Valência

Capítulo 3 – Saia Justa

Lúcia acordou pouco antes das seis. Dormimos abraçadas, mas nesta noite, não houveram gemidos ou sexo. Não era isso que Lúcia precisava de mim, naquele momento. Conversamos durante algum tempo mais e adormecemos no meio da conversa. Ela espreguiçou, cingiu minha cintura, me acordando de vez e me beijou o rosto, antes de deixar a cama para ir ao banheiro. Levantei-me para preparar o nosso café. Outro dia começava.

Lúcia foi embora às seis da manhã e eu abri minha “tienda”. Lá pelas nove horas a Carmem chegou.

— Buenos dias, Olívia!

— Buenos dias, Carmem!

— Você vai dar aula hoje de manhã?

— Vou sim, Carmem. Daqui a pouco saio para o clube.

— Ontem o administrador de uma granja das cercanias veio recomendado pelos preços e pela qualidade dos nossos produtos. Disse que passaria aqui hoje para conversar sobre o fornecimento semanal para eles.

— Que horas ele disse que viria?

— Por volta das duas da tarde.

— Vai ficar apertado para eu almoçar, mas estarei aqui. Que bom que veio recomendado. É sinal que estamos fazendo um bom trabalho.

— É sim. Parece que eles são de uma família super tradicional daqui.

— Ih! Não fala em família tradicional que me dá arrepios!

Carmem gargalhou e eu ri junto. Ela era de uma família de classe média, vinda do norte da Eha que se erradicou aqui. Não tinham frescuras ou muitas posses, e ela se divertia quando eu fazia comentários como aqueles.

— Bom, vou pegar minhas coisas e por volta de uma hora da tarde já estarei de volta. Peça para o Pepe deixar de moleza e arrumar o estoque. Amanhã chega mercadoria e vou ter que conferir. Quero tudo no lugar para eu não me perder.

— Pode deixar, esse moleque não escapa hoje.

Eu dei aula naquele dia, recebi o tal administrador e durante aquela semana não encontrei mais a senhora Gallardo, mas na sexta-feira fui avisada que não poderia dar aulas na outra semana. Começariam a obra e como era interesse do Jiu-Jitsu, quebrariam os vestiários pelo lado da sala do tatame. Avisei aos alunos depois da aula.

— Gente, prestem atenção. – Estávamos todos sentados no centro do tatame em uma roda. – Semana que vem não teremos aula…

— Ah! Por quê? — Todos falavam em uníssono.

“Aluno é uma coisa chata mesmo, não podem nem esperar eu explicar para reclamar?”.

Sorri ao meu pensamento. Fiz um gesto com as mãos, para que se acalmasse e eu pudesse falar.

— Calma, gente! É uma obra para melhorar a sala de treino. O nosso tatame vai aumentar.

— É. E vamos dividir o vestiário com o pessoal da esgrima. – Pepa falou com voz de desânimo.

— Ei, o que tem demais? São atletas e alunos como vocês. Não tem problema dividir os vestiários com eles. Não quero esse tipo de rixa aqui.

— Desculpa, mas é que conheço eles. Faço esgrima à noite e tanto a treinadora como o auxiliar, não estão nada satisfeitos com essa divisão. O pessoal da esgrima está ficando inflamado com essa história… Eles são uns imbecis!

Eu previ que isto aconteceria, mas não iria colocar lenha nessa fogueira com meu pessoal. Ao menor deslize, iriam começar a falar que nós que estaríamos arranjando briga e não seria difícil a diretoria acreditar, tamanhas crendices que as pessoas tinham a respeito do esporte que eu ensinava.

— Olha, seja lá o que estão achando, não importa para mim. Esse projeto foi feito pela diretoria e, por favor, vamos evitar brigas. Deixe que falem. Não está nas nossas mãos decidir nada. Não quero discussões aqui, ok? Na outra semana retornamos.

Dispensei os alunos e fui para meu banho. Mais uma vez, a Pepa tomava seu banho no vestiário. Já havia se tornado uma cena comum. Ela saía da aula e ia para a ducha e eu idem. Eventualmente conversávamos, ela colocava seu uniforme e saía.

