Vontade Ferrenha.

Capítulo 7

Valentina ficou olhando para Layse por alguns instantes, então disse impressionada:

– Olhe bem você, está mesmo diferente. A adolescência é um tédio, não é? Admita! Eu detestei a minha. Não via a hora de crescer para curtir horrores. Não conheci ninguém até hoje, que tenha gostado da adolescência. Tantas proibições, aff…

Layse deu um sorriso respondendo:

– Sou tão caseira que as proibições não chegaram à minha vida ainda.

– A é? Então espera para você ver quando começar a sair. Podes crer que os seus pais vão querer cortar as suas asas. Meu pai bem que tentou. Foi um alívio quando ele me mandou morar em São Paulo. Agora tenho meu apartamento, é tudo de bom.

– É, talvez meus pais não gostem caso eu comece a sair. O apartamento onde você mora é seu?

– Não, é alugado. Papai não quis comprar um apartamento porque assim que me formar vou voltar para Cielo. Terei que acostumar-me em viver novamente nesta cidade tranquila. De qualquer forma tem as cidades vizinhas daqui para onde poderei ir quando quiser mais agitação.

 – É verdade, agitação! Você gosta muito, não é?

– Claro que gosto! Adoro dançar, curtir a noite, beijar, é ótimo! Perigo!

Layse subiu os olhos pelo corpo dela mal conseguindo disfarçar sua excitação. Valentina olhou para o lado fugindo do olhar intenso, porque estava percebendo aqueles olhares, apenas fingia não os notar.

– Você disse perigo?

– Hahahaha, disse sim. Tenho a mania de falar isto, esquece!

– Certo. Ouvi dizer que você namora muito.

– Sim, namoro, mas nem sempre. Às vezes vou só ficando até ver onde vai dar. E você?

– Eu nunca fiz nada.

– O quê? Nem beijou?

– Não.

– Você sabe o que significa realmente ficar?

– Sei lá, é tipo transar, não é?

– Nem sempre. Já te adianto que uma intimidade maior não é nada mal, porque sexo é muito bom. Como que você não beijou ninguém até hoje? Não estou acreditando! Estou passada!

– Nem eu sei como que não beijei até hoje.

– Se olha no espelho, você é um pitéu. Não é de estranhar, sempre te achei muito fofa quando era criança. Mas agora está com um corpo digno de respeito. Aposto que as lésbicas daqui já andam te filmando. Não se engane que a elas nada escapa.

Layse sorriu descruzando as pernas.

– Segundo eu sei pitéu é um prato feito com camarão. 

– Exatamente, é um prato nordestino delicioso. Daí a chamarmos uma mulher gostosa de pitéu. Você está muito gostosa mesmo, pode acreditar em mim.  

Gostosa? Layse pensou sentindo vontade de rir de felicidade por Valentina afirmar que ela estava gostosa.

– Obrigada. Nenhuma lésbica chama a minha atenção.

– Ainda não chama, mas isto é questão de tempo. Você deveria se enturmar com elas.

– Não sei não.

– Está na idade de começar a namorar. Dei meu primeiro beijo logo que cheguei em São Paulo. Amo beijar! Você não faz ideia como é bom. É claro que quando fico com uma mulher, nem sempre faço sexo, mas eu beijo muitooooooooo! Delírio!

– Delírio por quê?

– Porque eu gosto, ora.

Layse ficou olhando-a pensativa. Valentina voltou a ficar sem jeito desviando os olhos. Aquele olhar de Layse era completamente diferente dos olhares da menina que a fitava com imenso carinho quando se encontravam no passado. Claro que não se viam sempre, até mesmo porque quando vivia em Cielo estudavam em escolas diferentes. Recordou que Layse estava com nove anos quando passou a ir sempre na sua casa, mas não tinha muito paciência para as conversas dela naquele tempo. Estava com quinze anos e já vivia sonhando em conhecer alguém para namorar, seus interesses eram outros, e, Layse só falava dos problemas que tinha e de como queria ajudar os pais.

– Eu senti falta de voltar ao sítio com você e o seu pai.

– Imagino, mas a escola foi ficando apertada e eu comecei a estudar para prestar o vestibular, você deve recordar. Meu pai passou a ir para lá sozinho. Estou simplesmente amando o curso de medicina.

– Eu recordo sim. Também ando estudando algumas matérias para o vestibular.

