Valência

Capítulo 4 – “Mortal Kombat”

Na semana seguinte, eu aproveitei para fazer, na minha folga, tudo que estava pendente, já que não daria aula no clube. Só tinha marcado a tal aula particular com a Pepa na quarta-feira. Era terça-feira e fui ao banco ver a possibilidade do empréstimo para comprar o pequeno prédio, onde tinha meu estabelecimento. A Lúcia me ligou, pedindo que almoçasse com ela. O Lito, seu enteado, havia chegado no sábado e ela queria que nos conhecêssemos. Saí do banco, peguei meu carro e fui me encontrar com eles, num restaurante da orla. Quando entrei, corri meus olhos para procurar Lúcia. Ela estava numa mesa de canto, de frente para a entrada. Tinha um homenzarrão sentado à mesa, de costas para mim.

“Não é possível que um rapaz de dezessete anos tenha esse tamanho todo”.

Ela me viu, sorriu para mim e acenou para que me aproximasse. Fui de encontro a eles e o rapaz se levantou para me cumprimentar.

– Esta aqui é a Olívia, Lito.

– Muito prazer.

– O prazer é meu. – Sorri.

Agora entendia por que ele deveria bater de frente com os avós. O cara era grande, malhado e ainda por cima, todo tatuado e com pequenos alargadores nos lóbulos das orelhas. Se os avós eram conservadores, do jeito que a Lúcia falava, deviam surtar com o garoto.

Ele puxou a cadeira para mim, e vi que Lúcia sorria sem parar. Acho que eles se entenderam de imediato, pois o moleque, se é que podia falar isso desse cara grandão, já foi mexendo comigo.

– Então, você é a mulher maneira que a Lúcia tanto fala.

– Ela disse para você que sou maneira? Cara, acho que ela te enganou. Eu tenho TPM quase quinze dias por mês. – Falei e abri um grande sorriso e ele retribuiu com uma gargalhada.

Ao longo do almoço, descobri que ele tinha um estúdio de tatuagem em Málaga, mas que queria se afastar dos avós. Parecia que eles não aceitavam a forma como o pai dele o “educava”, deixando-o fazer “essas maluquices” e o apoiando. O estúdio também foi aberto no nome do pai, e com a morte dele e emancipação do Lito, os avós, inconformados, entraram com uma ação judicial para anular a emancipação. Não adiantaria muita coisa, pois o rapaz iria fazer dezoito anos em breve, mas ele resolveu se afastar e abrir um estúdio em Valência. Imaginou que receberia o apoio da única pessoa que ele lembrava, não julgá-lo, além do pai. Descobri, também, que Lúcia falara de nós para ele, pois quis colocar as cartas na mesa, antes que ele desconfiasse ou escutasse qualquer murmúrio sobre o assunto.

Bebemos muito vinho e cheguei em casa já à noitinha. Não gostei de deixar a “tienda” aos cuidados da Carmem, pois sentia que a garota estava se sobrecarregando. No entanto, foi um dia, prazerosamente, inusitado.  Lúcia relaxara da tensão em que se encontrava nas duas últimas semanas e, também, soube que Lito não pretendia morar definitivamente com ela. Queria só um apoio durante um tempo, para recomeçar a vida em uma nova cidade.

****

Amanheceu e eu acordei com a boca ressecada de tanto vinho que tomei no dia anterior. Aliás, o vinho era uma delícia e era da granja para a qual fornecíamos mantimentos. Anotei, mentalmente, para felicitar o administrador e perguntar se não forneceria para que eu colocasse à venda na minha “tienda”. Tinha que dar a tal aula para a garota. Eu devia estar maluca na hora que me deixei convencer. Agora já não havia mais jeito. Tomei meu banho e café da manhã. Arrumei minha bolsa e peguei o tal endereço que Pepa havia deixado comigo. Ela ia se arrepender por isso. Ia “detonar” a garota, hoje, no treino.

Quando cheguei no tal endereço, fiquei branca. Era uma propriedade imensa, cuja frente tinha um portão pesado e o muro em pedras dava notas de que a construção era secular.  Mal embiquei o carro, o portão se abriu. Ou eles já sabiam que eu chegaria, ou então, a segurança deles não era lá essas coisas. Segui pelo caminho até chegar a uma edificação grande, feita igualmente em pedras. Pepa me esperava sorridente no passo, em frente à casa. Um homem, que estava a seu lado, abriu a minha porta e eu fui agarrada pelo braço, imediatamente, pela menina que começou a tagarelar e me conduzir pela lateral da casa, para o lado de trás.

