Uma Mulher Misteriosa

Capítulo 19.

À noite quando Carmem apareceu na hora do jantar, a mãe contou da visita que fez ao marido no hospital. Enquanto Carmem preparava dois drinques para elas, Alice acercou-se de Carmem revelando entusiasmada: 

– Conheci uma moça maravilhosa hoje. Sabia?

– É mesmo? Uma moça?

Carmem perguntou passando o drinque para ela, sentando no sofá.

– Uma mulher filha, eu falo moça porque é a minha forma de falar. Você me entendeu.

– Entendi sim. Fico feliz que esteja fazendo novas amizades.

– É a mulher mais bonita que já vi na minha vida, juro!

– Nossa! Deve ser mesmo, para te impressionar tanto assim.

Carmem sorriu admirada.

– Nós conversamos muito. Ela não é como estas jovens desmioladas que andam por aí. É madura, atenciosa, paciente, gentil, meiga e tão prestativa. Tem uns olhos, uns dentes, um rosto lindo e um corpo que não dá para te explicar.

Carmem sorriu intimamente ponderando que mulher nenhuma era mais bonita do que Marcela. Nenhuma tinha dentes e o corpo mais lindos que os dela. Nenhuma tinha aquele olhar delicioso. Lembrou-se da noite maravilhosamente quente que passou em seus braços. Pena que não teve beijos. Beijos, o que não daria por um beijo dela, pensou suspirando.

– Talvez vocês possam ser amigas algum dia. Vai adorá-la, Carmem! Você está precisando fazer boas amizades.

– Boas amizades femininas?

– Você não é lésbica? Ora essa!

– Sou, mas não estou interessada em fazer novas amizades por enquanto.

– Não diga isto, conhecer pessoas é sempre bom. Essa moça que conheci, te garanto que vai valer a pena.

Carmem fitou a mãe admirada. O que ela estava falando? Estava querendo jogar a mulher que conheceu nos seus braços? Estaria ficando louca?

– A senhora está querendo arrumar uma mulher para mim?

– Não seja vulgar porque eu não pensei em nada disso!

– Pois é o que está parecendo.

Carmem admitiu sorrindo atônita.

– Isto seria impossível, não acha? Você continua nas mãos daquela aproveitadora!

– Não estaria nesta situação se papai não tivesse feito o que fez, concorda?

Alice tomou um gole do drinque suspirando.

– Infelizmente é a pura verdade.

– Que bom que reconhece.

– Isto é um fato e não pode ser mudado. O importante é você tratar de esquecer essa paixão que sente por ela. Ficar suspirando por aquela mulher, que horror!

– Não começa de novo.

Carmem pediu cansada. Aquele assunto a desgastava.

– Conheço a vida, sei o que estou falando. Ela pode ser boa de cama, mas sexo não é tudo. Um dia isto esfria e vira rotina. Compreende isto?

– Mãe? Para!

– Vamos Carmem, certamente ela é o tipo que quando acaba de transar pergunta enfadonhamente: Então, você gozou? Gostou? Confessa, Carmem!

– Era só o que me faltava.

Carmem sorriu sem acreditar naquilo.

– Hã? Diga! Encare a verdade.

– Mãe! Para com isto. Que coisa mais chata. A senhora não se cansa de bater na mesma tecla? Todo dia o mesmo assunto. Santo Deus!

Ergueu-se pegando a bolsa sentindo-se sufocada.

– Viu papai? Como ele está hoje?

– Vegetando como sempre!

– Darei uma passada no hospital amanhã. Agora vou indo.

– A perversa te chama! Por acaso ela te bate?

– Não vou nem responder.

– Pelas chupadas no seu pescoço deve estar próxima disto.

Comentou maldosa.

– Devia amarrar um lenço no pescoço para esconder essas marcas.

Carmem tocou o pescoço agitada. Inclinou-se beijando a mãe rapidamente.

– Tenho que ir. Boa noite!

– Vá!

Falou meiga.

– Procure não se deixar marcar assim, isto é coisa de mulher vulgar. Tem que se dar ao respeito. Olha…

Carmem não parou para ouvir. Saiu depressa entrando no carro seguindo para a casa de Marcela.

Quando chegou a casa, ela estava na sala com a tia.

Marcela ofereceu um drinque para ela. 

– Sim. Aceito, mas deixe que eu mesma…

– Vou servir seu drinque.

