Vontade Ferrenha.

Capítulo 30

Entraram no bar onde Valentina escolheu uma mesa para sentarem. Pediu duas cervejas, voltando-se para Layse. Percebeu o olhar carinhoso dela parecendo analisá-la.

– Você está bem? Posso fazer alguma coisa para te deixar melhor?

Layse perguntou preocupada.

– Você já fez. Estou só muito chocada com o que se passou lá em casa.

– Ela te machucou quando vocês foram para o quarto?

– Não, só foi bruta. Quero te agradecer por ter dado um cala boca nela. Não sei onde que eu estava com a cabeça quando comecei aquele relacionamento.

O garçom se aproximou servindo a cerveja para elas. Assim que se afastou, Layse perguntou para Valentina:

– Você a conheceu no hospital?

– Conheci através de um aplicativo.

– Aplicativo?

– Sim. Fica mais simples encontrar lésbicas.

– A bom, isto não é para mim.

– Entendo, mas vivo em São Paulo e essa cidade tem mais de 43 milhões de pessoas. Encontrar alguém fica mais fácil.

– Fácil? O amor pode estar em qualquer lugar em uma cidade.

– Foi a primeira vez que usei. Falamos e combinamos um encontro. Não estava à procura de amor, Layse. Estava precisando de sexo, é isso. Não tenho porque negar.

– Ah, claro! Entendi.

– Você entende porque também não passa sem sexo. Reconheço que cometi um erro.

– Sim, preciso. Todas nós cometemos erros. Espero que não tenha sido uma crítica. Porque humanas somos todas. 

– Não, não foi uma crítica. A verdade é que não devia tê-la levado para dentro de casa. Irene é que estava certa, não gostou dela desde a primeira vez em que a viu. Só estou te explicando para me desculpar com você. Não precisava ter escutado as coisas que ela disse na sala. Fiquei sem saber onde enfiar a cara, realmente lamento muito.

– Precisa lamentar não. Você não teve culpa. A verdade é que me hospedando, de certa forma atrapalhei o seu namoro.

– Já estava mesmo decidida a terminar, esqueça essa ideia. Não sabia que ela era tão mal educada e muito menos violenta. A Denise me saiu uma figura. Meu Deus! Não quero vê-la nunca mais. Ainda não posso acreditar no que aconteceu.

– Também apenas seis semanas de namoro, não teve muito tempo para conhecê-la.

– Seis semanas, exatamente! Como é que você sabe?

Valentina questionou admirada. Antes que Layse respondesse, continuou:

– Fui eu que te contei, não foi? Acho que foi sim. Estávamos conversando na sala quando ela chegou daquela maneira abrupta. Depois aquele ciúme absurdo. Se continuasse com ela não poderia receber ninguém na minha casa. Era só o que me faltava.

– Seria difícil.

– Seria impossível. Só te peço que não fique ressentida. O mal está desfeito. Não quero ficar lamentando o que aconteceu.

– Nem deve. Valentina?

– Sim?

– Você é feliz de alguma forma?

– Ah, Layse! Sou feliz com o curso de medicina, porque é o meu sonho. Sou feliz com as coisas que tenho. Pelo meu pai me amar e apoiar, por ter uma amiga sincera, por ter saúde, por ser respeitada no meio em que vivo, pelos bons momentos que acabo vivendo. Sou feliz por um detalhe ou outro. Gosto da minha vida, mesmo não fazendo boas escolhas quando decido cuidar das minhas necessidades fisiológicas. Acabo ficando com a sensação de que não sei escolher a mulher certa. Ao menos que seja uma que tenha tudo a ver comigo. Não encontro a que me desperte aquele desejo louco, sabe?

– Como o que eu despertei?

– Aí, você sempre me desarma! Meu Deus! Mas é isso mesmo, como o que você despertou.

– Sei. Você está falando de química, não apenas de desejo.

– Exatamente, porque nem tudo se trata de sexo, mas para que o sexo seja aquela coisa maravilhosa, tem todo um conjunto de coisas que fazemos com uma mulher. Uma conversa agradável, por exemplo.

– Se você procurou em um aplicativo parece-me óbvio que não encontraria este conjunto de coisas boas.

– Para você ver a besteira que acabei fazendo por causa da minha carência.

