Vontade Ferrenha.

Capítulo 34

As duas passaram o sábado agarradinhas na sala. Por duas vezes refugiaram-se no quarto para fazer amor. Ouviram músicas em meio a longas conversas. Layse contou por alto sobre os novos projetos que estava desenvolvendo para Clarice. Valentina contou coisas sobre a faculdade e o estágio no hospital. Falou também sobre a ida definitiva para Cielo. Comentou sobre o compromisso que tinha de assumir os pacientes carentes do pai na cidade. Layse a ouvia com grande atenção, pois tudo sobre a vida dela a interessava. Contou também sobre uma amiga especial que tinha no hospital.

Quase ao final da tarde Ceição ligou. Enquanto Layse conversava com ela, Valentina foi até a cozinha para deixá-la mais a vontade.

Assim que entrou viu as duas vasilhas sobre a bandeja.

– Que cheiro delicioso! Abriu meu apetite.

Comentou Valentina aproximando do fogão com um ar curioso.

– É o caldo que preparei.

– Ah, sim! Layse comentou comigo.

– Para enfrentar essa maratona a patroa precisa ficar forte.

– Não sei que maratona. Se tivesse que participar de uma pode ter a certeza que eu declinava. Não sou dada a este tipo de esporte.

– Estou falando de maratona sexual. Pelo que percebi a Layse tem muita energia e a patroa não vai querer ficar para trás. Este caldo é tiro e queda. Minha mãe faz muito lá em casa.

– Ah.

Valentina abriu a geladeira sem estender o assunto. Intimamente se perguntou surpresa: Será que Irene está pensando que não dou conta do recado?

– É para não andar por aí depois arrastando as pernas e fazendo uma triste figura.

Arrastando as pernas? Eu? Nunca arrastei as pernas, Irene só pode estar me gozando. Valentina teve vontade de rir, mas se conteve. Pegou duas cervejas fechando a porta da geladeira.

– Tenho certeza que o seu caldo deve estar delicioso.

– Daqui a pouco levo lá na sala.

– Obrigada!

Voltou à sala sentando. Layse terminou de enviar uma mensagem colocando o aparelho sobre a mesa. Assim que o soltou uma mensagem entrou. Valentina viu a mensagem sem gostar do que leu. “Sou louca para dar para você.”

– Está tudo bem com a Ceição?

Perguntou procurando ignorar o que tinha acabado de ler.

– Sim. Ela está sentindo a minha falta. Acredita?

– Acredito, claro. É normal, ela é sua mãe. Toma, está geladinha como você gosta.

– Obrigada!

Layse tomou um bom gole da cerveja, comentando:

– Está boa mesmo.

Outra mensagem entrou no celular. Valentina correu os olhos pelo aparelho discretamente.

Layse foi mudar o CD voltando a sentar com ela. Mais duas mensagens entraram. Todas diziam a mesma coisa: “Psiu.”

– Que palhaçada é essa aí?

– O quê?

Layse perguntou sem se dar conta do que ela estava falando. A verdade é que Layse não estava ligada no celular. Não tirava os olhos de Valentina. Estavam de mãos dadas neste momento.

– Essa mulher falando psiu para você sem parar.

– Psiu? Não vi. Deixa eu ver isso aqui.

Layse pegou o celular percebendo que a mulher tinha falado psiu quatro vezes. Soltou o celular comentando:

– Sei lá quem é essa. Eu hein!

– Psiu? Aff. Coisa mais ridícula!

Layse começou a rir da cara dela.

– Está com ciúmes? É isto? Nem sei quem é essa mulher. Esquece isso.

– Não sabe e ela não para de te chamar? É de se admirar.

– Ela pode chamar, não estou interessada. Você é a única mulher que me interessada. Indo um pouco mais além, pode ter a certeza que já conheci todas as mulheres que tinha para conhecer e a única que amei encontrar foi você.

– Hum. Falando assim até parece que já conheceu muitas. Este mundo é tão grande. Tem certeza de que amou me encontrar?

