Vontade Ferrenha.

Capítulo 18

Layse foi tomar o banho. Enquanto se lavava, recordava dos momentos vividos com Valentina. Enrolou-se na toalha voltando ao quarto. A porta do quarto ficou entre aberta enquanto se vestia. Foi quando ouviu a batida na porta e a voz da mãe soando eufórica:

– Valentina! Que surpresa boa ocê por aqui.

– Olá, Ceição! Tudo bem? Está um pouco mais conformada?

– Estou não, mas sei que o Agenor descansou. Fiquei melhor com a sua chegada. Vai entrando sem cerimônia. Tome assento.

– Obrigada!

Valentina respondeu sentando sem se fazer de rogada. Percebeu os olhos de Ceição percorrendo seu corpo com atenção.

– Quanta elegância! Esse vestido é muito jeitoso. Nunca que imaginei que ocê iria ficar tão linda desse jeito.

– São os seus olhos, Ceição!

– Deixa de ser modesta. Ocê tá é formosa demais. Seu pai tem motivos para ter muito orgulho docê.

– Eu sei que ele tem.

Valentina olhou para os lados indagando:

– A Layse ainda não voltou do trabalho?

– Voltou agurinha. Tá no banho, mas já cá vem ter. Ocê é servida de um café? Acabei de passar.

– Aceito sim, obrigada!

Ceição entrou na pequena cozinha falando de lá.

– A Layse voltou de madrugada. Ela contou que tava na sua casa. Foi um alívio, porque quase morri de preocupação.

– Estava sim Ceição. Eu trouxe a Layse em casa porque ficou tarde.

– Fez foi muito bem em trazer.

Ceição voltou para a sala passando a xícara para ela. Neste momento Layse entrou na sala dando um sorriso enorme para Valentina.

– Olá, Valentina!

– Oi, Layse!

Valentina desceu os olhos rapidamente pelo corpo dela, sentindo ao mesmo tempo os olhos de Layse percorrendo o seu. Notou a camisa preta de botões enfiada para dentro da calça jeans. Reparou na faca presa ao cinto. Até a bota chamou sua atenção.

Valentina voltou os olhos para Ceição, falando:

– Eu vim buscar Layse para passear comigo em Vassourinhas. Ela te contou que eu viria?

– Uai, contou não! Ah, Valentina! Que coisa boa! Essa menina não sai para lado nenhum. Só ocê mesmo para tirar ela da toca.

– Pois é, vamos dormir lá. Amanhã voltamos. Tem algum problema ela dormir fora essa noite, Ceição?

– Tem problema não, Valentina!

Voltando os olhos para Layse, Ceição falou:

– Ocê vai, mas tem juízo. E não me vá em nenhuma biboca que não é lugar procê frequentar.

– Pode deixar, mãe. Não vou para essas bandas não. Nem acredito que Valentina ande por essas quebradas.

– Aff… Deus que me livre, gente! Longe de mim. Pode ficar descansada, Ceição!

Valentina terminou o café depositando a xícara sobre a mesinha, erguendo-se. Pegou as mãos de Ceição, dizendo:

– Fique firme, viu, Ceição! Tudo há seu tempo. Seu café continua delicioso! Obrigada!

– Que nada, foi só um café simples! A Layse até comprou uma cafeteira, dessas modernas, ocê sabe, né? Mas ainda prefiro pó pô no coador de pano, já me acostumei. Gente velha tem dessas manias. Mas meu café é bão, mar bão mermo porque é feito deste jeitinho. 

– Que velha que nada, deixa de bobagem, boba! Você está é muito bem. Vamos indo, mas pode deixar que vou trazer a Layse sã e salva para casa.

– Tá bem, Valentina! Vão com Deus! Aproveite bastante o passeio, filha.

– Vou aproveitar. Fica com Deus mãe! Bença!

Layse despediu beijando o rosto dela. Foi à morte do pai que fez com que sentisse necessidade de ser mais afetuosa com Ceição. Pois antes, era mais seca e distante. Isto se devia a postura de Ceição que insistia em levá-la no mesmo cabresto com o qual levara seu pai. Quando Clarice falou sobre o assunto, preferiu ficar calada, entretanto, sabia muito bem como a mãe era. 

– Deus te abençoe, filha!

– Amém! Até amanhã, mãe!