Telma falou decidida.

– Por favor, Telma, não quero te incomodar.

– Não incomoda nada, descanse, é um prazer para mim te servir. Sente-se com Marcela.

Telma se ergueu indo até o bar. Carmem deixou a bolsa sobre a cadeira aproximando-se de Marcela. Ela sorriu olhando-a intensamente. Estendeu a mão até a nuca de Carmem puxando-a contra seu corpo. Sua boca roçou a de Carmem com extrema suavidade. Levou a boca ao ouvido prometendo num tom sensual.

– Não serei mais pedante. A partir de hoje terá todos os meus beijos.

Carmem afastou-se dela sentindo as pernas bambas, e o coração, este disparou na hora.

 Telma se aproximou entregando o drinque. Carmem agradeceu perguntando curiosa.

– Obrigada. Como consegue saber onde estou?

– O seu perfume está no ar e é delicioso.

– Ah.

Telma sentou comentando tranquilamente.

– Soube que assumiu a empresa do seu pai e que tem se saído muito bem. Deve ser uma responsabilidade muito grande.

– Sim. É verdade.

Respondeu correndo os olhos em Marcela.

– Superei as dificuldades provando para os que não confiaram em mim, que sou capaz.

Marcela percebeu a indireta mantendo-se imperturbável.

– Não ligue, ninguém gosta de valorizar o sucesso do outro. Ser mulher e ainda por cima, bonita, mesmo que não seja bonita, é letal para as invejosas.  Viver é difícil, você tem que andar sempre sorrindo quando gostaria de mandar muita gente para o inferno. Eu sei como é isto.

Carmem deu uma gostosa gargalhada ao ouvir aquilo.

– Tem toda razão! Muitas vezes é só o que tenho vontade de fazer. Eu quis muito mandar Marcela para o inferno.

– Posso imaginar Carmem. Mas não mandou, não é?

Telma perguntou sorrindo compreensiva.

– De fato não fui capaz, acho que Marcela soube me cativar.

Passaram para a sala de jantar. Lá, Telma comentou com as duas.

– Hoje vou me recolher mais cedo. Já não tenho vinte anos para passar duas noites entregue aos prazeres do amor.

– Dizem que depois dos quarenta a mulher renasce.

Carmem comentou levando a taça de vinho aos lábios. Seus olhos estavam brilhantes. Ela se deu conta que se sentia renascendo. Teria os beijos que tanto sonhava, mal podia esperar para ficar a sós com Marcela. Lançou um olhar carregado de desejo na direção dela. Telma a fez desviar os olhos quando comentou mansamente:

– É verdade, pois me sinto assim. Abri mão de uma vida, de um país que adoro para vir viver com o meu amor. Tivemos uma noite linda. No entanto, ela trabalha demais, não poderia desgastá-la roubando uma segunda noite de seu sono. Tomarei o café da manhã com ela. Adoro fazer amor pela manhã. É quando estou mais predisposta para o sexo. Certamente vocês sabem disto.

– Tem toda razão.

Carmem concordou mais desinibida. Marcela permanecia muda. O fato dela não participar da conversa não mereceu comentário algum de Telma. Após o jantar, deu boa noite para as duas subindo em seguida sozinha.

Marcela ergueu a taça perguntando carinhosa.

– Teve um dia muito difícil?

– Como todos os meus dias são.

Carmem respondeu tranquila.

– E como eles são?

– Trabalho, trabalho e trabalho, mas com ótimos resultados. É isto que me importa.

– Entendo.

Carmem rodou a taça de vinho entre os dedos comentando intimamente:

– Você não me ligou. Estranhei.

– Liguei sim, mas você estava em reunião.

– Não! Jura? Que chato.

Suspirou soltando a taça frustrada.

– Se tivesse deixado um recado eu teria vindo correndo.

– Foi só um desencontro.

– Ficou decepcionada?

– Só ansiosa.

– Desculpa.

– Sei como é, não tem problema. Como está o seu pai?

– Na mesma.

– E sua mãe? Está mais calma?

Marcela não costumava perguntar pela mãe, mas Carmem gostou de ouvir a pergunta.

– É. Hoje estava mais calma sim.

Comentou pensativa.

– Viu meu pescoço marcado das chupadas e me criticou. Fico tão sem graça quando ela toca nestes assuntos.

– Por quê? É sua mãe, é natural que se preocupe com você.