– Não se justifique, você tem o direito de errar.

– É, acho que tenho, mas já passou da hora de parar de errar. Pelo menos não quero repetir os mesmos erros.

– Desculpe, mas estou com a barriga colada às costas.

– Oh! Valha-me minha Nossa Senhora! Faz horas que você não come nada e eu aqui falando feito uma vaca passando tempo na cerca. Vamos resolver isso agora mesmo.

Valentina chamou o garçom pedindo uma porção de picanha na chapa. Continuaram conversando até que a porção chegou. Layse começou a comer e à medida que o fazia o sorriso em seu rosto foi se evidenciando.

Valentina comentou admirando-a com satisfação.

– Sempre sorri quando está comendo. Acho isto lindo em você.

– É verdade, não gosto de ficar com fome. Fico muito feliz quando estou comendo.

– Foi culpa minha, empolguei-me com a nossa conversa. Isso sempre acontece quando agarramos na conversa. Não vejo as horas passando. Não penso em nada, só…

– Não pensa nem em me beijar?

– Layse…

– Sei que pensa, seus olhos devoram a minha boca a cada segundo que passa.

– Ai, jura? Sou tão transparente assim? Que feio da minha parte.

– Muito pelo contrário, acho delicioso que olhe para a minha boca com tamanho apetite.

– Pelo amor de Deus, não pense que olho assim para todas as mulheres.

– Claro que não acho nada disso. Lembrei-me que você me viu olhando os seus CDs quando estávamos na sala.

– É claro que eu vi. O que tem demais nisto?

– Estava discutindo com a sua namorada na hora e não tirava os olhos de mim.

– Você também não perde nada. Já acho é graça.

Valentina desviou os olhos dos dela surpreendida. Não tinha se dado conta que no momento em que Denise tentava beijá-la, não tirava os olhos dela. Denise estava com a mão sobre a sua coxa e só se preocupava com o que Layse estaria pensando quanto à insistência de Denise com ela.

– Você não estava apaixonada por ela. Se estivesse estaria aos prantos agora.

Valentina sorriu concordando com um gesto de cabeça.

– Tem razão, não me apaixonei por ela. Sorte a minha.

– Sim, muita sorte!

– Você já teve uma mulher encrenqueira?

– Já te contei que nunca namorei.

Valentina abriu mais os olhos comentando:

– Sim, contou, mas isto foi há dois anos. Não é possível que continue usando aquela foto minha. Se falar que continua vou morrer de vergonha.

– Hahahaha, seria muita loucura, mas realmente quando paro de trabalhar tenho muita coisa para estudar.  

– Mas você…

– Continuo igual.

– Não é o que eu ouço dizer sobre você.

– Eu fico porque não estou morta e nem quero virar freira. Acho que nem ficaria bem de hábito.

– Não ficaria mesmo. Você fica ótima do jeito que está. Tem bom gosto para escolher suas roupas e suas botas. Ouvi dizer que adora comprar botas.

– Não acredito! Até isto comentam sobre mim?

– Cielo é um parque de fofocas, você bem o sabe. Sou colega da dona da sapataria. Ela é lésbica, sabia disto?

– Na verdade ela é bi. Só não sei se o marido sabe.

– Duvido que saiba. Quando ela fala do seu gosto por botas sempre tenho a impressão de que ela tem uma queda por você. Tem?

– Sei não.

– Ah, não me esconda o jogo, pode me contar. Não confia em mim?

– Para quê você quer saber disso?

– Tenho curiosidade. É normal, não acha?

– Acho não, mas ela tem uma queda sim. Ela vive me fazendo uns convites.

– Então agora confesse. Já comeu?

Layse admirou-se com a pergunta respondendo séria.

– Falo não.

– Ah, Layse! Por que não?

– Saber disso não vai acrescentar nada na sua vida. O que eu faço com uma mulher ou outra é irrelevante.

– O que custa matar a minha curiosidade?

– Então mate a minha. Você esqueceu-se dos nossos beijos?

– Uau! Marota você. Vai de Recife a Manaus assim, do nada! Aff… Como consegue?

Valentina estava apenas ganhando tempo. Layse a surpreendeu com a pergunta inesperada.

– Esqueceu-se?