– Estou falando de forma figurada, Valentina. Essa é a maior certeza que eu tenho na minha vida. Não vamos perder tempo com bobagens. Podemos curtir em paz?

– Estamos em paz. Não quero que nada nos incomode. Só estava me certificando.

Valentina explicou beijando-a apaixonadamente.

– Desculpe!

Irene falou surgindo na sala com uma bandeja nas mãos.

– Tudo bem, Irene!

– Vim trazer o caldo para vocês não beberem de barriga vazia.

Layse sorriu aceitando o caldo. Sentiu o aroma, elogiando:

– A valer pelo cheiro parece que está um sonho. Obrigada, Irene!

– Obrigada!

Valentina também agradeceu pegando o caldo com um sorriso.

– Não é para me gabar, mas esse caldo é milagroso. Com licença!

Valentina a esperou sair para comentar:

– Acho que este é um daqueles caldos vitaminados. Irene está pensando que eu não sou de nada na cama. Hahahahahaha…

– Coitadinha, santa pureza! Hahahahaha. É caldo de mocotó. Prova para você ver como é bom. Dá muita energia mesmo.

– É lógico que vou comer. Não sou boba nem nada.

Tomaram o caldo adorando. Riram muito de Irene estar pensando que Valentina não daria conta de acompanhar Layse na cama. Quando terminaram, Valentina conjecturou:

– No fundo até entendo a Irene. Eu sempre escapava para não ir para o quarto com a Denise. Ela deve ter imaginado muitas coisas e com razão. Só de pensar já acho graça.

– Talvez seja isso mesmo que ela ache.

Valentina percebeu o olhar de Layse passando pelo celular neste instante, porque entrou mais uma mensagem.

– Tem certeza de que não deixou uma namorada em Cielo?

– Claro que não! Já te falei que nunca tive uma namorada, Valentina! Quando você recebe mensagens não fico imaginando nada demais.

Valentina sustentou o olhar dela.

– Se quiser ver a mensagem pode ficar a vontade.

– Quer saber de uma coisa? As mensagens que me interessam são relacionadas ao trabalho. Sou eu que confirmo as entregas dos produtos da Clarice. É por isto que fico atenta as mensagens.

– A maioria das mensagens que recebo são do hospital, do pessoal da faculdade e de algumas colegas.  

– Por que você está ficando tão cismada?

Valentina sorriu. Pegou a mão de Layse confessando sincera.

– Sou ciumenta, admito. Também estou me sentindo insegura. Nem sabia que era tanto assim e pelo jeito estou te assustando.

– Não tem problema você ser ciumenta, eu também sou. Será que quem não sente ciúmes ama realmente? Tenho minhas dúvidas.

– Dúvidas? Sei muito bem o que é ter dúvidas. Prefiro nem ficar pensando muito para não criar monstrinhos na minha mente.

– Eu também evito fantasiar.

– Me conte uma coisa. Ainda é amiga daquelas duas que estudaram com você, a Mirna e a Soraia?

– Amiga não, são minhas ex-colegas de escola. Não ando com elas, mas sempre as encontro no bar e tomamos umas juntas. A minha amiga ainda é a Isadora. E a Clarice, que além de ser minha grande amiga me ajuda muito.

– Você acha que amiga tem que ajudar?

– Não, não acho que tem que ajudar. Minha amizade com a Clarice nasceu de uma ajuda mútua. Ela já não tinha forças para plantar e colher como antes. Eu tinha e passei a fazer todo o trabalho por ela. Não sei o que teria sido de mim e dos meus pais se não fosse por ela. Reconheço o bem que ela me faz. Hoje faz muito mais.

– Sim, eu sei. Meu pai já comentou comigo que a Clarice salvou vocês.

– Salvou mesmo e eu sou muito agradecida.

– Eu te entendendo. Há por aí pessoas que não reconhecem quem lhes fez o bem, simplesmente viram as costas. Só vão embora sem olhar para trás.