— Olívia.

— Hum, fala.

Eu estava com a cabeça embaixo da ducha, enxaguando meus cabelos, e escutava a voz abafada vinda de fora do box.

— Eu não queria ficar tantos dias sem treinar. Você dá aulas particulares?

Eu parei de me banhar na hora. Deixei a água correr por meu corpo, pensando no que acabara de ouvir. Não gostava de dar aulas particulares, principalmente para iniciantes e adolescentes. Eles eram sempre intensos em tudo. Sei disso, pois já dei muita aula para adolescente e me lembro bem da minha adolescência e de minhas atitudes, também. Pensando hoje, tomaria as mesmas decisões que tomei quando adolescente, mas talvez de uma outra forma.

— Não, Pepa. Não dou aulas particulares, pois tenho um negócio lá no centro. Vou aproveitar para colocar algumas coisas em dia lá.

Não pretendia cortar a garota do nada, mas também não queria embarcar na onda dela.

— Mas será que nem um dia você poderia?

— E onde faríamos as aulas?

— Lá em casa eu tenho um pequeno tatame. Eu fazia judô quando era pequena.

Agora ela havia me complicado para negar. Abri a porta do box, enrolada na toalha.

— Por favor!

Ela pediu com as mãos unidas suplicando e uma carinha de sapeca.

— Ai, Pepa… O que você está aprontando? Por que não quer esperar pela semana que vem?

— Ah, eu podia, mas estou gostando tanto… Por favor, aceita, vai.

— Está certo, mas só vou te dar aula na quarta-feira. Deixa o endereço aí em cima da minha bolsa. Olha, não vou cobrar baratinho não. Isso é capricho seu.

— Ai! Que legal! Pode cobrar o seu preço.

Ela deu um pulinho e foi procurar um papel. Enquanto me vestia, ela anotou o endereço e colocou em cima da minha bolsa.

— Obrigada, Olívia. Tchau.

Despediu-se e foi embora. Não sei porque, eu tinha a sensação que ia me arrepender dessa aula. Sabe quando você não quer fazer algo e é convencida a fazer? Isso sempre dá alguma meleca.

Quando saí, ainda vi Pepa andando na alameda que levava até a portaria e o pior, a senhora Gallardo vindo na minha direção. Essa mulher na minha frente era mau presságio. Tentei passar por ela sem cumprimentá-la, como ela havia me falado da outra vez, mas parece que ela nunca estava satisfeita. Interrompeu a minha passagem, me olhando nos olhos.

— Espero que a senhora tenha decência de não ensinar os alunos a se tornarem galos de briga.

Ela estava me provocando para que eu perdesse a cabeça. Olhei aquele rosto de perto. Ela estava a poucos centímetros, me encarando.

“A mulher é bonita mesmo. Caraca! E tem um perfume maravilhoso. Será que é francês?”

Sacudi minha cabeça, lançando um sorriso cínico no rosto. A criatura estava me afrontando e eu pensando na beleza e no perfume da mulher.

— Do que você está rindo?

— Olha, senhora Gallardo, não quero confusão e nem entrar em atrito com ninguém, ok? Você dê as suas aulas e eu as minhas. Já ministro aulas há alguns anos para saber o que ensinar, ou não, para meus alunos.

Tentei me desvencilhar e ela impediu a minha passagem, novamente, com seu corpo. Desta vez, nos esbarramos e apesar dela ser um pouco maior que eu, travei meu corpo e ela desequilibrou. Em segundos reagi, puxando-a pela cintura, para que não caísse e trazendo para se apoiar em mim.

Alguma coisa aconteceu. Não sei o que, exatamente, porém ela me olhou diferente. Suas mãos estavam apoiadas em meus ombros e nossos corpos unidos. Ficamos mudas por instantes e vi seu rosto abrandar por segundos. Foi tudo muito rápido, mas meu corpo reagiu numa velocidade ainda maior. Consegui perceber a força dela naquele pequeno gesto… Naquele olhar intenso e semblante ameno. Mas foram apenas alguns segundos…

— Me solta!

