Vontade Ferrenha.

Capítulo 21

Valentina estava apreensiva andando de um lado ao outro quando a viu entrando na sala. Layse a olhou dizendo:

– Muito obrigada por tudo. Estou indo embora agora.

– Você não vai embora sozinha porque eu te busquei na sua casa. Esqueceu que prometi para a sua mãe que iria te levar sã e salva?

– Ah, eu digo que você me levou, mas não pôde entrar.

– Não precisa disto, Layse!

Valentina pegou a chave do carro abrindo a porta. Layse desviou os olhos dela avisando seca:

– Não quero conversar. Se for sem conversa eu vou.

O suspiro que Valentina deu pareceu retumbar por toda a sala. Apontou a porta, sem abrir a boca.

O trajeto até Rocas de Cielo foi feito num silêncio enervante entre elas. Layse percebeu que Valentina estava chateada pela forma como dirigia o carro. Estava muito tensa. Talvez estivesse irritada, mas não estava preocupada com o que ela estava sentindo. Pensou que estava sendo egoísta por não se preocupar com ela, mas e daí? Valentina não tinha sido egoísta pensando exclusivamente no prazer que sentiria aceitando ficar com ela?

Valentina estacionou o carro diante da casa voltando-se para ela. Não conseguiu sequer abrir a boca, pois Layse saiu do carro falando friamente:

– Muito obrigada! Faça o favor de não me procurar. Isto não vai ser um problema para você, não me procurava antes mesmo! É melhor que as coisas fiquem como estavam. Adeus!

Layse entrou em casa recebendo um sorriso da mãe.

– Oi, filha! Voltou cedo! Pensei que fosse passar o domingo passeando. Você e a Valentina se divertiram?

– Oi, mãe! Sim, foi legal. A Valentina tinha que voltar para São Paulo. Vou tomar um banho e dar uma volta.

– Vai lá na casa da Clarice?

– Não! Vou bater papo com a Isadora.

– Ocê tem que se distrair, faz bem. Quer almoçar antes de ir?

– Não, agradecida! Tomei o café da manhã tarde.

– Ocê que sabe. Então vai, filha, vai se arrumar.

                Layse passou o dia conversando com Isadora. No final da tarde acabou batendo na porta de Clarice. Abriu o coração como tinha feito com Isadora. Layse não recordava de ter visto Clarice tão calada como naquele dia. Ela não fez perguntas, não deu conselhos, simplesmente a deixou falar. Quando Layse se ergueu para ir embora, Clarice segurou suas mãos falando:

– O seu coração irá se acalmar pouco a pouco. Todos os dias quando acordar, diga essas palavras: “Com cristo venci, venço e vencerei.” Estou aqui para o que precisar. Agora vá descansar. Até amanhã!

– Obrigada! Até amanhã, Clarice!

Layse seguiu para casa sentindo-se mais leve. Chorar e desabafar ajudou para se acalmar.

                Valentina entrou em sua casa em São Paulo às oito da noite. Deixou a bolsa de viagem sobre o sofá caindo exausta sobre ele.

– Irene? Já cheguei!

Irene apareceu na sala correndo. Deu um sorriso aproximando-se dela.

– Fez boa viagem, patroa?

– Fiz sim, obrigada! Tudo bem por aqui?

– Tudo sim. Oh, a dona Paloma está doidinha por não ter notícias da senhora.

Valentina a olhou suspirando.

– Imagino que esteja preocupada. Ela veio aqui?

– Só hoje duas vezes. Ontem ligou o dia todo. Tá uma pilha de nervos.

– Vou ligar para ela avisando que voltei. Você fez o jantar?

– Uai, como que não ia fazer? A patroa avisou que estava voltando.

– Que bom! Estou precisando de um bom banho para chegar o corpo no lugar. Preciso jantar, não comi nada o dia todo.

– Ah, é? Isso não é bom não. Vou já aquecer a janta. Vou só deixar a sua bolsa de viagem no quarto.

– Obrigada!

Valentina seguiu a empregada até o quarto. Lá sentou na cama tirando os sapatos com um ar distraído. Irene se voltou correndo os olhos nela.

– A patroa está triste. Muito triste mesmo. Não estava assim quando foi.

Valentina forçou um sorriso fitando-a por um instante.

– Tem toda a razão, faz muito tempo que não me sinto tão triste. Sabe o que o bom doutor Salomão diria agora?

– Sei não.

– Não lute contra a tristeza. Ela nunca aparece à toa.

– Olha, só! Num é quê é mesmo? O doutor sabe das coisas.

– Ele sabe sim.

Irene saiu e Valentina despiu-se seguindo para ao banheiro. Depois do banho refrescante, voltou ao quarto vestindo-se. Foi para a cozinha aproximando-se de Irene no fogão.

– Não precisa servir o jantar na sala. Vou comer aqui na cozinha mesmo.

– A patroa é que sabe.

Irene respondeu pegando o prato e os talheres colocando sobre a mesa.

– Você já jantou Irene?

– Jantei não, patroa.

– Jante comigo.

– Tá bom.

