aí, está bom demais! Hummmm. Você é boa nisto.

– Ainda bem que gostou.

– Quando eu morava sozinha, tinha mania de comer miojo. O problema é que um tempo depois ficava com fome de novo

– E comia o quê depois?

– Ah, uma fruta, uma barra de cereal ou tomava um copo de leite.

– Você não jantava?

– Raramente. Preferia um lanche reforçado.

– Eu gosto de jantar.

– Sim, eu sei. Janto com você todas as noites.

Carmem começou a rir da expressão admirada dela.

– Dei um fora. Agora você deve estar pensando que eu sou uma idiota. É claro que sabe que eu janto todas as noites. Foi ridículo o que eu falei.

– Você Marcela? Você pode ser tudo, menos idiota. Eu gosto quando conversarmos sem discutir.

– Eu adoro tudo que faço na sua companhia. Mas espera, acha que discutimos tanto assim?

– Ah, você sabe muito bem como soltar a minha língua. Já deve ter percebido que não sou de ouvir calada. Não gosto de levar desaforos para casa.

– Somos duas.

– Essas fatias de pão estão demais. Obrigada, eu estava mesmo com fome. Você me deixou…

Marcela começou a rir junto com ela.

– Sem forças, eu percebi. Você também me deixou Carmem.

– Confesso que estou desacostumada a tantas horas de sexo.

– Eu também. Antes de você entrar na minha vida passava as minhas noites lendo.

– Então a sua energia estava toda guardada, eu que me prepare.

– Você não vai morrer de fome, prometo.

– Pensei que iria fazer sanduíches. Do jeito que preparou deu mais trabalho.

– Eu acho mais apetitoso com as fatias de pão aquecidas. A mussarela derrete, fica mais convidativo.

– Não resta dúvida. Só falei porque são quatro horas da manhã.

– Você está preocupada com as horas?

– Não, né, Marcela! Só comentei. Eu poderia ter preparado para nós.

– Me deu muito mais prazer preparar com você aqui comigo.  

– Uma mulher não morre de fome estando com você.

– Isto foi um elogio. Gostei de ouvir.

– Eu não sou tão chata quanto pareço.

– Não te acho chata, Carmem. Costuma ser apenas um pouco reclamona. Isto todo mundo é um pouco.

– Sim, mas você não se incomoda quando sou chata.

– Por que acha que não me incomodo?

– Não sou convencida, só te observo. Se realmente te incomodasse, você não sentiria mais desejo por mim. Acho até que eu nem estaria mais aqui.

– Você é uma mulher inteligente.

– Sorte minha. Eu acho estranho que viaje tanto, e, você nem é feia, então porque prefere ficar lendo se gosta tanto de sexo?

– Eu não sou feia? Gostei desta parte.

– Não, você não é mesmo.

– Ah, Carmem, para fazer sexo tenho que sentir algo mais. E você, bom, você me fez sentir este algo mais.

– Está querendo me deixar envaidecida? Por favor, Marcela, não precisa fazer isto. Já estou aqui e nem passou pela minha cabeça fugir.

– Ficou envaidecida?

– Ora, fiquei, é claro! Você não é de se jogar fora. Hahahahaha…

– Engraçadinha hahaha…

Carmem voltou a comer com satisfação. Marcela também comeu. Quando terminaram, Marcela tomou um gole de suco olhando-a nos olhos. 

– Eu sei, Carmem.

– Sabe, sabe o quê?

– Sei que te incomodo quando falo demais.

– Hahahaha… Marcela, sim, tem toda a razão. Há momentos em que eu sinto que não é necessário falar nada, e você fica falando, falando, e me irrita um pouco.

– Por isto que eu confirmei que eu sei.

– Sabe e continua fazendo a mesma coisa. Você deve gostar de mexer comigo.

– Confesso que não falei nada, mas fiquei curiosa quanto ao seu encontro com a sua amiga ontem. Ela estava te cantando?

Carmem sorriu balançando a cabeça.