– Isto é natural sim, mas querer saber das minhas intimidades é demais.

– Você devia dar mais atenção a ela. Poderia jantar mais noites com ela. Talvez queira dormir lá vez ou outra. Se quiser não vou me importar.

– Não mesmo? Ora!

Sorriu feliz respondendo admirada.

– Que bom que falou isso. Ela vai adorar ter mais tempo para conversar comigo. Obrigada por compreender. Agora você me surpreendeu.

– Eu admito que tenho sido muito egoísta querendo você só para mim.

– Você teve muitas amantes?

– Eu?

Marcela sorriu pensando sobre a pergunta.

– Só tive uma mulher e não foi minha amante. Tinha dezessete anos quando a conheci. Ia muito a casa da minha tia. Possuía uns peitos grandes, tipo aqueles que as americanas têm. Ficava jogando o maior charme para cima de mim. Comentei com minha tia e ela me disse assim: “Você deveria ir para a cama com ela. Assim vai te deixar em paz”. Foi o que eu fiz. Só que não fiquei livre dela. Deve ter durado uns dois meses.

– Mais nenhuma depois dela?

– Não. Ela me assustou mais do que você pode imaginar.

– Por quê?

– Era muito doida. Vivia se drogando e quando transava parecia querer consumir meu corpo. Gostava muito destes objetos que as pessoas usam. Aparecia sempre com um pênis de borracha. Um dia apareceu com duas louras amigas dela que queriam me comer de todo o jeito. A coisa era toda muito doida. Comecei a fugir dela, minha tia percebeu e a colocou para correr. Ela sumiu e minha tia não se esquece do que se passou. E você? Teve muitas mulheres?

– Com certeza mais do que você. Umas sete ou oito. Nada que tenha me marcado. Rolava um envolvimento, mas nunca morei com ninguém.

– Entendo.

– E quanto à sua tia? Por que a mulher dela não vem aqui?

– Virá qualquer dia. Isto é coisa delas, eu nem pergunto.

– Ela realmente não se importa por sua tia ser cega?

– Suponho que não. Nem sei se pensa sobre isto. Nunca me falou nada a respeito.

Ficaram se olhando em silêncio. Carmem estava pensando nos beijos que ela prometeu quando entrou em casa.

– Por que mudou de ideia sobre os beijos?

– Porque também os quero e já não aguento mais resistir aos seus lábios.

– E conseguiu esperar até agora?

Carmem insistiu ansiosa.

– Você tinha toda a razão, usei isto para te deixar fissurada em mim. Percebia como ficava louca querendo minha boca. Não te beijei para te manter, você sabe, ligada a mim.

Contou erguendo os ombros num sinal de desculpas.

– Sim, eu percebi. Você sabe que foi um golpe muito baixo, não é?

– Sei sim, desculpe-me.

– Hoje você está parecendo uma santa. Nunca imaginei te ver assim.

Sorriu admirada.

– O que te deu? Por que está tão boazinha?

– Estou desarmada Carmem. Agora nos conhecemos um pouco melhor. Não tenho mais que usar uma máscara para esconder os meus sentimentos. Acredito que você não acha mais todas as coisas ruins que achava de mim no início.

Carmem ficou em silêncio olhando-a pensativa. Marcela estava mudada. O som do telefone tocando cortou o clima entre elas. Marcela se ergueu, Carmem fez o mesmo avisando baixinho.

– Se não se importa, vou subindo na frente.

– Não vou demorar.

Prometeu voltando-se para Giana que entrou naquele momento.

– O senhor Santos está ao telefone. Disse que é urgente.

Carmem entrou no quarto estranhando aquele telefonema. O telefone praticamente não tocava naquela casa. Era o lugar mais silencioso do mundo, nem os empregados faziam barulho. Eles realmente temiam ou respeitavam Marcela demais evitando incomodá-la. Mara, a arrumadeira sempre arregalava os olhos quando ouvia o nome dela. Naquela casa apenas Giana a servia. Giana era a empregada mais antiga. Trabalhava para Marcela há vinte e dois anos, já que Marcela estava com vinte e oito anos de idade.

Nas outras vezes que ouviu o telefone, Giana nunca a tinha chamado para atender. Mesmo estranhando o fato foi tomar um banho rápido. Quando voltou ao quarto, Marcela estava entrando. Foi rapidamente ao seu encontro. Marcela sentou na cama puxando Carmem para os seus braços. 