– Que maravilha, Layse! Você quer fazer faculdade? Isto é surpreendente!

– Sim. D. Clarice vive falando da importância de se ter mais estudo e eu quero melhorar de vida.

– É isto mesmo. Que curso você está pensando em fazer?

– Engenharia agrícola tem tudo a ver com o que eu gosto. Andei olhando e posso fazer o curso online.

– Que máximo! Lá em São Paulo conheci muita gente que fez faculdade online e gostou demais. Acho muito válido. Você tem que é saber organizar os seus horários de estudo para obter sucesso.

– Claro, estou lendo tudo a respeito. Andei verificando as faculdades aqui de MG para ver se tem este curso. Teria que ir estudar em Januária, Juiz de Fora ou em Belo Horizonte e ficaria fora de mão. Seria necessário morar lá, não pode ser porque não posso deixar de trabalhar.

– Sim, eu entendo que é inviável para você.

– É sim, mas online vai dar certo. Estou colocando muita fé que vai.

– Claro que vai dar certo. Você não tem computador?

Valentina perguntou olhando ao redor à procura de ao menos um notebook.

– Tenho não.

– Como faz as pesquisas então?

– Vou na Lan house lá da praça.

– Ah, claro! Você não faz ideia como a minha vida mudou. A faculdade e o estágio no hospital tomam todo o meu tempo. Minha sorte é que consegui uma empregada excelente. Ela cozinha que é uma maravilha. Gosto muito dela e me faz rir horrores. Ela é mineira também.

– Isto é bom. Os mineiros são especiais.

– São sim. Eu amo conviver com gente bem humorada.

Então Layse comentou de supetão:

– Vi uma foto sua no Facebook.

– É mesmo? Não sei qual foto você viu, porque estou sempre postando uma foto nova. Você gostou?

– Gostei porque você é mais bonita do que a primavera.

Valentina abriu a boca surpresa, em seguida sorriu comentando:

– Eu? Oh, obrigada! Hahahaha. Delírio! Sou tão comum…

– Comuns são as vacas e os bois que eu vejo pastando nos pastos.

– Aí, aff! Que comparação! Você acha mesmo isto? Bem, eu como nunca vejo vacas nem bois em São Paulo, não partilho do mesmo pensamento.

– Pode estar certa que você é mais bonita do que primavera inteira, Valentina. Você é o colírio que descansa os meus olhos quando admiro a sua foto antes de dormir.

– Como assim? Você tem uma foto minha?

– Tenho sim, o seu pai me deu. Eu me toco olhando para ela.

Valentina abriu a boca abismada com aquela revelação.

– Ah, eu… Acho melhor…

– Sair daqui? Por quê? Falei alguma coisa demais?

Valentina pestanejou. Estava totalmente sem graça pensando no que responder para Layse. Aquela garota sempre quieta e contida tinha desaparecido.

– Não, é só que eu… Isto foi indelicado. Achei totalmente inapropriado.

– Inapropriado por quê?

– Aff… Não devia falar assim. Não é certo e eu prefiro não ouvir este tipo de coisa.

– Não gosta de ser elogiada?

– Sim, gosto, mas não desta forma, com tipo, você confessando que se toca olhando para a minha foto? Para! Aff…

– Saquei. Você não deve precisar se masturbar porque está sempre ficando com uma mulher. Por isto que ficou ofendida.

– Bem, quer saber? Você nem vai se lembrar que me disse essas coisas daqui a alguns anos. Realmente acho que passou dos limites.  

– Eu me lembro de ter te perguntado se iríamos namorar quando fossemos adultas.

Valentina levou um susto ainda maior por ela ainda se lembrar daquele fato.

– Se tem uma coisa que nunca tive foi boa memória.

Negou lembrar-se porque aquela era uma das lembranças que mais a incomodava da sua infância.

– Esquecer é a coisa mais conveniente que as pessoas fazem.

– Há coisas que simplesmente não tem porque serem lembradas.

– Vamos ver se você vai se esquecer agora também.

Layse a puxou para os seus braços mergulhando a boca na dela. Foi um beijo, o seu primeiro, e mesmo com a sua inexperiência conseguiu entreabrir os lábios de Valentina chupando sua língua com uma intensidade, com um desejo que desorientou a ambas. Valentina correspondeu ao beijo pega de surpresa. Até porque o beijo ardente mexeu com ela. O cheiro da pele suada de Layse, misturado ao perfume, o corpo apertando-se ao seu, as mãos tentando tocar seus seios, tudo aquilo a atordoou.