Valentina puxou uma cadeira sentando. Nunca tinha sentindo aquela sensação de vazio tão forte como estava sentindo naquele momento. Pensou em Layse, imaginando como ela devia estar.

– Dona Paloma disse que a patroa a deixou de lado. Fiquei só ouvindo enquanto ela reclamava sem parar na minha cabeça.

– Hum, é verdade. Fiz isto mesmo. A minha atitude com ela foi vergonhosa.

– Também já deixei um namorado meu de lado, mas foi porque não sabia como terminar. Achei mais fácil sumir. Quando o bem querer acaba, não tem conversa que ajeite. Eu que não deixo homem mandar na minha vida. Finquei o pé no mundo mesmo.

– Eu te entendo, mas a Paloma merece uma explicação da minha parte. Já errei demais até aqui.

– Pensei que tava tudo explicado, mas dá para ver que a dona Paloma não entendeu.

– Do que você está falando?

– Tá vendo não essa sua falta de vontade de ligar logo para ela? Não é normal dormir tantas noites no sofá como a patroa dormia. Eu ficava até com dó das suas costas.

– Era melhor do que ficar batendo boca. Ah, que situação chata!

– Terminar nunca é fácil.

– Tem toda razão Irene. Vou acabar me doutorando nesse quesito.

Irene serviu a comida na mesa sentando para jantar com ela. Valentina comeu em silêncio. Quando terminou, agradeceu deixando a cozinha.

Na sala, ligou para Paloma avisando que já estava de volta.

Foi Irene que abriu a porta quando a campainha soou. Paloma passou por ela entrando na sala ansiosa. Valentina estava sentada bebendo uma dose de uísque.

– Oi, Valentina! Até que enfim você voltou!

– Oi, Paloma! Eu te falei que voltaria no domingo.

Valentina explicou sem se erguer. Ficou sentada sustentando o olhar dela. Paloma correu sentando ao seu lado, dando-lhe um abraço apertado. Tentou beijá-la, mas Valentina virou o rosto pedindo baixo.

– Para. Preciso conversar com você.

– Não quer o meu beijo? O que está acontecendo? Você só falou comigo na sexta-feira. Depois não atendeu mais as minhas ligações nem respondeu as minhas mensagens. Agora tento te beijar e me vira a cara? Que merda que é essa?

– O meu celular estava desligado. Por favor, modere a linguagem.

– Ah, moderar? Não estou entendendo essa sua calma. Já percebi que estava muito ocupada falar comigo.

– Só estou tentando te falando a verdade.

– Então fala logo porque o seu celular estava desligado.

– Porque eu estava com uma mulher.

– Hã? Você foi capaz de…

– É isso mesmo, eu te traí.

– E me diz isso assim, como se não fosse nada?

– Se falar que sinto muito, vou estar mentido. Sinto por ter te traído, mas também não iria te contar por telefone.

– Ah, ok! Agora estou entendendo! Preferiu contar olhando nos meus olhos para acabar comigo de uma vez.

– Você acha que está sendo fácil revelar a verdade?

Paloma ergueu-se a olhando sentida.

– Vocês estão juntas?

– Não estamos não. Essa conversa não se trata dela e sim de nós.

– Que nós? Não estou vendo nós aqui! Você me traiu e se atreve a falar em nós?

– Paloma? Por favor, mantenha a calma. Estou te explicando. As coisas entre nós não estavam fluindo bem. Não se faça de desentendida.

Dados da autora: Vemos as pessoas se relacionando, mas não sabemos nada sobre a intimidade delas. Muitas também não se apercebem do que estão vivendo. Vão empurrando com a barriga até se depararem com a hora da verdade. 

– Com certeza, até perdi a conta de quantas noites você dormiu neste sofá para não transar comigo.

– Não dormia aqui para não transar com você, Paloma. Dormi porque não gosto de discutir.

– Por isto me traiu? Que eu saiba todos os casais discutem. Você estava sempre cansada para transar comigo. O quê queria que eu fizesse? Por você eu devia ter aceitado o seu desinteresse calada, não é?

– Paloma, presta atenção. Não se trata apenas de sexo, porque em uma relação não é só isto que conta. Fiquei com ela porque não consegui resistir. Pensei em diversas formas de te contar sem te ferir, mas cheguei à conclusão de que seria impossível fazer isto sem te magoar. A verdade é que ela não sai da minha cabeça. Não tenho condições de continuar com você, não estando ligada a ela como estou.

– Afinal quem é ela? Vocês estão juntas há quanto tempo?

– Foi a primeira vez que ficamos juntas, portanto, não crie situações que não existem. Estou terminando com você porque é o certo a fazer.

– Você não presta Valentina! Se arrependimento matasse, eu estaria mortinha agora. Estou entendendo porque vivia inventando desculpas para não ter intimidades comigo.

– Ah, lá vem você com essa conversa de novo! Não transava porque o meu desejo foi acabando e eu errei deixando como estava. Devia ter colocado as cartas na mesa e não o fiz. Antes tivesse terminado quando decidi viajar. Garanto que não sabia que isto iria acontecer, mas aconteceu e não tem volta. É por isto que não devemos continuar juntas.