Ela se desvencilhou e saiu para o lado oposto, sem olhar para trás. Essa mulher não batia bem das ideias. Foi a conclusão que cheguei.

****

— Oi, Lúcia! O que houve?

Atendi o celular, que estava num suporte no painel do carro, e coloquei no “viva voz”. Lúcia não costumava me ligar assim, sem mais, no meio do dia.

— O Lito me ligou ainda há pouco. Disse que estava arranjando tudo para vir até a semana que vem, no máximo.

— O que ele disse que faria com a taberna do pai dele? Vai largar tudo para lá?

— Não. Vai deixar aos cuidados da antiga gerente. Está dando trinta e cinco por cento para ela e ele gerenciará daqui. Uma vez por mês irá até lá, para acertar as contas. Eu tô perdida!

— Calma, Lúcia. Pense, você e ele sempre se deram bem. A casa é sua. Imponha suas regras. Converse abertamente.

— Vem aqui um pouco. Sei que deve estar com fome e tem comida aqui…

— Tá. Estou indo.

Quando cheguei, ela atendeu a porta, pulando no meu pescoço e me abraçando.

— Ai, Olivia, você pode achar que estou exagerando, mas estou tão mexida com isso…

— Ei! Não fica assim. Você não está exagerando. É natural. Não vê esse garoto há cinco anos e ele já está um rapaz, mas fica tranquila. Não falou que o pai dele era um cara do bem e que ele detesta a opressão dos avós e sempre foi tranquilo? Vai dar tudo certo, ok?

Ela se desvencilhou do abraço e me puxou porta adentro me levando até a sala. Tinha uma mesa posta, com pratos e baixelas tampadas sobre a mesa.

— Fiz uma “tortilla com jamón” para você.

— Nossa, que delícia! Tô morta de fome!

Ela começou a rir da minha cara animada. Sabia que faria. Lúcia era bem-humorada e tinha um jeito trigueiro para levar a vida. Eu me angustiava, vendo-a daquela forma séria e preocupada. Ela dizia que eu era a pessoa mais fácil de agradar em termos de comida, pois se deixasse, eu comia “tortilla” com “jamón” e “empanada” de carne, diariamente.

— Todo estrangeiro que conheço sempre pede “paella”. Eu ficava enjoada de servir isto no bistrô, mas depois de você, hoje até me sinto frustrada. – Riu.

— Ah, qual é?! Um arroz com um monte de coisas dentro? Se tirasse o camarão e os mexilhões, até pensava no assunto. – Devolvi o sorriso.

Ela sacudiu a cabeça em negativa, mas permanecia com o sorriso no rosto. Paella era o que mais se vendia em restaurantes de Valência. Era uma comida típica e eu fazia gozação com isso, pois não comia camarão, mexilhão e afins.

Almoçamos bebendo um vinho e a conversa foi fluindo. Ela se acalmou e fomos para o sofá com nossas taças nas mãos. Sentei e ela igualmente, sentou ao meu lado e, sem cerimônia, logo se chegou para se recostar em mim. Acomodei-me melhor, me estirando no sofá para poder trazer o corpo dela sobre o meu e abraça-la.

— Está melhor?

— “Uhum”. – Ela selou meus lábios com os dela em um beijo calmo e breve. — Desculpa. Eu estou parecendo uma criancinha assustada. O bom disso tudo é que, o que tinha que decidir, já decidi. Mas sabe o que é? Haverá coisas que eu não vou mais poder fazer em minha própria casa, como por exemplo, isto que estamos fazendo. Eu não sei como é a cabeça do Lito. Eu era a mulher do pai dele. Não sei se gostaria de me ver com uma mulher, embora nem eu e muito menos o pai dele fossemos preconceituosos. Sempre tentamos educa-lo sem esse tipo de preconceito, mas depois que eu fui embora, não sei como cresceu e viveu.

— Lúcia, você não pode sofrer por antecipação. O garoto pode ser um cara legal e, de repente, a única coisa que você terá que fazer, é tatear pelos valores dele nas primeiras semanas. Ver o que ele pensa.

— Você tem razão. É inútil ficar lucubrando.