– Fiquei surpresa por não ter tocado neste assunto quando cheguei.

– Estava mais interessada em ter você. Lembrei-me agora disto.

– Eu aceitei beber um drinque com ela porque somos amigas. Conversamos algumas coisas, ela não me cantou nem eu a cantei. Lembramos coisas do passado, rimos de algumas bobagens que já vivemos, não foi nada demais. E nós, Marcela, não temos um relacionamento para que eu precise dar satisfações da minha vida. Temos?

Marcela olhou para o prato dela vazio perguntando:

– Já terminou?

– Sim, estava uma delícia. Obrigada!

– Disponha. Vamos nos deitar?

– Vamos sim, estou com muito sono.

– Eu também.

 

Marcela já tinha saído quando desceu para o café, às nove da manhã. Giana a serviu em silêncio. Quando retornou trazendo panquecas servindo-a, Carmem a encarou questionando jeitosa:

– Giana? Eu posso te fazer uma pergunta?

Giana a olhou imperturbável.

– Uma pergunta? Que pergunta?

– Marcela já trouxe outra mulher para viver nesta casa?

– Desculpe, mas acho melhor perguntar diretamente para Marcela.

– Sim, eu sei que o certo é perguntar a ela, mas pelo pouco que a conheço, duvido que ela me responda.

– Sinto muito, mas não posso ajudá-la. Aprecie o seu café!

Giana respondeu virando-se para sair.

– Estou te perguntando por que não acredito que aprove a forma como Marcela me fez vir viver aqui. Nem a tia dela aprovaria, não estou certa?

Giana estacou voltando-se.

– Eu não me meto na vida de Marcela. Ela já tem idade para saber o que é certo e o que é errado.

– Acredito que não se meta, mas você reprova. Eu reprovaria, qualquer pessoa reprovaria.

– Certamente eu ligaria para a tia dela se ela estivesse te torturando, não é o que eu percebo acontecendo nessa casa. Não ouço gritos nem pedidos de socorro seus.

Giana abaixou o tom de voz acrescentando.

– Ouço gemidos, seus e dela. Acha que eu devo desaprovar isto também?

– Giana, eu só…

– O que eu tinha que falar sobre este assunto já falei para Marcela. Bom apetite e com licença!

– Tem toda, obrigada!

Comeu rapidamente correndo para a empresa. Quando chegou, Solange entrou na sala com um jornal na mão entregando para ela. Carmem a encarou olhando para o jornal sem entender.

– Por que está me dando este jornal?

– Para você ler essa matéria. Parece que não viu ainda.

Carmem leu a matéria perguntando admirada:

– Quem divulgou este absurdo?

– Não sei Carmem. Daqui não saiu nenhum comunicado.

– Não estou me associando com…

– Marcela Alvarez.

Solange completou sentando diante dela.

– Exato! Se a imprensa começar a ligar…

– Já estão ligando. O telefone não para um minuto.

– Tenho apenas uma dívida com ela. Dívida que meu pai contraiu, os nossos contatos são apenas para negociar essa dívida.

– É o que devo falar para os jornalistas?

– Sim, é o que deve falar. Diga e tente enterrar o assunto. Ah, Maria já chegou?

– Acaba de entrar na sala dela.

Carmem olhou mais atentamente para Solange percebendo que os olhos dela estavam inchados. Deu-se conta que esteve chorando, entretanto, apenas comentou preocupada:

– Fique de olho nela.

– Algum problema que eu deva saber para poder te ajudar melhor?

Questionou surpresa.

– Nada de concreto. Só comecei a ficar desconfiada de gente que surge do nada oferecendo ajuda. É só precaução.

– Tudo bem. Ficarei atenta.