Caiu em si em meio ao beijo dando um salto da cama desatinada, porque só conseguia pensar que não devia fazer aquilo. O seu pai era o médico dos pais dela e futuramente seria a médica deles. Também porque o pai tinha muita consideração e cuidado para com eles, por conhecer Layse desde pequena, pelo boato de que talvez ele fosse o pai dela. Por nunca ter imaginado que aconteceria algo entre elas, ainda mais depois de ficarem tantos anos sem se encontrarem, e, por Paloma. Podiam estar apenas ficando, mas tinham uma relação ainda assim. Por tudo aquilo, sentiu-se perturbada e culpada.

– Ah, meu Deus, isto não deveria ter acontecido…

Valentina lamentou voltando-se lentamente na direção dela. Layse estava na mesma posição na cama. Olhava-a ainda com o peito arfando excitadíssima.

– Você ficou maluca? Por que fez isto?

– Fiz porque é tudo o que eu quero fazer com você.

– Não! Isto não passou de um equívoco. Desista desta ideia, eu hein! Acabei de te falar que precisa se enturmar com as lésbicas daqui. Esqueça o que acabou de acontecer. Vou agora mesmo lá para a sala que é o melhor que eu faço.

– Não vai nada!

Layse respondeu saltando da cama numa rapidez inesperada. Segurou-a pelos braços, atraindo-a para si, voltando a beijá-la ardentemente. Valentina puxou os braços, afastando-se dela, no entanto, Layse agarrou-a novamente pela cintura empurrando-a contra a parede. Colocou seus corpos roçando suas bocas consumida pelo desejo. Chupava a língua deliciada beijando-a sem se conter. Aquilo era demais para uma pessoa resistir e Valentina não conseguiu ficar firme como pretendia. A boca reagiu correspondendo, chupando a língua de Layse com desespero, até sentir as mãos dela erguendo seu vestido.

– Para com isto agora mesmo! Deveria ter mais juízo!

Valentina reagiu voltando a si, soltando-se de uma vez. Ao conseguir afastar-se, deu um tapa no rosto dela para fazê-la voltar à razão.

– Atrevida! O que pensa que está fazendo? Não te permito, está entendendo? 

Frisou virando para sair do quarto. Assim que tocou a maçaneta da porta, Layse envolveu sua cintura, colocando o corpo nas costas dela.

– Pode fugir, mas eu duvido que você vai conseguir se esquecer destes beijos.

Layse roçou a buceta contra a bunda dela, passando a língua pela orelha quase levando Valentina à loucura.

– E reze, reze muito para eu não te pegar. Porque se pegar, vou te levar à loucura.

– Me deixa em paz!

Valentina respondeu abrindo a porta e fugindo rapidamente do quarto.

Nada no mundo tiraria a satisfação que Layse estava sentindo. Explodindo de felicidade caiu na cama passando a sorrir sozinha, tinha beijado Valentina. Nem aquele tapa diminuiu sua empolgação. Estava consumado, agora conhecia o sabor dos lábios dela. Conhecia seu beijo, seu gosto, estava totalmente elevada.

Valentina entrou na sala sentando agoniada, tentando desesperadamente não demonstrar o quanto se sentia perturbada. Aqueles beijos, as palavras dela e a forma como Layse tentou acariciar seu corpo abalou todas as suas estruturas. Se tivesse sido com outra mulher, mas com ela jamais imaginou que aquilo poderia acontecer. Pensava que Layse estava em outra. Acreditava até que tinha uma namorada, embora nada tenha chegado aos seus ouvidos quanto à aquele fato. Layse era a menina que seu pai tinha trazido ao mundo. Era o padrinho dela e sempre o ouvia contando casos sobre ela. De como estava crescida, bonita, do quanto trabalha incansavelmente, de como era boa filha e uma surpresa feliz na vida de Clarice, que devia a ela o sucesso dos seus cultivos. Nunca iria esquecer o dia em que o pai a viu na porta do supermercado carregando as compras das pessoas. Estava realmente abalado por ver Layse em tamanho estado de pobreza. Salomão tinha confidenciado que o instante em que a viu naquela tarde tinha percebido a proporção da miséria que era a vida dela. Aquilo causou em seu pai um mal estar, uma revolta contra o mundo, algo que ela nunca tinha percebido nele. A conversa com o pai voltou na sua mente naquele instante.

