Vontade Ferrenha.

Capítulo 27

Matias Reis foi à procura de Layse cheio de esperanças. O homem explicou que era proprietário de bares noturnos e restaurantes na capital paulistana. Queria contratá-la para passar alguns dias na cidade para fazer exatamente o que fez no bar do Juarez. Mostrou fotos dos estabelecimentos pelo celular. Estava mesmo interessado que ela fosse fazer uma visita para descobrir porque o movimento vinha caindo cada vez mais.

Layse não fazia ideia ainda, mas estava fazendo o papel de “Consultora de Inteligência de Mercado”, uma profissão cada vez mais requisitada por empresários de diversos setores.

Matias lhe disse sem conseguir disfarçar sua ansiedade:

– Quero que você observe quais são os problemas e que me dê boas ideias para mudar a cara dos meus estabelecimentos. Não posso continuar perdendo dinheiro e clientes da forma que vem acontecendo. A situação não está nada boa para o meu lado.

– Faço ideia.

– Aquela máquina “Jukebox”, confesso que fiquei impressionado com o sucesso que está fazendo lá no bar.

– Por quê?

– Aquilo já não se usa mais. Hoje em dia todos ouvem músicas pela internet e até podem baixá-las. Não entendi porque os jovens daqui gostam tanto daquela máquina.

– É certo que eles podem baixar as músicas pela internet, mas no bar eles estão em grupo e escolhem as músicas com as quais querem curtir. O senhor não se engane, Cielo cresceu muito, mas uma boa ideia se agrada, é muito bem recebida. Não são apenas os jovens daqui que aprovam a máquina, os turistas também compram muitas fichas e se divertem demais. Não se esqueça de que os jovens tanto quanto eu, nem éramos nascidos quando aquelas máquinas fizeram um grande sucesso no passado.

– Neste sentido tenho que concordar. Hoje em dia raros estabelecimentos mantém este tipo de entretenimento. O que todo mundo quer é Wi-Fi gratuito.

– Para o senhor ver, o bar tem Wi-Fi gratuito e a máquina continua sendo cada vez mais disputada.

– Exatamente! Por isto mesmo preciso te contratar para me ajudar lá em São Paulo. Você vai, descansa no final de semana e durante a semana faz o trabalho. Um carro vai te buscar no aeroporto e levar para o hotel onde ficará hospedada. Vou disponibilizar um cartão de crédito para cobrir todas as suas despesas.

Layse, só conseguiu pensar que indo a São Paulo poderia tentar rever Valentina. Ela continuava aparecendo na cidade sem procurá-la. Durante aquele tempo só a viu por quatro vezes, assim mesmo passando de carro. Não podia culpá-la por não a ter procurado, havia lhe dito para não fazê-lo.

A ideia ganhava forma em sua cabeça, quando a mãe interferiu falando que era perigoso, que a filha não iria porque não conhecia São Paulo e não parou de falar, mas Layse apenas pediu para Matias:

– Faça o favor de voltar no final da tarde e eu darei a minha resposta, para o senhor.

– Voltarei com toda a certeza! Até mais tarde!

– Até mais tarde!

Na vida de todos existe um momento crucial. O dia que Layse, quase no final dos seus dezesseis anos, entrou no bar de Juarez Silva, a sorte bateu à sua porta. Ela não fazia ideia que o seu nome se tornaria tão conhecido por provocar com as suas palavras verdadeiras, as mudanças que ocorreram em Juarez e no bar dele. Talvez, naquela altura, Layse sentida ainda com a morte do pai, com as palavras impensadas que a mãe dirigiu a D. Clarice e ainda com o amor desesperado que sentia por Valentina, seu desabafo foi a única forma de colocar para fora todas as suas frustrações. Não imaginou que o dono do bar levaria tão a sério tudo que ouvira. Nem sonhou que muitos passariam a admirá-la e que outros iriam querer contratá-la para visitar seus estabelecimentos.

Ceição tratou de ligar para o doutor bastante preocupada, contando sobre a suposta ida de Layse para São Paulo com um desconhecido. Após falar com ela, Salomão ligou para Valentina. Ela ficou ouvindo o pai explicar a razão da ligação muito quieta. Estava no hospital. O pai estava contando da ida de Layse para São Paulo com um empresário ao qual ninguém conhecia.

– De maneira que a Ceição vai ficar sossegada se ela ficar hospedada na sua casa e eu também, é claro!

– Claro que sim. Imagine a Layse vir para São Paula e ficar em um hotel, isto não tem cabimento. De jeito nenhum, ela vai ficar aqui em casa. 

– Realmente. Só espero que a sua namorada não se incomode com o fato de você recebê-la.

– Recebo quem eu quiser na minha casa pai. Ela é um pouco implicante e reclama à toa de coisas sem sentido, mas eu ignoro.  

– Entendi. Faz bem em ignorar. Só não me diga que ela está mandando na sua casa.

– Lógico que não! Que ideia, papai!

– Ah, bom, porque namoro novo tem que ir com calma. Você pode hospedar quem quiser na sua casa que a sua namorada não tem nada que dar pitaca.