Colocamos as taças sobre a mesinha de canto e ela se estirou completamente sobre mim, apoiando os cotovelos no sofá, abraçando meu corpo. Olhou-me, por segundos, com um sorriso descarado nos lábios.

— Mmm… esse seu rosto sacana está me dizendo que você já está muito bem.

Ela abriu mais o sorriso, depositando um beijo em meus lábios.

— Digamos que o que quero nesse momento, é relaxar, um pouquinho mais, e aproveitar o resto de tarde.

Avançou sobre mim e seu beijo foi bem mais intenso do que o anterior. Ela mexeu em um braseiro. Desde cedo, eu estava com uma inquietação e meu corpo estava agitado. Parecia que uma energia sexual se acumulara em mim nas últimas semanas e o beijo dela estava abrindo a comportas de uma represa. Enlacei sua cintura e, quando iria trazê-la para beijar, ela parou o beijo e me olhou intensamente.

 — Ei, deixa eu fazer um carinho em você?

Eu sorri de leve. Pelo visto, ela também estava embebida numa energia parecida com a minha. Suas íris estavam dilatadas e havia um brilho, diria até predador, no seu olhar. Iniciou novamente o beijo. Nossas línguas tinham fome, nossas bocas desejo e nossos corpos, um querer imenso. Começamos a nos despir para sentir as peles quentes se acariciando. Nós nos movíamos coordenadas em cada gesto. Os seios dela acariciavam os meus e minhas mãos deslizavam pelas suas laterais, arrancando suspiros e arrepiando seu corpo. A tarde foi perfeita.

****

– Carmem, que bagunça é essa aqui na entrada?

– Desculpa, Olívia. Estamos separando os produtos que a granja “Tierra Roja”, pediu para a semana. Parece que darão uma recepção amanhã e fizeram um pedido de mantimentos diferentes do que estamos acostumados. Pediram para entregar e estávamos separando para colocar no seu carro e saber se você levaria ou o Pepe.

– Droga, eu preciso fechar o balancete e não me agrada o Pepe dirigindo meu carro. O combinado com eles não foi esse.

– Eu sei, Olívia. Mas como eles pagam corretamente e nunca nos deram trabalho, achei que seria melhor não encrencar.

– Isso é verdade. Alguns restaurantes não são tão corretos como eles. Está bem. Manda o Pepe levar, mas quero o carro aqui antes do final da tarde.

Autorizei a contragosto. O Pepe era um garoto bom, mas como todo moleque de dezoito anos, adorava pegar meu carro para fazer entregas e normalmente dava uma volta a mais pela cidade, tirando onda. Ou seja, atrasava o serviço e ainda fazia as merdas dele por aí.

Enquanto estava aqui discutindo sobre o trabalho e o Pepe, mal eu sabia que no outro canto da cidade, a minha aluna aplicada Pepa estava quebrando maior pau com a mãe, que eu ainda não sabia que era a enjoada da Eva Gallardo.

****

– Eu não quero, mãe! Por que a senhora insiste? Eu não gosto da maioria das pessoas que vocês convidam. Todos eles são do grupo de amigos da senhora e do meu avô e não meus amigos!

Eva soltava o ar dos pulmões, impaciente. Sabia que a filha não iria querer que fizessem uma recepção para comemorar o aniversário de dezessete anos. Mas o seu pai e avô de Pepa, insistira. O senhor Gallardo era um homem autoritário e rude na forma de pensar, mesmo não sendo tão velho. Seus sessenta e quatro anos faziam dele um homem ainda ativo, comandando a maior parte dos negócios da família.  A vinícola “Tierra Roja”, era uma das mais antigas da região e com ela, também tinham o haras, que treinava cavalos de competição e se orgulhavam de ter os garanhões mais cobiçados para reprodução.

Eva estava exausta. Era sexta-feira e tivera essa conversa com a filha a semana toda. O relacionamento das duas ia de mal a pior. Sentou-se na cama da filha e uma vertigem a acometeu.

– Mãe, a senhora está bem?

Pepa se alarmou diante do gesto e se aproximou, amparando o corpo. Ela estava quase na altura da mãe, apesar de Eva ser um pouco mais corpulenta. A esgrimista tentou se aprumar. As vertigens estavam cada vez mais constantes e ela sabia o que significava.