– Ai, Olívia! Estava ansiosa. Gente! Tô ficando “psica” com o Jiu. Fico vendo vídeos e cada vez mais eu me apaixono. Vem, vou te mostrar o tatame e a gente pode trocar de roupa lá.

Ela não parava de falar e nem dava tempo para que eu arrumasse meus pensamentos. Essa garota devia ser filha de algum figurão, daqueles que a Lúcia tinha falado. Não queria nem pensar.

Chegamos na parte de trás da propriedade e fiquei mais “surtada” ainda. À esquerda, havia uma grande construção retangular, em pedra também, que pelo que entendi, abrigava o tatame. À direita, um haras, com cocheiras, pista de treinos e tudo mais para tratar cavalos. Mais atrás e ao longe, um campo de vinhas que se perdiam de vista e mais construções, que deviam ser para colheitas e tratamento das uvas para a feitura de vinho.

– Vamos entrar por aqui. Pedi para limparem o “dojô”, pois há muito tempo que não usava. Eu fazia judô quando era criança e meu avô não gostava que eu fizesse no clube. Dividiu essa área para ter aulas particulares. Minha mãe não gostou muito, pois na época, diminuiu a área de treino da esgrima, mas não fez muito barraco.

– Então sua mãe quer que você seja esgrimista…

– Uhum. Mas nunca serei tão boa quanto ela foi. Ela tem que ver que eu não sou ela.

– Iiihh! Isso tá me cheirando a problema. Você falou com ela que teria aula particular de Jiu-jitsu?

– Eu falei com meu avô e ele disse que tudo bem. Ela não está nem em casa. Deve estar na vinícola, cuidando dos negócios. Ela só vem para cá, tarde da noite para treinar esgrima.

– Ela é esgrimista? Jurava que fazia hipismo. Com uma pista dessas aí do lado.

– Acho que minha mãe respira esgrima. É a única coisa que faz ela acalmar quando está estressada, ou seja, quase todo dia, até altas horas. – Riu. – Ela fez hipismo quando nova, mas a esgrima é que é a paixão dela. A pista é para treinamentos de cavalos de outras pessoas e para os nossos garanhões de reprodução. É um dos negócios da família.

– Mmm.

Estava começando a ficar nervosa com aquela conversa. A descrição da garota sobre a mãe, me remetia à uma certa treinadora de esgrima do clube que pega no meu pé. Mas logo descartei a possibilidade, pois se a Eva Gallardo tivesse a dinheirama toda que a família de Pepa parecia ter, não ficaria dando aulas num clube, certo?

Tudo saía tão natural da boca da menina, que parecia que todos faziam parte de um mundo como aquele. Ela era muito jovem e parecia não ter noção de que seu mundo era algo que a maioria das pessoas não tinha acesso.

– Bom, vamos treinar que eu não vou te dar mole, hoje. Me tirou da folga, sabia?

Sorri e ela devolveu o sorriso. Eu estava querendo me acalmar com aquilo tudo e treinar me distrairia. Fora o fato de que, quanto mais cedo eu começasse, mais cedo acabaria e sairia dali.

O treino fluiu bem. A garota era esforçada e tinha habilidades para a luta. Com certeza proveniente de sua base no judô. Já íamos terminar e eu ensinei um movimento de imobilização no solo. Ela teria que sair da minha guarda e me imobilizar. Tudo ia muito bem quando…

– O que está acontecendo aqui, Pepa?!

Ouvi uma voz, já conhecida, nos interrompendo. Desta vez, estava mais grave do que costumava escutar. Gelei. Não era possível que minha má sorte fosse tanta. Eu devia dar ouvidos à minha consciência, quando ela falou para eu não aceitar dar essa aula. Fiquei imóvel como uma pedra. Ridícula a cena. Afrouxei as minhas pernas para dar espaço à Pepa para se levantar.

– Eu contratei a Olívia para dar aula particular, mãe. Falei com vovô e ele deixou, pois nessa semana não teríamos aula no clube.

Eu levantei do tatame e ajeitei meu “dogi” de cabeça baixa. Não tinha cara de encarar a mulher na casa dela. Era como se eu tivesse invadido seu espaço, embora não tivesse culpa sobre a situação.

– Você não tem o menor escrúpulo, não é?

Se dirigiu a mim, diretamente, com a tom de voz seco e cortante. Dessa vez doeu, viu? Olhei-a, diretamente.