Marcela Alvarez e Maria Dantas. Duas mulheres bonitas, poderosas, que usavam roupas pretas e calçavam botas italianas. Aquilo parecia coincidência demais. Marcela era poderosa no mercado da informática. Tinha negócios em vários países. Maria apareceu do nada na sua vida, poderia ter alguma coisa ali. Só queria estar com os olhos bem abertos. Nada mais de surpresas inesperadas. Pensou também em sua secretária. Por que teria chorado afinal? Curioso como estava começando a se dar conta das coisas à sua volta. Estava vivendo em um mundo só seu, sempre envolvida em seus próprios problemas. Talvez Solange estivesse passando por problemas pessoais. Se fosse poderia oferecer ajuda, faria isto se voltasse a ver os olhos dela inchados. Era uma boa pessoa, já trabalhava na empresa há nove anos.

O toque do telefone tirou-a de seus pensamentos. Era Roberto, um colega que tinha estudado com ela. Conversou por alguns instantes até ele explicar o motivo que o fez ligar para ela.

– Você sabe que sou jornalista, não é?

– Sei! Recebi seu convite de formatura.

– Para você ver que não te esqueci. Será que podia se encontrar comigo? Preciso conversar com você.

– Não tenho muito tempo, mas se for rápido.

– Não vou me alongar.

– Onde?

Carmem perguntou anotando o nome do bar que ele mencionou.

Uma hora mais tarde entrava no bar. Roberto, o garoto franzino, tinha se transformado num homem. Cumprimentaram-se, sentando nos banquinhos em volta do balcão.

– Te chamei para pedir um favor em nome da nossa amizade.

– Se eu puder ajudar.

– Soube da sua possível sociedade com Marcela Alvarez.

– Já desmenti esta história para a imprensa. Nem sei de onde isto saiu.

– Você se encontrou com ela?

Perguntou ansioso.

– Claro que não!

– Tem certeza que não a viu mesmo?

– Tenho! Está duvidando de mim?

Carmem perguntou pegando o drinque que o barman colocou a sua frente.

– Não é isto.

– Trato apenas com o advogado dela.

Carmem ergueu os olhos levando um susto ao ver Marcela entrando. Passou por todas as mesas chegando ao balcão. Parou ao lado de Roberto, pedindo um drinque. Lançou um olhar inquietante em sua direção.

– Todo este falatório sobre ela deixa as pessoas eufóricas.

– Você não acredita nas coisas que inventam. Tudo o que falam não me parece credível. As pessoas gostam de criar histórias.

Carmem comentou sorrindo sem deixar de observar Marcela com o canto dos olhos. Viu-a saltando do banco aproximando-se deles.

– Confesso que tenho dúvidas também, Carmem. Afinal vampiros não existem.

– Não existem mesmo. Eu nunca vi nenhum.

– Nem eu.

Ele respondeu começando a rir com ela.

Marcela parou diante dele falando educadamente.

– Desculpe incomodar. Pode me emprestar o seu isqueiro?

– Perfeitamente.

Roberto sorriu acendendo o cigarro, passando a admirar a beleza dela impressionado.

– Obrigada.

Marcela voltou a sentar no banco próximo a ele.

Roberto sorriu comentando baixo com Carmem:

– Nossa, que mulher! É simplesmente maravilhosa! Gente! Tenho que sair mais nesta cidade. Ela não é linda? Vai, olha para ela!

– Hum.

O comentário desagradou Carmem que deu de ombros suspirando. Depois se controlou acrescentando secamente:

– Eu lamento, mas não posso te ajudar!

– Você não a viu, tudo bem, mas se acontecer de se encontrarem no futuro imploro que me ligue imediatamente. Nunca divulgo minhas fontes. É só me dar um toque. O que me diz?

– O que me pede é muito difícil, pois não imagino porque me encontraria com ela. Caso encontre vou me lembrar de você.

– Eu sabia que podia contar com a sua ajuda.

Respondeu sorrindo satisfeito.

– Não vai beliscar nada?

– Obrigada, mas atrapalharia meu o jantar. Ainda tenho um compromisso. Vejo-te qualquer dia.

Saiu praticamente correndo do bar. Passou na casa da mãe onde ficou conversando com ela por algum tempo, mas os pensamentos estavam voltados para Marcela. Depois se despediu saindo afobada.

Continua…



Notas:



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