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Capítulo 27 – Testado

– O que acharam? – pergunta Erika se dirigindo aos meus amigos que ainda estão maravilhados com tudo aquilo, ela tem um sorriso gentil no rosto.

– É simplesmente incrível – comenta Lillian encarando minha mãe, Carlos continua a olhar em volta tentando absorver cada detalhe.

– James deixou vocês entrarem no octógono? – ela pergunta em tom de brincadeira apontando para o espaço ao lado do escritório nos fundos da academia.

Junto da pequena sala que serve de escritório para minha mãe existe um octógono quase nas dimensões exatas do oficial. O raio do octógono que Erika mandou construir é apenas meio metro menor do que a medida oficial do UFC e a estrutura é rodeada por um conjunto de arquibancadas de concreto. O piso onde a estrutura foi erguida é rebaixado alguns metros de forma que o nível do piso dentro do octógono fique na mesma altura da primeira fileira da arquibancada. Erika caminha descendo uma pequena escada na única abertura das arquibancadas de concreto e desce até o fundo próximo a porta do octógono. Nós a acompanhamos com meus amigos logo atrás de mim e James no final.

– Ainda não tinha trazido eles aqui tia Erika – comenta meu melhor amigo quando minha mãe termina de descer a escada – Mostrei para eles só de longe.

– Então venham todos – ela convida abrindo a porta da grade e subindo os degraus para dentro – Aposto que vão adorar estar aqui dentro. Esse é muito parecido com o oficial em dimensões – ela conta abrindo espaço para meus dois amigos entrarem.

James se senta na primeira fila das arquibancadas e eu faço o mesmo enquanto observo Carlos e Lillian andarem dentro do octógono com admiração. Erika deixa que eles explorem o lugar por alguns momentos. Delicadamente ela fecha a porta da grade e se vira para eles esperando que terminem sua inspeção.

– O que acham de uma pequena brincadeira? – ela fala com um largo sorriso quando os dois a olham depois de terem rodado todo o perímetro – Vamos, tirem os sapatos – ela dá a instrução e começa a tirar os próprios tênis, os dois se olham e dão de ombros fazendo o mesmo – Arthur, traga dois pares pra mim por favor, devem ter alguns para treino ali naquele canto.

Sei do que ela fala, é um pequeno armário logo abaixo do octógono na direção oposta ao da porta de entrada dele. Ali ficam alguns equipamentos que ela usa nos treinos, são particulares dela e alguns meus, mas também deixamos todos para uso dos alunos ‘avançados’ que minha mãe tem. Estão sempre limpos e guardados ali.

Corro até lá e separo dois pares de luvas médias enquanto procuro um menor. Como não encontro nenhum menor do que as que já pequei alcanço mais um deles e pego também um capacete de proteção. Erika nunca os usa, mas obriga todos que lutam com ela em treinos a usarem. Volto para a porta do octógono e minha mãe a abre para pegar os materiais. Ela joga um par de luvas para cada um deles, os pares vermelhos, e fica com o azul.

– Quem quer ser o primeiro? – ela pergunta divertida vendo meus amigos a encararem com olhares arregalados – Ora vamos, é só uma brincadeira – garante ela rindo enquanto termina de colocar suas luvas – Venha Lillian – ela chama se aproximando da minha amiga e estendendo o capacete.

No primeiro momento ela reluta, mas depois dá de ombros e deixa minha mãe ajudá-la a colocar o equipamento. Depois Carlos se afasta para um dos cantos e minha mãe traz Lillian para o centro. Erika estende a luva para frente em um cumprimento e ouço Lillian rir antes de tocar as luvas com minha mãe. Vejo o riso no rosto de Erika, ela com certeza está se divertindo fingindo lutar com Lilly que resolveu tentar um pouco mais seriamente, mas mesmo assim não consegue acertar nenhum golpe.

– Vamos com isso garota – brinca minha mãe – Tem que me acertar pelo menos uma vez – ela diz antes de acertar um tapinha no capacete e continuar rodando em volta de Lillian que ainda tentava acertá-la.

Depois de vários minutos minha amiga desiste e tira o capacete. Dá para ver que ela começou a suar e minha mãe solta uma gargalhada ajudando-a a terminar de tirar o equipamento e estendendo ele para Carlos logo em seguida. Meu amigo dá um riso desconcertado mas respira fundo e coloca o capacete com Erika o ajudando também. Vejo ela repetir o mesmo processo de antes, mas seu olhar encontra o meu logo antes deles começarem a se mover.

No começo a postura dela era igual a que havia usado com Lillian. Carlos certamente começou por diversão também e estava bem relaxado no início. Erika começa a encostar mais no capacete, provocando-o, e meu amigo começa a ficar um pouco mais sério. Então a postura dos dois começa a mudar e minha mãe ergue um pouco mais a guarda quando meu amigo começa a realmente soltar golpes com a intenção de conseguir pelo menos um soco na maior lutadora de todos os tempos do UFC. Sei que ele adoraria ser capaz disso e o quanto se sentiria realizado se conseguisse.