– Isto é do ser humano. Para ser reconhecido é preciso ter alguma humildade. Muita gente pensa que ser humilde é coisa de coitadinho ou de pessoas que mendigam. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. No meu caso eu sei que a Clarice precisa de mim e a forma que tenho de pagar pelo bem que ela me faz é ajudá-la em tudo que posso. É por isso que aceitei fazer parte da Fundação para crianças carentes que ela decidiu criar em Cielo.

– Sim, você me falou. Só fiquei pensando se vai dar conta de tantas atividades. Já tem o trabalho, a faculdade, agora os tais terrenos que ela comprou onde estão expandindo os cultivos. É você que está coordenando tudo. Melhor dizendo, você se tornou chefe das dezenas de empregadas que tiveram que contratar, Layse! Você vai ter que estar cada dia mais comprometida com tudo. E no caso de uma Fundação a responsabilidade para com os menores é enorme. 

– A minha vida mudou muito, agora vivo correndo de um lado ao outro. Mas não me esqueço de que fui uma criança pobre que teve a sorte de cair nas graças de uma pessoa como a Clarice. Agora outras crianças terão a mesma sorte. Por isso que gostei da ideia dessa Fundação e decidi entrar de cabeça no projeto.

– Entendo perfeitamente o seu entusiasmo, Layse! Agora refletindo melhor, será que a Clarice tem noção da quantia que vai ter que desembolsar para manter a Fundação em funcionamento?

– Ela tem noção sim. Fiz uma planilha para que ela tivesse uma ideia do investimento e dos custos mensais. 

– Se é assim, quem sou eu para ser contra.

– A Clarice decidiu ajudar crianças muito pobres de Cielo, admiro isso. Um dia ela fez por mim e acho maravilhoso saber que vou poder fazer o bem para outras crianças.

– Isso é muito bonito. Desejo que essa Fundação ajude sim. Cielo precisava de um projeto social deste porte. Quando reencontrar com a Clarice, farei questão de lhe dar os parabéns pela iniciativa. O meu pai não sabe de nada disso, sabe? Porque ele não me falou nada.

– Não, ele não sabe de nada. A Clarice passou a fazer tudo na calada. Ela detesta falatório e o povo de Cielo conversa demais. Nem a minha mãe sabe sobre a Fundação, mas a construção do prédio já está a todo vapor. 

– Como eu a compreendo. Também detesto falação. Aff… É você que está acompanhando essa obra?

– Eu e a Clarice, mais o engenheiro que fez o projeto e está a frente de tudo. Agora que estou aqui ela está olhando com ele. Toda hora estou recebendo mensagens dela aqui a respeito. É sábado, mas a obra continua. Só pára no domingo.

– Sei.

– É material que acaba, é pedreiro que falta, cada dia uma coisa chata acontece. É preciso ter paciência que no final tudo acaba bem.

– Quem diria, Layse! Estou gostando de ver como você está lidando com as coisas. Eu também gosto de pensar positivamente. Sobre nós, por exemplo, acho que vamos longe juntas.

– Ah, sim! Estou achando o mesmo. Você é assim uma ótima ouvinte e eu gosto disto.

– Sou boa ouvinte com você. Acredite, não tenho paciência para ouvir abobrinhas. Se bem que tudo que você fala eu acho lindo. O amor torna tudo luminoso, maravilhoso, sei lá, acho que se você começar a falar umas coisas nada a ver vou gostar do mesmo jeito.

– Eu amo você. Se falar algumas besteiras, serão as mais quentes no seu ouvido.

– Aí, malvadinha! Arrepiou-me toda. Vamos dar uma corridinha lá no quarto?

– Sim, embora para o quarto.

– Pior vai ser se a Irene aparecer para perguntar se gostamos do caldo. Virge!

Valentina comentou levando a mão a boca, caindo na risada.

– Se ela vier vai pensar que o caldo já está surtindo efeito. Vem logo, amor! Hahahaha…

Continua… 



Notas:



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