– Até amanhã, Ceição!

– Até amanhã, Valentina! Até amanhã, filha!

Valentina sorriu passando com Layse pela porta seguindo para o automóvel estacionado diante da casa. Entraram no carro sob o olhar atento de Ceição que ficou no portão acenando. Valentina deu partida no carro. Ligou o som concentrando-se na direção. A música romântica fez Layse relaxar a cabeça no encosto do banco cerrando os olhos para curtir a melodia.

Valentina comentou neste momento com ela:

– A sua mãe é uma mulher muito simples. Acho isto bonito. Notei que ela está muito triste, embora tenha tentado disfarçar. Era novinha quando a minha mãe morreu, mas recordo que senti tanto, que parecia que tinham tirado um pedaço de mim. 

– É assim que me sinto também. A minha mãe está mesmo arrasada.

– Fez bem em dar uma cafeteira para ela. Aposto que o dia que decidir usá-la vai aposentar o coador de pano. Acredito que você deve ter economizado muito para comprá-la.

– Na verdade usei uma parte do dinheiro que recebo na casa de ração. Tudo que ganho vai para a despesa da casa e para os remédios dela. Trabalho e mal vejo a cor do dinheiro.

– Isto é ruim.

– Sim, mas não estou me queixando. “O pouco com Deus é muito.”

– Mesmo assim, acho que você se sacrifica demais. Fico até sem jeito de abordar este assunto. Quero que saiba que se estiver precisando de dinheiro eu posso te dar…

Layse a fitou cortando-a na hora.

– Se eu precisasse de dinheiro nunca iria querer que fosse dado. Aceitaria um empréstimo, isto seria justo. Mas não preciso.

– Não quis te ofender, apenas imagino que deve ser muito difícil para você viver com um orçamento tão apertado.

– Tudo bem. Quando me lembro de que já pedi pão indiretamente para a cantineira da escola, nem acredito que fiz aquilo. Estava mesmo desesperada.

– Poderia ter pedido para o meu pai, ele é o seu padrinho.

– Você sabe muito bem que eu não peço nada para ninguém.

– Sim, sei disto. Essa cantineira, eu sei quem é, ela é vizinha da D. Silvinha. Recordo dela indo lá em casa atrás do meu pai. Aquela de santa só tem a cara. Ela ajuda na igreja, não ajuda?

– Sim, ajuda. A D. Nivalda também ia na sua casa?

– Ela não, a que se faz de beata, D. Silvinha.

– Ah, entendi! Como que você sabe que D. Nivalda ajuda na igreja?

– Já se esqueceu de que sempre vou à missa?

– Pensei que tinha perdido este hábito vivendo em São Paulo.

– Não perdi não. Gosto muito das missas do padre Cristovão.

– Você ainda vai à missa aqui?

– Sim, vou aos sábados quando estou na cidade.

– Ah, então é por isto que nunca mais ti vi na igreja. Continuo indo no domingo pela manhã.

– Domingo quando estou aqui gosto de dormir até tarde. Lá em casa quando posso também durmo. Logo que Irene foi trabalhar comigo era uma luta, sempre acordava com o rádio alto que ela escuta na cozinha.

– Ela deve gostar muito de música.

– Nossa Senhora, ama! Não perde um forró nem um baile. Vai gostar de dançar assim, nunca vi coisa igual, mas me divirto muito com o jeito de ser dela.

– Nem sabia que ainda faziam bailes.

– Fazem sim, mas a Irene é muito nova para gostar de bailes. Mesmo assim ela vai em todos que pode. O negócio dela é dançar.

– Entendi.

– Quanto às missas, em São Paulo eu costumo sair do plantão no hospital e vou. Isto quando dou plantão aos sábados a noite. Acredita? Meus colegas me chamam de louca por fazer isto. Se não fizer assim, vou deixando para depois e acabo não indo.

– Já se pegou cochilando em uma missa?

– Olha, uma vez sentei ao lado de uma mulher, e quando dei por mim, ela me deu uma cotovelada que quase caí do banco. Fiquei com a impressão que cochilei de roncar.

– Hahahahahahahaha…

– Hahahahaha… Eu sei que é ridículo, mas tenho destas coisas. Dou uns foras que nem eu me aguento.

– Essa foi muito boa.

