PARA LUCY

A nossa história é dessas que pareceu ser escrita pelas estrelas. Quando você apareceu eu tinha pouca idade e muita vontade de ser alguém.

Foi um momento estranho. Há alguns meses tínhamos perdido a Aimée, nossa gata preta mais doce. Tempos antes, Noir, também negro como a noite, e louco como os amigos que frequentavam nossa casa, quando ele chegou.

Tivemos também, por menos de 1 semana, duas filhotes: Cecília e Clarice, nomeadas de acordo com nossas escritoras favoritas. Um dia, quando acordamos, elas estavam mortas. Creio que já vieram doentes, e como eram muito pequenas, não sobreviveram para que notássemos algo errado.

Estávamos desoladas, sem esperança de termos mais um animal em casa. Minha esposa relutava na adoção e dizia: “Só vou adotar um gato agora se aparecer na minha janela!”

O detalhe é que morávamos em um apartamento no segundo andar do prédio. Ou seja, era praticamente impossível surgir um gato lá. Mas, você apareceu. Não exatamente lá, e sim no muro da casa vizinha, que dava a mesma altura da janela, há uns 2 metros de distância.

Eu estava vendo o fim de tarde de inverno, que em BH é maravilhoso, diga-se de passagem, quando vi uma bolinha de pêlo marrom andando pelo muro.

Eufórica com sua beleza, gritei para que a Vi viesse te ver também. Você, assustada com meus gritos, voltou para a proteção das telhas, e fui dada como confusa. Pagamos o filho do vizinho do apartamento abaixo para subir lá, ver se te encontrava, contudo nada aconteceu.

Viajei a trabalho, e na noite mais fria do ano você se viu abandonada por sua família. Não deixou ninguém dormir no prédio e na casa que era sua morada.

Minha esposa pediu à vizinha que se conseguisse te pegar, a queria. E num balaio bem desproporcional, você chegou. Se enroscou em fios, mordeu e arranhou a Vi, por medo, quando ela tentava te soltar.

Entre as duas receosas eu achei espaço para te pegar, uma bolinha de pêlo meio siamesa. Foi amor à primeira vista! Seu nome: Lucy in the sky. Lucy por causa do Snoopy, in the sky pelos seus olhos azuis e pelos Beatles.

Você sempre foi uma lady. Andava entre vasos e nunca derrubava nada. Acreditava que se escondia atrás do candelabro. Gostava de conversar com todos, sempre respondia algo quando falávamos com você.

Depois de uns meses chegou o Linus. A lógica do nome seguiu a sua. Foram irmãos de farra, de brigas, de sustos, de amor.

Sempre adorou o sol. Vivia na janela. Tanto é que caiu dela duas vezes. Com a graça divina, nada lhe aconteceu. A maioria das lembranças e fotos que tenho suas são na presença desta luz celeste.

Nunca vou me esquecer da cena de quando nos mudamos do apartamento para uma casa. O quanto você rolava de um lado para o outro na grama iluminada pela luz da manhã, no novo quintal.

Com a mudança veio o cio e você conseguiu escapulir. Voltou prenha e deu a luz a seis filhotes, dos quais só sobreviveram dois: o Ponto e a Vírgula. Ele preto e branco, ela meio siamesa, com o rabo quebrado. Ambos foram adotados após o desmame, e a castração foi inevitável.

Mesmo sem poder emprenhar, nunca deixou de ir pra balada. Sempre a encontravam fora de casa no meio da madrugada.

Teve a companhia do seu sósia, que colocamos pra dentro algumas vezes no seu lugar.

Após a mudança para nosso lar definitivo, você resolveu dar um rolê para conhecer o bairro e ficou 24h sumida. Quase nos matou de desespero. Havíamos perdido o Linus para uma doença renal e um tempo depois, tivemos que mandar sacrificar o Ragu. Prefiro não lembrar deles agora, quero pensar em momentos felizes ao seu lado.

Depois de voltar a ser filha única, se viu às voltas com filhotes que não gostava. Se tornou nossa “Rainha Elizabete”: altiva, olhar no horizonte, olhos azuis, e alheia ao resto do mundo.

Alguns filhotes se foram, ficaram duas. Amigas no início, e qualquer coisa depois. Dizíamos que eram as princesas da casa. Nina, a mais velha, ambicionava o trono. Jojo, a mais nova, fazia o papel de princesa criança feliz.

Essas irmãs acharam amigos na rua e resolveram trazer para comer em casa, como as mães. E assim vieram Mirelo e PB: o primeiro, bobo da corte, que apanha de todas e o segundo, um coitado que se assusta até com a própria sombra.

De assustado, Pedro Bento passou a seu melhor amigo, e compartilhou muitos momentos ao sol com você. Não víamos essa cena desde que o Linus era vivo.

Assim você passou seu último ano, na dança das camas com seus irmãos, nas reclamações por não te deixarmos entrar em casa, nos dias no vaso da goiabeira tomando sua cota de vitamina D.

E é desta forma que quero me lembrar de você, a mais velha, comunicativa e leve entre os cinco felinos que habitam essa casa.

Vai com Deus pros braços de São Francisco. Obrigada por me deixar fazer parte desses seus 16 anos por aqui. Faça um carinho nos seus irmãos por mim e diga que nunca os esqueci, assim como você sempre estará no meu coração. Te amo, Lucy in the sky!

FIM!

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2 Responses to PARA LUCY

  1. Um belo tributo a Lucy in the sky.
    Me fez relembrar minha negrinha linda Nyeli que também se foi, de forma muito dolorosa, pois teve que ser sacrificada por conta de um câncer severo que de forma rápida tirou toda sua qualidade de vida. Ficou comigo por 14 anos. Agora aqui somos eu, minha esposa e nossas outras felinas Mel e Marie, ambas na mesma idade, 6 aninhos. Mel também é meio siamesa, uma lady, super carinhosa, mas só quando quer, rs. Fica na dela, esconde das visitas, mas quando quer carinho não se priva de recebê-lo. Marie é totalmente ao contrário, é Branca com orelhas, focinho e almofadinhas das patas 🐾 rosas, olhos super azuis e deficiente auditiva. Mas o que falta na audição sobra na fala rs, super comunicativa, ninguém é estranho para ela, conversa com todos os vizinhos, ela mia altíssimo, acredito que tentando se ouvir. Tem uma super necessidade de contato humano. Aqui em casa sentou ela já vem pra cima, rs, neste momento enquanto escrevo, ela está em cima de mim com seus braços esticados tocando meu rosto, é sua posição preferida, e Mel está ressonando no arranhador.
    Enfim, eu costumo dizer que só não gosta de gatos quem nunca teve um. Ter a companhia desses bichinhos é um caminho sem volta. ❤️
    Um abraço, Naty! E tenho certeza que Lucy está super agradecida por tanto carinho e amor recebido durante esses 16 anos.

    • Fabi, obrigada pelas palavras! Imagino que suas gatinhas devem ser lindas.
      Um abraço a todas.

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