– Aí Layse! Que pergunta capciosa. Acho melhor voltarmos. Acredito que o amigo de Irene já deve ter rebocado aquela descontrolada lá da sala. Vou pedir a conta.

Valentina fez sinal para o garçom pedindo a conta. Layse comentou olhando-a pegando a carteira.

– Quer dividir?

– Posso pagar essa conta sozinha? Você se importa?

– Não. Como você quiser.

– Obrigada! Realmente eu não percebo as horas passando quando estamos conversando. Não se preocupe que você não vai dormir sem apreciar um bom jantar.

– Essa picanha caiu muito bem. Já matei a fome. Não se absorva com isso.

– O que eu sei é que o jantar você irá saborear com calma em minha companhia. Depois poderemos continuar fazendo companhia uma à outra.

Notas da autora: Gostei dessa. Valentina preste atenção. Sei muito bem o que está passando pela sua cabeça. Você quer a Layse, quer tanto que por mais que tente disfarçar, não vai conseguir esconder. Aliás, ela já percebeu que você está a ponto de pular sobre ela.

Layse deu um gostoso sorriso respondendo muito segura de si.

– Vou querer jantar sim, mas é você que eu vou adorar saborear depois.

O garçom chegou com a conta. Valentina entregou o cartão de crédito digitando a senha. Quando ele devolveu o comprovante se afastando, ela se ergueu sorrindo para Layse.

– Você consegue fazer até a minha alma queimar. Nunca vou entender este poder que tem sobre mim.

– Olha bem, dizem que tenho um rosto bonito e até falam que o meu corpo é tentador. Já me peguei conferindo no espelho para saber se as pessoas tem razão no que falam. Eu não sei muito bem é com que olhos você me vê.

– Não seja modesta, você é lindíssima! Disse-te isso inúmeras vezes…

Layse estava deixando o restaurante com ela neste momento. Pararam para atravessar a rua e seus olhos voltaram a se encontrar. Valentina confessou retornando ao que estava falando quando se calou.

– Te disse até quando fazíamos amor. Já se esqueceu disso?

– Não tinha certeza é se você recordava de me ter dito tantas vezes.

– Nem se eu tivesse problemas de memória me esqueceria do que vivemos juntas. Não esqueci nem do que você me negou na cama.

– Olha, com certeza deve ser o que mais te marcou.

– Grande engano seu.

– Ainda bem. Que alívio! Na verdade estou apenas brincando com você.

– Eu sei que está brincando e sei bem por que. Ficou sem graça com o que eu falei.

– Coloque sem graça nisto, Valentina.

– Sabe que sempre me pego pensando que você fez aquilo para que eu não te esquecesse?

– Não! Acha mesmo isto? Que pecado!

– Será mesmo? Tenho quase certeza. Você foi muito ardilosa. A julgar pela sua pouca idade na época, eu confesso que tenho que tirar o chapéu para você. Não houve um único dia em que eu não tenha pensando sobre isso.

– Então. E isto é ruim?

– Viver com você no meu pensamento? Não, não digo que seja ruim. É complicado porque pensando tanto em você vivo presa ao passado.

– Curiosamente também recordo de ter me perdido no passado. Acho que não mandei muito bem quando te pedi para não me procurar mais. Arrependi-me de ter feito isso.

– Entendo e eu não quis te forçar a falar comigo. Por isto me mantive afastada

– Não se sentiu tentada a me procurar?

– Não estou acreditando nessa sua pergunta.

– O que tem de mal nela?

– Obviamente é ridícula! Que coisa! Acha mesmo que não me senti tentada?

– Eu não sei, eu…

– Você foi dura comigo e não te culpo. Acho que teria feito a mesma coisa se estivesse no seu lugar.

Entraram no prédio parando diante do elevador. Um casal também se aproximou ficando a espera do mesmo. As duas trocaram um olhar sem se falar. Quando o elevador chegou, entraram encostando-se ao fundo. Valentina virou o rosto para olhar para Layse encontrando o olhar dela fixo no seu rosto. Daqueles olhos que a devoravam intensamente, pareciam saltar faíscas tamanho o desejo que via neles. Valentina sentiu uma emoção forte, uma vontade incontrolável de tocar a mão dela. Entretanto, permaneceu imóvel com os olhos fixos nos dela.

Continua…



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