– Creia-me, senhora Gallardo, se soubesse que Pepa era sua filha, não teria aceitado dar esta aula.

– Como assim, Olívia? Por quê? O que tem demais dar aulas para mim?

– Pepa, – olhei para a menina diretamente – eu e sua mãe temos algumas diferenças e não sabia que você era filha dela. Entenda…

– Está satisfeita, Pepa, em me humilhar desse jeito? – Eva falou para a filha. – Trazer para dentro da minha casa, alguém que está minando o que mais lutei para construir dentro daquele clube? Eu sei que temos diferenças, Pepa, mas não achei que pudesse tripudiar sobre meus sentimentos assim.

A senhora Gallardo não esperou a resposta da filha, virou-se e saiu de rompante. Vi os olhos da menina aguarem na hora. Tinha certeza que essa não era a intenção da garota. Ela não devia ter a mínima ideia sobre as rusgas entre eu e a mãe dela. As lágrimas começaram a correr, soltas, pelo rosto da menina. Aproximei-me, pois, me cortava o coração ver essa garota meiga pagar por algo que não competia à ela. Quando toquei seu ombro, Pepa correu para fora. Eu me senti um lixo. Fui até o pequeno banheiro, troquei minha roupa e o que me restava era sair dali.

Caminhei para fora da sala do tatame e escutei barulhos parecidos com os que escutava quando estava no clube, vindos da sala de esgrima. Olhei o corredor do grande galpão de pedra e vi outra porta. Sabia que estava sendo imprudente. Que tinha que ir embora, o mais rápido possível, mas como um autômato, fui caminhando atraída pelo som. Cheguei próximo à entrada da sala e me escondi no portal para olhar, como alguém que está espionando.

Ela usava uma espada diferente das usadas em treino. Parecia um florete de antigos nobres do século dezoito. Aliás, era um florete autêntico, afiado na lâmina, e não um de competição. A roupa branca, justa, características do esporte de esgrima, marcavam as curvas e mostravam que aquela mulher tinha um corpo forte e curvilíneo. Fiquei alguns minutos perdida, observando a leveza com que ela conduzia os golpes e açoitava o pobre manequim à sua frente. Os cabelos negros, presos num rabo de cavalo, deixavam seu rosto aparecer. O semblante pesado, destoava do ritmo suave, com que seu corpo dançava com a afiada arma na mão.

Virava-me para me retirar quando a voz que me fez tremer anteriormente, chegou aos meus ouvidos de novo.

– Está satisfeita com o que fez?

“ Droga! Fodeu, agora”.

Voltei no mesmo passo. Podia estar constrangida por ser pega observando, mas não tinha qualquer culpa pelo que ocorreu ou ocorria naquela casa.

– Desculpe-me, senhora Gallardo, mas como falei antes, não sabia que Pepa era a sua filha. De qualquer forma, só vim trabalhar e nada mais.

– Como não sabia que era minha filha? Por acaso, não recebe a pauta da secretaria com o nome dos alunos? Quantos Gallardo você acredita que existem aqui em Valência?

“Merda! Que erro eu cometi!”

Meus pensamentos corriam a mil. Desta vez, eu precisaria fazer algo que abominava desde a adolescência, quando saí da casa de meu avô. Precisava me explicar para que as coisas não piorassem.

– Eu pedi para não me entregarem o nome completo dos alunos, justamente para não me influenciar. Sabia que daria aulas para algumas pessoas de famílias tradicionais. Não queria que os sobrenomes interferissem em meu julgamento e minha forma de lecionar.

Vislumbrei um pequeno brilho no seu olhar, mas logo ela voltou a atacar. Caminhou em minha direção com aquela espada na mão que, em nada parecia de treino, me assustando.

– Senhora… Como é o seu nome, mesmo? – Perguntou com sarcasmo.

Inspirei fundo. Se ela pensava que iria pisar em mim porque estava em sua casa, estava enganada.

– Olívia Ávila, senhora Eva Gallardo.

Falei espaçadamente, com o tom mais irônico que consegui e com o sorriso mais cínico que pude colocar no meu rosto. Ela avançou, empunhando o florete e o deteve direcionado a meu peito. Que louca!

– Não brinque comigo, Olívia! Minha filha está com raiva de mim, eu a magoei por sua causa. Não se cansa de fazer estragos com as suas atitudes, não?