– Ela te pediu para terminar comigo?

– Claro que não! Estou terminando porque é o mais certo a fazer. A nossa relação ficou pesada, são só cobranças. Você não me entende e nem tentava entender. As vezes que arrisquei conversar, você não me deixava explicar. Você só queria transar. Já se esqueceu?

– Não esqueci coisa alguma. Eu também não pretendo continuar com você! Para quê, para você encher a minha cabeça de galhos de novo? Foram quantas vezes?

– Não vou entrar nestes detalhes.

– Vamos, diga! Quantas vezes a comeu?

– Por favor…

– Diga logo, porra! Que inferno!

Valentina desviou os olhos dela, admitindo:

– Foram algumas vezes.

– Cretina! E eu aqui perturbada, louca de preocupação sem saber o que estava acontecendo com você!  

– Está bem, Paloma. Sei que está chateada e com toda a razão. Desculpe-me.

– Vá se ferrar com as suas desculpas! Tomara que ela te faça sofrer muito. Espero que meta muitos chifres em você.

– Isto não vai acontecer, porque não estamos juntas.

– Então que seja outra a te chifrar. Pouco me importa! Vou pegar minhas coisas no seu quarto. Não quero te ver nunca mais.

– Você é que sabe.

Paloma deu alguns passos, mas parou se voltando:

– Não sente mais nada por mim, não é?

– Eu gosto de você como amiga. Sei que não vou ter a sua amizade. Não te quero mal, só não acho certo ficar empatando a sua vida e a minha. Realmente sinto muito se acabei te iludindo. Pensei que as coisas dariam certo entre nós, mas não deram.

– Me trair foi mais fácil do que ser verdadeira pelo que percebi.

– Não foi nada premeditado. Deixei-me levar pelo desejo porque foi mais forte do que pude suportar. É vergonhoso confessar isso assim porque sei que é desonroso o que eu te fiz. Desejei demais ficar com ela. Diante disso não sou capaz de inventar subterfúgios para me justificar melhor. Você tem todos os motivos para me odiar.

– Adoraria, mas se te odiar vou me ferrar muito mais. A Irene sabia não sabia?

– O que tem a Irene a ver com isto? Ela não sabe de nada disto.

– Pela cara de pena que ela anda me olhando duvido e muito que não saiba.

– Acha que ela não escutava as nossas discussões?

– Pode ser, sei lá. Agora não importa mais. Você já fez a sua escolha. Ela é tão boa assim para você sentar o pé na minha bunda sem pensar duas vezes?

– O que isso importa?

– Para mim importa muito!

– Já te pedi desculpas.

– Por que não quer falar sobre ela? Eu a conheço?

– Não, você não a conhece.

– Então porque a está protegendo?

– Não percebe que eu estou te poupando?

– Você me traiu e afirma que está me poupando? Poupando uma ova! Deixa de ser cínica!

– Ah, meu Deus! Será que dá para você não gritar? Que coisa.

– Oh, estou gritando? Isto te incomoda, é? Agora só consegue ver defeitos em mim. É muito cômodo para você fazer isso.

– O nosso relacionamento não ia bem. Já disse que devia ter terminando antes. Infelizmente, errei com você. Traí sim, mas jamais continuaria com a nossa relação depois do que fiz. Quando contei que nunca traí ninguém estava falando a verdade. Você é a primeira pessoa que eu traio.

– Logo eu? Por quê? Fui sorteada? Você chegou em Cielo e pensou: Nunca traí, que chato viver assim. Vou trair a Paloma, ela merece levar uns bons chifres. Pois muito obrigada pela consideração!

– Não tem a ver com você. Aconteceu porque ela virou a minha cabeça, entendeu agora? Não vou te dar detalhes para não te magoar ainda mais.

– Esqueça! Você já o fez e muito bem feito. Vá se danar!

Valentina foi para cozinha. Abriu a geladeira servindo um copo de água. Bebeu chegando até a janela. Um bom tempo se passou até que ouviu o som da porta batendo com força na sala. Irene entrou neste momento correndo os olhos nela.

– A dona Paloma acabou de sair.

– Eu sei. Ouvi a porta batendo.

– Ela disse que sou cúmplice da senhora. Fiquei foi muda, porque não tenho nada com isto.

Valentina se voltou falando calma:

– Não leve em consideração o que ela falou. Só está magoada e com razão. A Paloma sempre foi estourada, mas não é uma pessoa injusta. Ela vai refletir quando se acalmar. A nossa relação estava se arrastando. Já não aguentava mais brigar. Vai ser melhor para nós duas.

– Desculpe falar isso, mas é que mulher não aceita ficar sem sexo, né patroa?

Valentina deixou o copo sobre a pia respondendo:

– Você tem toda a razão. Não aceita e nem deve aceitar. Vou me deitar. Estou muito cansada hoje. Boa noite!

– Boa noite, patroa!

“Tudo o que satisfaz a alma é a verdade.”

Walt Whitmam.

Continua…



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