– Estava começando a pensar que tinha se esquecido de mim lá em baixo.

Carmem murmurou enlaçando o pescoço dela.

– Carmem…

– Não fale. Esperei tanto por este momento, você não faz ideia.

Confessou encantada com os olhos fixos na boca de Marcela. Seus olhos cintilavam quando inclinou a cabeça roçando suavemente nos lábios tão desejados. Puxou o corpo de Marcela para junto do seu. Suas bocas começaram a se tocar ansiosas. Carmem soltou um gemido de prazer. Sentiu o corpo reagindo na hora. Os bicos dos seios de Marcela já eriçavam espetando a blusa de seda. Enfeitiçada Carmem entreabriu a boca junto à dela. O beijo que ambas tanto queriam aconteceu mansamente. Suas bocas perderam-se sem reservas. Carmem sentiu a língua morna quando passou a sugá-la fora de si. Suas mãos desceram em busca dos seios. Estava afoita, louca para fazer amor. Os dedos trêmulos começavam a abrir os botões quando Marcela se afastou arfando pesadamente.

– Espere… Precisamos conversar sobre…

– Agora não, pelo amor de Deus, só deita aqui comigo. Nem acredito que vamos fazer amor com beijos.

Carmem gemeu puxando-a para a cama deitando rapidamente sobre ela.

Marcela segurou suas mãos falando logo.

– Aconteceu uma coisa grave que você tem que saber.

– Não pode ser… Parece até brincadeira.

Carmem lamentou balançando a cabeça enquanto tentava pensar com clareza. Seu corpo todo queimava e tremia dominado pelo desejo.

Marcela afastou-se procurando os olhos dela.

– Você precisa saber o que aconteceu.

– Meu… Pai morreu?

Perguntou tocando o peito sentindo-se sufocada.

– Seu irmão foi preso agora há pouco. Meu advogado acabou de ligar. Sua mãe já deve ter sido avisada. Deve estar desesperada precisando da sua ajuda.

– O que foi que ele…

O telefone voltou a tocar. Marcela comentou passando-o para ela.

– Deve ser a sua mãe.

Carmem saltou por cima da cama pegando o telefone.

– Alô?

– Filha? Ah, que bom que atendeu! Sei que me pediu para não ligar para este número, mas eu preciso de você.

– Acabei de saber.

Respondeu sentando na cama.

– Fique calma porque estou indo buscá-la agora.

– O que faremos? Não quero o meu filho preso.

Lamentou desabando a chorar do outro lado da linha.

– Vamos dar um jeito. Já estou indo encontrar com a senhora.

Desligou voltando os olhos assustados para Marcela.

– O que foi que ele fez?

– Quebrou um bar inteiro com uma turma. Estavam todos bêbados e drogados.

– Oh, não! Drogado? Droga não.

Lamentou se erguendo olhando em volta perdida.

– Você sabia sobre ele estar usando drogas Marcela?

– Desconfiava, mas sabia que estava andando em péssimas companhias. Ia falar com você sobre isto. Estava escolhendo um momento ideal. Fica sempre furiosa quando comento algo sobre sua família. Meu advogado está lá na delegacia cuidando de tudo. O motorista vai te levar. Não está em condições de dirigir.

Carmem fitou a boca dela ansiosa. Passou a mão nos cabelos comentando triste, confusa, perdida.

– Logo agora, preciso me acalmar. Queria tanto…

Calou-se olhando para a cama.

– Você sabe! Oh! Minha bolsa, eu… Onde a deixei?

Indagou desorientada.

– Você a deixou lá em baixo na sala, querida!

– Bem, eu…

– Me ligue se precisar de alguma coisa.

Marcela abraçou-a com força junto de si. Carmem correspondeu mergulhando a boca na dela. Beijaram-se longamente. Afastaram-se com dificuldade. Carmem acariciou o rosto dela pedindo baixo.

– Me espere, espere por que preciso demais de você. Não sabe o quanto preciso, Marcela.

– Eu também preciso de você, Carmem. Vou te esperar sim.

Notas da autora: Pronto, Carmem já está rendida. Nem precisa falar mais nada. 

Desceram juntas até à sala. Marcela entregou a ela a bolsa. Ficou olhando Carmem sair correndo sem olhar para trás.

Continua…

 


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