– Pai? O senhor sempre soube o quanto Layse é pobre, não é?

– Tanto sei que doo uma cesta básica todos os meses e tudo mais que eu posso. Foi uma das razões de ter arcado com o aluguel deles. Sempre cortou o meu coração tamanha pobreza. Senti-me devastado quando falei com Layse diante do supermercado. Logo eu que fiz de tudo para que ela viesse ao mundo, não me conformo, realmente, fiquei sem chão. Ainda mais como padrinho, sinto-me responsável pelo bem estar dela. Como padrinho eu deveria impedir que ela se sujeitasse a isto.

– Eu também gosto muito da Layse e fiquei triste por ela ter que carregar compras. Quando ela me contou, procurei mudar de assunto para que ela não percebesse a pena que senti dela. Não sei se agi bem. Ela pensou que estava desfazendo dela. 

– Fez muito bem por não deixá-la perceber. É desumano, é isto, mas também não devo ajudá-los mais do que já ajudo. Pelo curso natural da vida a Layse teria mesmo que trabalhar quando tivesse idade para tanto, mas não tinha que ser agora e muito menos num trabalho tão desvalorizado, quase humilhante. Está lá carregando sacolas a troco de parcas moedinhas. Sem contar o risco de entrar na casa de estranhos, que espero eu, que não tentem abusar da boa fé dela. Seja tudo pelo amor de Deus!

– O senhor podia conversar com ela e alertá-la sobre o perigo de entrar na casa de pessoas estranhas.

– Nesta cidade todos se conhecem, mas você sabe que “quem vê cara não vê coração.” Existe risco sim e é enorme. Nos dias de hoje com tanta maldade acontecendo com as crianças nas vistas de todos, não duvido de nada. Vou ter uma conversar com a Conceição a respeito disto.

– Ótima ideia!

– Olha minha filha, desculpe pelo desabafo. Vou te deixar estudar em paz.

– Não tem problema, pai.

Enquanto Valentina permanecia perdida nas lembranças do passado relacionado à Layse, ouviu Conceição chamando-a para que providenciasse um café para servir para eles. Estava de cabeça baixa quando Layse passou indo para a cozinha atender ao pedido da mãe. Sempre soube o quanto ela era obediente. Cresceu ouvindo o pai elogiando a sua excelente educação e a forma como respeitava os pais. Layse estava sendo exatamente a filha dócil que os pais tanto elogiavam naquele momento indo direto preparar o café. Valentina se lembrou novamente de Paloma, sentindo-se mal por tê-la traído correspondendo aos beijos de Layse.

Na cozinha, Layse fez o café, colocando alguns biscoitos voltando para a sala. Entrou sem olhar para Valentina, mas quando ela ergueu a cabeça, seus olhos se encontraram. Valentina notou na hora o desejo que saltava daqueles olhos engolindo em seco. Layse aproximou-se servindo sua xícara. Sem que os presentes percebessem deslizou a mão pela de Valentina suavemente. Com o corpo inclinado para servi-la, sussurrou próximo ao seu ouvido.

– Vou gozar esta noite pensando em você. No sabor da sua boca e no cheiro da sua pele.

Valentina engasgou tamanha a falta de graça que ficou.

– Tudo bem, minha filha?

Salomão perguntou fitando Valentina preocupado.

– Sim, está tudo bem.

Layse tomou o café com eles silenciosa como se nada tivesse acontecido. Logo depois, pai e filha se despediram indo embora. Layse deixou a sala refugiando-se no quarto. Os beijos trocados ainda queimavam os seus lábios. Era só neles que queria pensar, naqueles beijos.

Continua…

“Não se alcança o coração de alguém com pressa.”

Luis Fernando Veríssimo.



Notas:



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2 Respostas para Capítulo 7

  1. Olha, tô de cara com a ousadia da Layse… Eu que achei que ela ia ser “feita”, e não tomar a dianteira da situação! Passada! Rrrrsss…
    Valentina vai ficar fritando na lembrança, certeza!
    Obrigada e bom fim de semana!

    • Olá, Naty!

      Layse esperou demais por este momento, por isto foi bem direta.
      Ótimo final de semana!
      Muito obrigada!

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