Vejo como a postura de Carlos muda, ele parece ter esquecido que tudo começou como apenas uma brincadeira. Agora entendo porque minha mãe os trouxe para o octógono, isso estava mexendo com a cabeça dele. O ambiente fazendo com que ele se sentisse realmente dentro de uma luta, o esporte que ele mais adorava, o que mais conhecia. A atmosfera do octógono junto do jeito de Erika encará-lo o estava levando a sensação de estarem numa luta de verdade.

Percebo como ela analisa a postura dele, o posicionamento dos pés e braços, as mãos, até mesmo o olhar. Carlos encolhe os ombros, mantem a guarda em frente ao rosto enquanto tenta se aproximar. Ele tem boa postura, mas não tem velocidade nenhuma. Erika então começa a força-lo, empurrando-o contra as grades, rodando mais rápido. Carlos parece um tanto perdido e confuso, mas não desorganiza sua própria movimentação.

Ele continua firme, mesmo com minha mãe colocando pressão em cima dele e isso me impressiona. Já vi ela pressionar assim diversos iniciantes, a maioria eram candidatos a alunos dela. Mesmo tendo sua academia e diversos instrutores Erika sempre estava por perto dando palpites em uma aula ou outra, mas apenas alguns alunos tinham o prazer e a honra de terem minha mãe como sua treinadora. Esses passavam por um rigoroso processo de seleção e testes antes de serem aceitos como alunos.

Até hoje houve apenas um que suportou o treinamento dela por tempo o bastante para que ela lhe permitisse ter uma luta. Eu ainda me lembrava do cara, seis anos mais velho que eu, tão alto quanto James e com o mesmo tom de pele. Não fazia questão de recordar o nome dele, mas lutamos algumas vezes. Apesar de nunca ter conseguido me vencer ele ainda insistiu muito para que Erika permitisse que ele entrasse numa pequena competição entre academias. Eram apenas 6 lutadores disputando e ele convenceu Erika de que merecia a chance.

Lembro de minha mãe ter dito a ele que não estava pronto e dele garantir que estava. Lembro da seriedade com que ela disse que não estava e dele implorando para ter uma chance. No fim ele perdeu na primeira luta e não lutou mais. Deixou a academia e Erika se culpa até hoje por tê-lo deixado competir sabendo que ele não estava pronto ainda. Ela havia cedido ao seu lado bondoso e isso lhe custou um promissor lutador. Depois disso, minha mãe se tornou muito mais dura e difícil em seus critérios para aceitar outro aluno e mais rigorosa e firme com os poucos que ela permitia terem esse título.

Enquanto eu divagava Carlos acabou encurralado num canto contra as grades. Via que Erika não acertava golpes fortes, mas eles não eram menos rápidos. Notamos que meu amigo tinha incríveis reflexos e uma grande concentração. Ela o pressionava e ele não desmontava diante dela. Continuou com a guarda alta, mas com os olhos bem abertos e fixos nos movimentos tentando desviar dos golpes e parecendo tentar achar uma saída. Não era comum um iniciante aguentar uma pressão assim. O esperado era que, nessa altura, ele se encolhesse protegendo a cabeça. Mas carlos continuou firme enquanto tentava desviar e amortecer os socos que, apesar de não terem a força total dela, eu pude notar que estavam ficando mais pesados.

Eu sabia que não tinha me enganado, mas ver Carlos ali resistindo a pressão que minha mãe colocava nele me fez sorrir. Era a prova de que eu estava mais do que certo e eu podia ver no olhar satisfeito da minha mãe que ela também tinha chegado a essa conclusão. E eu sabia o que viria a seguir. Ela deixou uma abertura proposital, viu Carlos hesitar como se ele sentisse que aquele caminho tinha sido deixado ali para ele de propósito e não estivesse confiante em encarar uma armadilha ou não. Mas ele não tinha outra opção.

Carlos se abaixou tentando usar a abertura que Erika deixou ao erguer o braço esquerdo. Ele se inclina e tenta sair das grades por baixo da guarda dela enquanto solta um golpe com o braço direito tentando se proteger com o esquerdo. Erika desceu o braço esquerdo rápido envolvendo o direito dele antes que Carlos conseguisse terminar o soco. Seu corpo gira rápido demais para alguém além de mim e, talvez James, acompanhar. No instante seguinte Carlos está caído de costas no chão com Erika tendo o antebraço pressionando seu peito.

Ele tem os olhos arregalados sem entender como foi parar ali. James tem a boca aberta em surpresa com tudo o que acabou de acontecer. Lillian está com as mãos sobre o rosto cobrindo a expressão de choque onde podemos notar apenas seus olhos preocupados com o irmão. Mas eu e minha mãe estamos com um largo sorriso que aumenta quando ela solta um riso baixo e se levanta puxando Carlos para cima também. Quando me olha, sei o que se passa por trás do brilho nos olhos azuis tão parecidos com os meus.



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