– Você ainda joga futebol com os meninos?

Valentina perguntou voltando os olhos para ela.

– Não, meu Deus! Fazia isto quando era moleca. Amava jogar bola, mas sei lá, deixei de gostar.

– Você jogava muito bem.

– Você nunca me viu jogando. Não sei como pode falar isso.

– Engano seu. Vi algumas vezes sim.

– Ah, não sabia!

– Papai sempre passeava comigo de carro aos domingos. Algumas vezes passávamos perto do campo e ele parava para vermos você jogando.

– Ele nunca comentou nada disto comigo, nem com os meus pais.

– Doutor Salomão comentar? Você ainda não o conhece? Ele é muito comedido.

– Sim, é verdade. Diga-me uma coisa.

– Sim?

– Você não gostava quando a D. Silvinha ia atrás do seu pai por quê?

– Também ouviu falar sobre o caso que eles tiveram?

– Coincidentemente soube disso hoje.

– Ela começou a ir lá a casa todos os dias. O meu pai mandava Darlinda dizer que não estava. Uma pessoa sensata trataria de aceitar, mas ela não, ela simplesmente desmaiava. Do nada ela desmontava, e caia sabe onde?

– Onde?

– Sempre em cima do sofá. Conveniente, não te parece? Achava aquilo ridículo. Sempre que ela fazia aquelas cenas ele acabava cedendo às suas vontades. Fiquei aliviada quando ele começou a ir para Vassourinhas. Ela ficava doidinha atrás dele.

– Como assim? Ele não terminou o caso com ela?

– Ai é que está o x da questão. Terminou e ela não aceitou. Chegou a dar escândalos na porta lá de casa. Para os fofoqueiros dessa cidade aquilo foi um prato cheio. Cada dia ela dava um barraco diferente.

– Nunca fiquei sabendo de nada disso.

– A Clarice deve saber, porque na última vez papai ligou para ela pedindo que fosse lá fazê-la voltar à razão.

– To besta! Ainda bem que acabou.

– Graças a Deus! Suponho que tenha sido a Clarice que te contou da relação deles.

– Sim, ela mencionou hoje. Estava comentando sobre coisas do passado e este assunto veio à tona.

– Não tem problema, isso não é segredo nessa cidade.

– Percebi que não é mesmo.

Layse respondeu fitando Valentina com mais atenção:

– Não sabia que viria tão bonita. Este vestido ficou lindo no seu corpo.

– Obrigada! A sua mãe também achou. O importante é que você gostou.

Valentina respondeu olhando-a com um sorriso gostoso.

– Gostei foi muito.

– Que bom, porque me aprontei para você.

– Isto é que é privilégio.

– Vamos ter uma noite especial. Fiz outros planos. Quero aproveitar mais a sua companhia.

– Você já vai embora amanhã. Eu sei.

Layse não demonstrou tristeza na voz. Uma coisa que aprendeu foi a controlar as suas emoções. Só abria seu coração para Clarice e para Isadora.  

– Vou sim, o dever me chama. Estou feliz por estar com você nesse momento difícil da sua vida. Vamos viver uma noite agradável, mas também quero te confortar. Você aprendeu a controlar as suas emoções, isso é ótimo. Não é qualquer uma que consegue fazer isto.

– Acho que aprendi sim. Nos meus piores momentos consegui ver com quem posso contar e com quem não posso.

– Sei bem como é isso. Clarice é sua amiga, não é?

– Sim, ela e a Isadora.

– Compreendo. É muito importante ter amigas verdadeiras. 

– É mesmo. Você tem muitas amizades?

– Vou te ser muito sincera, isto é uma coisa controversa. Não acredito que as pessoas tenham muitos amigos, não amigos verdadeiros. Já fiquei de cara com atitudes de pessoas que julgava muito amigas e descobri que não eram. Sabe aquela coisa de falar pelas costas?

– Sei sim, isso é a maior trairagem.

– É assustador! Mas você sabe que todo mundo passa por isto, não é? Quem não passou tem mais é que levantar as mãos para o céu.

– Sei sim. Sempre escuto as pessoas falando sobre este assunto.