– Tem toda a razão!

– É lógico que tenho. Vocês aí em São Paulo vivem em um século vinte e um completamente diferente daqui de Cielo. Se eu fosse hospedar uma mulher aqui em casa, de boca em boca o falatório será geral. Mas, na cidade grande? Ninguém nem se apercebe. Neste sentido você está no céu. Se você sai na rua aí e nenhum passarinho defeca na sua cabeça. Já se esqueceu de como são as coisas na sua terra natal?

– Hahahaha, papai, o senhor é muito divertido! Adoro este seu senso de humor.

– Gosto de achar graça nas coisas da vida. A Layse tem mesmo que dar uma volta. Nunca esteve em uma cidade grande, vai fazer bem para ela conhecer. Sem contar que está naquela idade, você sabe, o clamor do sexo é muito forte. Ouvi dizer que as moças que gostam de mulheres vivem em cima dela. Também, está bonita que só vendo.

– Já ouvi dizer.

Valentina respondeu sentindo o coração disparando.

– É sim. A Claudia sua amiga, que estudou na mesma faculdade que você, dizem que fica com a Layse. Estou falando porque eu também a vi indo atrás dela na casa da Clarice.

– A Claudia? Dela eu não fiquei sabendo!

– É para você ver. Vocês deixaram de ser amigas? Só pode, caso contrário ela teria te contado.

– Ela se formou e voltou para Cielo. Depois disto não falamos mais. Deve ser por isso que parou de falar comigo.

– As pessoas nos surpreendem, é só isto que eu te digo.

– Nem precisa falar mais nada, mas…

– Sim?

– A Layse está feliz com esse sucesso todo que tem feito com as lésbicas da cidade?

– Olha minha filha, a Layse é a mesma pessoa. Ela não mudou por conta disso. Percebo que ela está até mais centrada. Também está mais madura. Está adorando o curso que está fazendo, também pudera, tem tudo a ver com o trabalho que executa. 

– Sim, ela me contou sobre o curso que escolheu.

– Pois então. Eu não vi nada de diferente nela. Está mais risonha, isto lá é verdade. Mas isto se entende muito bem, afinal ser cortejada como ela é, eleva a autoestima de qualquer uma.

– Sim, claro que eleva.

– Tem gente que fica toda convencida, de nariz em pé, se achando o máximo, mas a Layse, é isto que eu digo para a Clarice e para a Ceição, a Layse tem muita personalidade. Dá gosto de ver o caráter firme dela. Estou parecendo um tolo enchendo a bola dela, mas é exatamente o que eu penso. Quem iria imaginar que aquela menina pobre que vivia carregando as compras para ganhar uns trocados chegaria tão longe, não é?

– É surpreendente sim, papai. Eu também admiro demais a Layse. 

– Ah, e a Clarice comentou comigo que não gosta da Claudia.

– Não gosta? Ela justificou por quê?

– Ela disse que a Claudia não lhe inspira confiança.

Valentina recordou que tinha contado para Claudia o quanto adorou fazer amor com Layse. Só não contou que ela era virgem. Suspirou por não ter contado aquele detalhe. Como tinha sido burra pensando que Claudia era sua amiga.

– A Kelly dona da sapataria também já ouvi dizer que arrasta uma asa para a Layse.

– Pelo jeito a Layse está passando o rodo geral.

– Cala-te boca, mas a vida pessoal dela nem é da nossa conta. As fofocas andam correndo soltas por aqui. Não comente nada que te falei sobre essas coisas. Você sabe como a Layse é de pouca conversa.

– Pode deixar, não vou comentar. Vou recebê-la e dar toda assistência. Pode ficar descansado.

– Vai ter tempo para ir com ela nos lugares que precisar ir?

– Vou fazer o possível, papai. Estarei de folga neste final de semana. Se não puder levá-la a algum lugar eu peço a Irene para acompanhá-la. Ela sabe se virar muito bem em São Paulo.

– A sua secretária do lar? Será que ela vai topar fazer isso? 

– Ela gosta de uma cerveja como o senhor sabe. Aposto que topa sim. Eu confio inteiramente na Irene.

– Isso é muito bom, ter uma pessoa de confiança dentro de casa. Comprovei que ela gosta de umas cervejas. Qualquer coisa dá um agrado para ela em dinheiro para ela acompanhar a Layse. Tenho certeza de que vai correr tudo bem.

– Claro que vai, eu me preocupo com a Layse. O senhor sabe o quanto.

– Você se preocupa com ela que eu sei sim, mas não a procura. Isto para mim é um mistério, mas não tenho nada a ver com a sua vida. Ligo no domingo para saber das boas novas. Um abraço minha filha! Fica com Deus!

– Amém! Fica com ele também. Boa noite, papai! Beijo!