– Ah, agora a culpa de você não escutar os anseios de sua filha, é minha? – Enfrentei. Ela não ia colocar esse dolo na minha conta. – A culpa das guerras do mundo inteiro deve ser minha também. – Debochei. – Já passou pela sua cabeça, algum dia, conversar com ela, em vez de dar ordens?

Eu me arrependi de ter soltado meu temperamento. Vi o suor escorrer por sua têmpora e o maxilar travado de raiva. Temi que ela se descontrolasse. Sua mão tremia segurando o florete, que ainda estava alçado em minha direção. Ela se virou e jogou o florete em direção ao boneco de treinamento. O bicho parecia uma flecha, que voou e cravou no coitado do manequim. Voltou-se para mim a passos largos, parando a centímetros e me encarando. Ela bufava, com a respiração pesada.

“Caraca, mesmo suada ela cheira bem. E o hálito? Parece que acabou de escovar os dentes”…

Eu sorri de meus pensamentos. Eu é que devia estar ficando maluca, pensando essas coisas, numa hora dessas, sobre a mulher que me odiava e acabara de, claramente, me ameaçar com uma espada no peito.

– Você não tem uma boa fama, Olívia. Sei o tipo de relacionamento que tem com a dona do bistrô. Não enrede minha filha nessa sua perversão.

Dessa vez, ela me irritou de verdade. Acredito que ela deva ter visto isso nos meus olhos, pois recuou, ligeiramente. Balancei minha cabeça e suspirei. Mais uma vez, as pessoas julgavam caráter pela orientação sexual. O sangue subiu.

– Então você não é uma boa julgadora de personalidade. – Falei com raiva nos olhos. – Se tivesse que dar em cima de alguém, não seria em uma menina como a Pepa; seria numa mulher como você!

Ela lançou a mão em meu rosto com força. Antes que sua mão tivesse recuado do tapa, agarrei-a pela nuca e a beijei, com fúria. Forcei a língua para a entrada na boca, enquanto segurava a cintura, trazendo para colar o corpo dela no meu. Senti seus lábios quentes e saborosos. Vi que ela entrou em choque com meu ato, pois levou algum tempo para se dar conta do que ocorria. Retribuiu, momentaneamente, até se refazer e me empurrar com força.

– Agora tem motivos para dizer que sou uma pessoa que não tem uma boa conduta moral, senhora Gallardo, mas tenha uma única certeza: nunca faria isso com uma menina, como a Pepa!

Virei-me, saindo em seguida, deixando aquela mulher de temperamento difícil e lábios gostosos, sem ação.

****

– Eu não acredito que você fez isso com Eva Gallardo! Você está louca, mulher?

– Ela insinuou que eu pudesse fazer algo com a filha dela, Lúcia! – Falei desesperada. – Sabe o que é o pior de tudo? Vi o administrador da granja “Tierra Roja”, lá. Depois vi um caminhão saindo da propriedade com esse nome. Cara, eu forneço mantimentos semanais para eles. Eu não sabia e acredito que ela deva saber menos ainda. A mulher vai surtar tanto quanto eu, a hora que descobrir.

Lito, que até então estava sentado à mesa, mexendo no laptop, se pronunciou.

– Esse povo é maluco. Merece receber “uns sacodes” de vez em quando.

Eu ainda não estava acostumada a falar, tendo o garoto junto a nós, mas parecia que a Lúcia já estava completamente à vontade com ele.

– Ela vai fazer sua caveira, agora. E olha que não deve ser só lá no clube, não. – Afirmou Lúcia.

– Eu sei que vacilei feio dessa vez, mas ela insinuando aquilo, me fez perder a cabeça.

– Sei não. – Falou Lito – Vai que ela tá nessa agitação toda porque tem tesão em você? Tem gente que é assim mesmo. Eu tinha um amigo que ficava puto com gays, eu não entendia muito bem e ele dizia que me estranhava, porque eu não ligava pra isso. Um dia, ele saiu sozinho pra noitada, porque eu não queria sair, mas aí, uma gata me ligou e resolvi sair com ela. Ela também era descolada e fomos para uma área super alternativa da cidade. Dei de cara com ele, no maior amasso com um barbudo.

Eu e Lúcia olhamos para Lito e rimos da forma simples com que ele falava. Comecei a gostar muito do jeito do “moleque” de encarar as coisas. Eu sabia de histórias assim, aos montes, mas não acreditava que era o caso. Bom, eu estava nos meus dramas com a Lúcia, mas numa propriedade fora do centro da cidade, haviam outros dramas ocorrendo. Eva estava surtada também.