– Quando me dou conta que é falsidade deixo para lá. Não existe coisa pior do que confiar em uma pessoa e descobrir que ela espalhou coisas que contei para os quatro cantos. Não perco mais o meu tempo com gente fingida. Isto não deve me livrar de encontrar pessoas duas caras pelo meu caminho. Apenas não serei enganada com a facilidade com a qual já fui antes.

– Eu acho que nunca fui traída assim. Também eu só desabafo com a Clarice e com a Isadora. Duvido muito que uma das duas tenha enfiado a faca nas minhas costas.

– A Isadora tem namorada?

– Ela acredita que tem, mas eu acho que é só um rolo.

– Um rolo? Não deixa de ser um envolvimento.

– Sim, concordo que seja. A questão é que eu sinto que a mulher faz hora com a cara dela. Já tentei lhe abrir os olhos, mas ela não concorda com a minha opinião. Fico triste com isso, porque pressinto que ela vai acabar se decepcionando.

– É a vida dela, Layse. Se já tentou fazê-la enxergar e ela não te deu ouvidos, não pode fazer nada. Se ela quebrar a cara você vai poder ajudá-la a superar.

– Quanto a isso não tenha a menor dúvida.  

– Algumas mulheres são muito ardilosas. Se ela gosta dela é compreensível que prefira continuar se iludindo.

– Talvez. Não percebo porque algumas pessoas aceitam ser enganadas.

– Não seria por medo da solidão?

– Ainda assim é um preço muito alto a se pagar só para ter uma companhia. Eu não pagaria esse preço.

– Nem se você amasse?

Os olhos delas se encontraram neste instante. Layse deu um sorriso bonitinho respondendo.

– Nem se eu amasse Valentina. 

– Hum.

– E você Valentina, também é ardilosa?

Valentina lembrou na hora de Paloma sentindo-se mal. No entanto, não queria que nada estragasse aquela noite.

– Talvez todo mundo acabe por ser um pouco ardilosa em alguma fase da vida.

– Ah, tá! Vou pensar sobre isso com calma depois.

Layse acrescentou num tom mais baixo em seguida:

– Não devia ter mencionado o que penso sobre o relacionamento da Isadora com você.

– Não se preocupe, não vou comentar nada sobre a sua amiga. Pode estar certa que não sou mulher de leva e trás. Ademais só estamos conversando.

– Melhor assim. Obrigada! Posso te perguntar mais uma coisa?

– Se deseja, pergunte.

– Já traiu alguma namorada que você teve?

Valentina engoliu em seco. Em seguida respondeu olhando Layse por um segundo.

– Sim, já traí e não me orgulho.

Layse ficou muda refletindo sobre a resposta.

Valentina perguntou incomodada com o silêncio dela:

– Não vai falar que está besta com a minha resposta?

– Não, não vou. Não perguntei para te julgar. Só queria saber se você já traiu.

Layse respondeu desviando os olhos dela. Continuaram conversando enquanto Valentina mantinha a atenção na estrada que as levava até a cidade de Vassourinhas.

“Nunca minta deliberadamente. Mas, às vezes, convém ser evasivo.”

Margaret Thatcher.

Continua…



Notas:



O que achou deste história?

6 Respostas para Capítulo 18

  1. Olá autora! To sentindo que nossa bonitinha Layse vai se decepcionar com a Valentina. a Layse pode ser novinha, mas me parece compreensiva e madura, acho que Valentina deveria expor a situação com a Paloma, ai a Layse decidiria se queria ou não envolver. Apesar que conhecendo um pouco da nossa protagonista, eu duvido que ela deixaria esse desafio a desanimar de conquistar Valentina, por isso acho que a sinceridade não a iria afastar, só tornaria o desafio mais articulado. beijos e até o proximo capitulo.

    • Olá, Sophiebrt!

      Não me preocupo com as decepções que a Layse possa vir a ter, porque todo mundo se decepciona mesmo nessa vida. O que eu sei é da vontade ferrenha dela em conquistar o que deseja.
      Quanto a Valentina não sei o que ela vai fazer quando voltar para São Paulo.
      Muito obrigada!
      Beijos.

    • Olá, Flavia!

      Estou escrevendo essa história, portanto, não tenho como responder a sua pergunta. A minha escrita é calma, não corro e muito menos atropelo os acontecimentos.
      “Tudo vem com o tempo.”
      Quando a história for concluída você vai saber o número de capítulos.
      Muito obrigada!

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