– Eu ando cansada, filha. Só isso.

– A senhora tem que ir num médico. Outro dia vi que foi se deitar, porque estava passando mal.

Apesar das rusgas, Pepa amava a mãe e entendia que muita coisa da postura rígida, era por causa do avô. Ele tratava todos como se ainda fossem crianças e nunca levava em consideração a opinião de ninguém. Via a mãe se desgastar constantemente em discussões, mesmo na administração da vinícola e do haras, mas acabava cedendo sob os berros de ira do senhor Gallardo. Passou a mão pelos cabelos finos da mulher mais velha e se sentiu mal, por ser mais um problema para ela.

– Ah, está bem, mãe. Mas não me peça para fazer sala para aquele garoto, filho do senhor Alonso. Não suporto aquele menino. Ele é arrogante e não aceita ser contrariado. Pelo menos, me deixe ficar conversando com as poucas pessoas que gosto. A senhora chamou o Eduardo, filho do Ramon, não é?

Eva esboçou um sorriso de alívio. Finalmente, tinha convencido a filha e teria menos uma guerra a travar com seu pai.

– Sim, filha, eu chamei o Eduardo. – Ainda sentada na cama, tocou o rosto da filha, carinhosamente. – Quando a gente começou a se perder, minha filha? Éramos tão unidas…

Tocou de leve com a ponta dos dedos, desenhando o rosto juvenil de traços doces. Pepa se deixou tocar. Fechou os olhos, experimentando o carinho da mãe. Também sentia falta desses momentos. Inspirou e respondeu a pergunta angustiada da mãe.

– Quando minha vó morreu e vovô passou a ficar pior do que era. Ele foi em cima de você e você veio em cima de mim.

Eva suspirou. No fundo sabia que não era só pela morte da mãe, que o pai passou a ficar mais irascível. O problema dele com Eva era de longa data e, quando ela se recusou ao segundo casamento que ele arranjara para ela, as coisas mudaram drasticamente. Levantou, vendo que sua filha se acomodara na cama e a olhava, esperando que confirmasse o que havia falado.

– Seu avô sempre teve um temperamento muito forte, minha filha. A morte da sua vó, foi apenas mais um elemento. Você não conheceu seu pai…

– Por que está falando de meu pai, agora? Não lembro nada dele, mas pelas fotos, sei que ele era muito velho. Ele morreu  eu ainda não era nascida. – Falou displicente.

– “Mmm”. Não tem sentimentos nenhum?

– Não. Para mim, sempre foi a senhora, vovô e vovó. Ninguém nunca falou muito dele para mim.  Tudo bem que era meu pai, mas não entendo porque uma garota de dezoito anos se casaria com um velho com mais que o triplo da idade.  Por que a senhora se casou com ele? Pode falar, eu não tenho a menor lembrança para me ressentir com nada do que possa dizer.

Eva sorriu, observando o jeito prático e direto que a filha tinha de ver as coisas.

– Por que me casei com ele? – Suspirou. – Porque seu avô quis.

– O quê? Pelo amor de Deus, mãe! Por que a senhora deixou ele fazer isso? A gente está no século vinte e um!

Pepa se colocava de pé, olhando a mãe incrédula. Não havia explicação. Ou melhor, não havia uma explicação que Eva pudesse dar, sem que a dor do passado viesse de encontro a ela.

– Agora não importa mais. – Virou-se para sair do quarto da filha. – É passado.

Eva saiu do quarto, com uma sensação de alívio e sufocamento, ao mesmo tempo. Alívio, por sua filha ter aceitado a recepção de aniversário que seria dada para ela. Não teria que brigar, por isso, com o pai. E sufocamento, pois sua vida fora sempre cinza e oprimida. Não queria passar isso para a filha, mas acabava fazendo, por conta de sua própria decisão de deixar que a existência da granja Tierra Roja influísse na sua. Eu, sinceramente, achava que ela deveria ter chutado tudo, mas cada um leva a sua história do jeito que acredita ser melhor, não é?



Notas:



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