****

Quando deixei a sala, a senhora Gallardo tinha ficado lá, estática como um prego fincado numa tábua de madeira. Depois de um tempo, caminhou devagar até um banco e se sentou, sem reação, olhando para a parede. Os olhos lacrimejaram. Inspirou, se levantou e foi em direção à casa. Entrou apática na sala e subiu as escadas em direção ao seu quarto. O único som que se ouvia, era o rangido do chão de tábua corrida, que cedia a cada passo que ela dava. Talvez tenha sido este som que fez com que Pepa soubesse que alguém estava no corredor. A garota foi até a porta e viu sua mãe entrar no quarto dela. Ela seguiu Eva até o quarto e olhou para dentro, através da porta entreaberta. Viu a mãe sentada na beirada da cama e algumas lágrimas correrem por seu rosto, de semblante sério. Entrou, pois nunca a vira chorar.

– Mãe. – Correu até ela. – Desculpa, mãe. – Falou, aflita. – Nunca imaginei que isso fosse algo que pudesse magoar a senhora, acredita em mim, por favor!

Eva Gallardo vendo o desespero da filha, limpou as lágrimas com mão e se aprumou.

– Você não fez nada, minha filha. Eu que peço desculpas por ter agredido você daquele jeito. Minha história com a sua professora de Jiu-Jitsu é outra coisa. Ela me explicou que não sabia que você era minha filha. Nós estamos nos desentendendo, desde que ela entrou.

– Por que, mãe? Ela é uma boa professora. O que é que tem o clube ter Jiu-Jitsu? Não entendo o problema. Tem tantos esportes no clube…

Olhou para a filha. Apesar da desenvoltura, via que sua filha ainda era uma menina ingênua. Na idade dela, Eva já competia profissionalmente. Tinha viajado para muitos países, defendendo seu clube e seu país. Teve experiências que, agora, não passavam de lembranças abafadas pelo rigor da educação do pai.

– Eu tenho muito medo que estes esportes novos acabem com o interesse das pessoas pela esgrima. Talvez seja um egoísmo meu, mas a esgrima é o que mais me dá prazer. Acho que não suportaria levar a granja se não tivesse esses momentos no clube, filha. Até você não quer mais praticar…

– Mãe, eu gosto de esgrima, mas… mas me comparam com você, sempre. Eu nunca vou ser uma esgrimista como você foi. Sei disso e pesa para mim ser a filha da esgrimista olímpica Eva Gallardo.

– Nunca esperei isso de você, Pepa. Nunca exigi.

– Mas as pessoas esperam. Elas olham para mim e falam: aquela ali é filha da Eva Gallardo. Isso me deixa sufocada.

Eva olhou para a filha e, pela primeira vez em meses, sentiu-se próxima a ela novamente. Sorriu da ironia. Afinal, a discussão com a abusada da Olivia Ávila tinha ajudado na aproximação delas.

– Vem cá. – Bateu na cama a seu lado, para que Pepa sentasse. – Você gosta da esgrima?  Quero dizer, se as pessoas não comparassem você a mim?

– Se não houvesse essa comparação, sim. Eu gosto quando estou treinando. Acho que gosto mais quando treino aqui com você. Lá no clube, isso de não comparar nunca vai rolar. Sempre farão.

Eva sorriu e abraçou a filha.

 – Vamos fazer o seguinte. Não implico mais com seu Jiu-Jitsu e você treina aqui comigo, duas vezes por semana, ok?

Pepa se sentiu acalentada e compreendida, depois de muito tempo. Via que a mãe estava se esforçando para entendê-la e se aconchegou no abraço.

– Então vamos fazer o seguinte: você deixa de implicar com a Olívia e eu treino no clube.

– Aí você está pedindo demais! – Falou imperiosa.

– Tá bom, tá bom. Não vou forçar a barra. Eu treino no clube e você tenta ser só um pouquinho assim, ó. – Mostrou um pequeno espaço entre o polegar e o indicador. – Só um pouquinho mais tolerante com ela.

Apesar de não gostar da promessa, aceitou a sugestão da filha com um aceno de cabeça.

– Agora vai fazer seus deveres do colégio, que eu tenho que tomar um banho antes do almoço.

A filha saiu e Eva se viu novamente angustiada, pois a lembrança de Olivia lhe agarrando para o beijo, não deixava sua cabeça. Novamente, a raiva lhe subia pelo corpo.

– Aquela… – Bufou.



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