Valentina desligou pensando como iria encarar Layse quando ela chegasse à sua casa. O pai tinha razão, não a procurava. Como? Ela pediu que não o fizesse. Ficava satisfeita sabendo que ela estava bem. Conheceu muito bem a força do seu desejo. Não se esqueceu do quanto foi intenso fazer amor com ela. Quando a reencontrou já com dezesseis anos, achou-a linda e não resistiu aos seus encantos. Agora com 18 anos devia estar muito mais bonita. Até a cor da pele mais bronzeada deixou-a mais encantadora. Não era difícil perceber porque Kelly arrastava uma asa por ela. Era casada e ainda por cima com dois filhos, mas sabia que jogava nos dois times.

Notas da autora: Hahahahahahaha… É bissexual mesmo.

Não era amiga dela e sim colega. Quando ia à cidade costumava encontrá-la e bebiam uns drinques juntas com outras conhecidas. Agora Claudia? Que sacanagem! Contou o quanto foi intenso estar com Layse. Revelou até que nem se importou muito pelo namoro com Paloma ter terminado, porque não conseguia parar de pensar em Layse. Como tinha sido burra. Com sua boca de caçada despertou a curiosidade da falsa. Logicamente Claudia decidiu conferir se Layse era tudo que tinha falado logo que voltou para Cielo. Não passava de uma traidora. Passou o resto do tempo no trabalho com aquilo corroendo seu íntimo.

 

Quando chegou a casa deixou a bolsa na sala indo até a cozinha. Irene, a empregada, estava ouvindo rádio, lendo uma revista.

– Boa noite, Irene! Tudo bem?

– Boa noite, patroa! Tudo bem sim. Chegou mais cedo hoje.

– Graças a Deus!

– Amém!

– Olha, vou receber uma visita e gostaria que você preparasse o quarto de hóspedes.

– Preparo sim com muito gosto.

– Vou deixar este dinheiro aqui para você fazer algumas compras. Compre uma quantidade maior de cervejas. Frutas, carnes, queijos, ah, você sabe. Quero muita fartura. Peça o supermercado para mandar entregar como você costuma fazer para não carregar peso.

– Farei direitinho como eu sempre faço. A visita é homem ou mulher?

Irene perguntou espichando o pescoço.

– Mulher.

– Mulher? Tá.

– Sobrou daquele arroz doce?

– Sobrou sim. Deixa que eu pego.

Irene foi até a geladeira pegando o doce. Serviu um pouco para Valentina ficando parada diante dela silenciosa.

Valentina comeu pensativa por algum tempo. De repente fitou Irene perguntando:

– O que você está fazendo aí parada feito um dois de paus? Se estiver querendo me contar alguma coisa conte logo.

– Como que a patroa sabe que quero contar uma coisa?

– Desembucha logo. Estou vendo pela sua cara.

– A Denise ficou aqui a tarde toda.

– Como assim? Ficou fazendo o quê aqui?

– Uai, ela tocou a campainha e quando vi que era ela, abri. É sua namorada, né. Ficou mexendo no computador, tomou quatro cervejas, ainda ficou usando o telefone fixo fazendo várias ligações. Fez até uma para a França.

– Como que você sabe? Escutou na extensão?

– Deus que me livre, claro que não! Ela perguntou que horas eram na França.

– Dieu, donnez-moi de la patience! Je ne suis pas né hier. C’est pourquoi mes relations ne vont pas beaucoup plus loin. Qui peut gérer un tel bummer?

– Não entendi foi nada do que falou aí, também não importa. Continuando, ela tomou um banho e saiu vestindo uma blusa da patroa.

– Obrigada por me contar.

– A patroa sabe que eu conto tudo que acontece quando não está em casa. Porque se sumir uma moeda que seja eu é que não aceito levar a culpa. Não mexo em nada desta casa, mas essa moça é muito entrona. Ficou abrindo todas as gavetas. Não sei o que estava procurando, mas andei atrás mesmo. Até tirei fotos. Pode ver aqui no meu celular.

– Me deixa ver essas fotos.

Valentina pediu pegando o celular, olhando foto por foto.

– Está vendo só? Até nos perfumes importados ela meteu as patonas. Nunca fui mexedeira. A minha mãe batia era com varra de marmelo se a gente bulisse nas coisas dos outros. Noooooo, se essa moça tivesse mexido deste jeito nas coisas lá de casa a minha mãe dava era um coro nela. Mas era “sem dó nem piedade.”

Valentina segurou-se para não rir das caras que Irene estava fazendo enquanto relatava. Devolveu o celular para ela, comentando:

– Fez muito bem em tirar as fotos. Obrigada por zelar tão bem pelas coisas.

– Fiz bem, não fiz? Eu sabia que estava fazendo o certo. Coisa mais feia. Estou besta como que uma pessoa pode ser tão fuçadeira assim. Agora se sumir um grampo de cabelo, eu é que não fui. Já está avisada.

– Fez muito bem, Irene. É por isto que confio tanto em você. Agora vou tomar um banho. Estou destroçada.

– Vai sim. A patroa trabalha além da conta. Depois vou lá levar um lanchinho. Quer não quer?

– Sim, eu preciso. Obrigada, Irene!

Continua…



Notas:



O que achou deste história?

Deixe uma resposta

© 2015- 2018 Copyright Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem a expressa autorização do autor.